No blog Nocaute
Pela primeira vez a França poderá ter um presidente que não veio do bipartidarismo da Quinta República
Vivemos em nosso país um momento histórico através da campanha presidencial francesa. Um momento que confirma a hipótese que sublinhamos muitas vezes aqui no Nocaute, um momento de crise do sistema político. Claramente. Não é só uma crise conjuntural ou uma crise de partidos, não. É uma crise estrutural do sistema, da Quinta República.
Por Cristophe Ventura, Paris
Bem vindos a todas e todos, saudações de Paris, do Velho Continente que ainda continua seu caminho de crises da política, do panorama político continental. E a situação da França de novo confirma esse fato.
Vivemos em nosso país um momento histórico através da campanha presidencial francesa. Um momento que confirma a hipótese que sublinhamos muitas vezes aqui no Nocaute, um momento de crise do sistema político. Claramente. Não é só uma crise conjuntural ou uma crise de partidos, não. É uma crise estrutural do sistema, da Quinta República.
Outra coisa está sendo preparada e veremos o quê, no futuro.
Atualmente esta campanha é um pouco louca, porque vivemos uma coisa extraordinária que é a seguinte: pela primeira vez é muito provável que teremos como próximo presidente ou próxima presidente, se falamos da senhora Marine Le Pen da Frente Nacional, teremos como presidente uma pessoa que não faz parte, não vem do bipartidarismo político francês da Quinta República.
Pela primeira vez os candidatos do Partido Socialista e dos Republicanos da direita tradicional provavelmente não farão parte da final dessa eleição.
É um feito muito estrutural e inédito aqui no país.
O Partido Socialista e seu candidato Benoît Hamon estão muito mal nessa campanha, porque vivemos um momento de fratura no Partido Socialista entre seus componentes de direita, do ex-ministro Manuel Vals que agora traiu Benoît Hamon, confirmando que votará em Emmanuel Macron. O candidato do En Marche, que é o candidato do hiper centro francês. Vamos falar do tema um pouco mais tarde.
Mas o que está acontecendo agora é uma fratura definitiva desse Partido Socialista e Benoît Hamon está pagando o preço de uma estratégia que não foi uma estratégia eficaz, porque ele decidiu assegurar em primeiro lugar a unidade do seu partido com essa direita majoritária e perdeu esse desafio.
Atualmente está isolado na campanha presidencial, as pesquisas dizem que terá 10% dos votos apenas, e hoje não conseguimos ver qual poderia ser a dinâmica nova para ele. Que está de novo abandonado pelo seu partido, em sua parte da direita majoritária.
Por outro lado o senhor Fillon está ainda completamente afetado pelos escândalos, o assunto da corrupção contra ele, sua esposa, família, apesar de que ainda tenha um peso eleitoral bastante significativo, ao redor de 20% dos votos, não seria suficiente para conseguir o segundo turno. E essa campanha para a direita é também uma campanha de medo para a direita, porque sabe que vai perder muito nessa campanha.
Então, uma vez que vimos isso, temos que identificar que na França há hoje três dinâmicas políticas que competem pela final.
A primeira componente é a primeira populista de direita: Marine Le Pen. Que afirma salvar o país e o povo francês através de uma luta muito forte contra os imigrantes, que seriam a principal causa dos problemas econômicos e sociais dos franceses, e uma luta também contra o sistema financeiro. Ambos temas fazem parte do corpo de seu programa.
Hoje ela está liderando as pesquisas e estará provavelmente no segundo turno e talvez poderá ganhar a eleição.
A segunda dinâmica é a de Emmanuel Macron. Não é um populista como tal, usa uma retórica populista contra o sistema, etc, mas para aglutinar todas as forças liberais tanto de direita como de esquerda para aglutinar toda a gente que quer precisamente conservar esse sistema, enfim. Que estão integrados ao sistema e que querem renovar a cara do porta-voz do sistema, para ficar no poder.
Esta é a dinâmica do sr. Macron, que é um pouco como um Tony Blair francês, essa que é a verdade.
A terceira dinâmica muito forte que temos, mais populista de esquerda é Jean-Luc Mélenchon. Jean-Luc Mélenchon teve uma ascensão fenomenal esses dias a partir da crise do Partido Socialista, e ele está jogando um desafio muito importante, que terá muita influência para entender o futuro da política francesa.
Porque ele está agora liderando a esquerda, e aparece como o voto útil da esquerda, de todas as pessoas progressistas desse país para precisamente frear a extrema direita e a tentativa de conservação do sistema de Emmanuel Macron.
Há um fenômeno de voto útil com Mélenchon por todas as pessoas que querem uma mudança de verdade. Jean-Luc Mélenchon atualmente tem essa liderança e tem nas pesquisas ao redor de 15% das intenções de voto. Poderia hoje superar Fillon e talvez participar do segundo turno. Hoje não se pode dizer isso, mas está crescendo, crescendo, crescendo, é uma primeira forma de voto útil que afirma que a resolução da crise econômica e social da sociedade não tem a ver com os imigrantes, mas tem a ver com a distribuição da riqueza, o tema da luta contra as desigualdades e também da pobreza. E que a igualdade é a chave da prosperidade coletiva.
Isso é um discurso muito claro e muito importante para mobilizar milhões de pessoas na nossa sociedade.
E há aí um futuro possível para a esquerda, que de toda forma terá um peso e um papel muito importante depois da eleição, porque será provavelmente o líder da esquerda no nosso país e não será o Partido Socialista.
Então, essas três dinâmicas estão competindo numa luta muito forte no nosso país, e isso será a situação que teremos que observar nas próximas semanas e vão acontecer muitas coisas, e o que se joga entre Le Pen, Mélenchon e Macron poderia mudar de novo para precisar o que se está preparando aqui no país.
Uma crise de sistema, uma bifurcação política histórica no nosso país, com um fundo de crise econômica e social muito forte são os elementos de um coquetel político, ao mesmo tempo um pouco caótico mas ao mesmo tempo muito estimulante, porque acontecem muitas coisas e vão se abrir espaços para a construção de uma nova situação, de uma nova forma de uma representação política no nosso país nos próximos meses que vêm.
De tudo isso vamos falar no futuro com Nocaute.
Adeus.
* Christophe Ventura é jornalista, redator-chefe do site “Mémoire des luttes” (www.medelu.org) e autor do livro “L’éveil d’un continent – Géopolitique de l’Amérique latine et de la Caraïbe” (Editions Armand Colin, Paris).
Rachel
04/04/2017 - 18h32
Ajudou muito a entender o que se passa na França, ainda mais oirque não dá tempo de ler muita coisa além do horror diuturno que estamos vivendo.
Mirtes
04/04/2017 - 17h41
A estabilidade das instituições francesas jamais permitiriam um golpe de estado caso Mélenchon seja eleito. Ou não? A política francesa conta com uma mídia independente? A revolução francesa pesa no eleitor? Quem é o contribuinte francês?
Julio Cesar
03/04/2017 - 22h14
Em que tempo?