No Instituto de Estudos Latino Americanos (IELA)
Venezuela: o golpe é de quem?
31 de Março de 2017, por Elaine Tavares
As atribuições da Assembleia Nacional serão exercidas diretamente pela Sala Constitucional do Tribunal Supremo de Justiça enquanto persista a situação de desacato do poder legislativo.
Através de duas sentenças emitidas esta semana, o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) ratificou sua tarefa central, que no marco constitucional é preservar o Estado de Direito, sobretudo antes fatos que pretendem desconhecer o ordenamento jurídico e violar a soberania nacional. Ele interveio na Assembleia Nacional porque a instituição legislativa se recusa a cumprir a lei.
Essa decisão levantou diversas reações no mundo, a maioria delas acusando o governo de estar “dando um golpe”. Julio Borges, presidente do parlamento venezuelano, tem divulgado que está em curso um golpe de Estado, dado pelo próprio governo, e chamou as instituições do país a desconhecer o TSJ. O secretário geral da ONU, Luís Almagro, também qualificou a sentença de um “autogolpe de Estado”, e o Peru retirou seu embaixador do país. No Twitter, a frase “Golpe de Estado” está em primeiro lugar ainda que nas ruas da Venezuela tudo esteja calmo. O agito, como sempre, é virtual e tem a adesão de milhares de pessoas no mundo, que logo começam a gritar “golpe, golpe” sem saber na verdade o que está acontecendo. As reportagens na televisão brasileira também são dramáticas. Simplesmente reproduzem os argumentos da direita venezuelana, sem se preocupar em buscar outras fontes.
Na verdade, a se considerar a letra fria da lei, o golpe real está sendo dado pela Assembleia Nacional, na medida em que se recusa a cumprir as determinações da suprema instância da Justiça.
A Telesur divulgou hoje um texto no qual explica o que acontece na Venezuela. Quem quiser entender, precisa ler.
Por que o TSJ assume as competências parlamentares do Poder Legislativo?
Porque a Assembleia Nacional está em uma situação de desacato com relação ao TSJ desde o dia 5 de janeiro de 2016 e mantém esse estado até a atualidade por juramentar três deputados da autodenominada Mesa da Unidade Democrática (MUD) eleitos pelo estado Amazonas, cuja eleição em seis de dezembro foi impugnada devido a fraudes.
Existem gravações nas quais a então secretária de governo do Amazonas, Victoria Franchi, oferecia somas em dinheiro a grupos de pessoas para votar pelos candidatos opositores. Por isso, o TSJ suspendeu as proclamações dos deputados daquele estado. Apesar disso, a Assembleia realizou o juramento dos dois como deputados e os investiu no cargo, para garantir a maioria absoluta (dois terços) ao MUD, o que lhes dava novas faculdades e atribuições, inclusive a de mudar ou anular as leis orgânicas como a Lei do Trabalho e a Lei da Educação, entre outras.
Quando poderia voltar a situação de legalidade na Assembleia Nacional?
A recente medida do Máximo Tribunal é temporária e se manterá até que a AN convoque a sessão, acate a medida do TSJ sobre a desincorporação dos dois deputados e chame nova eleição da Junta Diretiva.
Quais são as funções do TSJ venezuelano no marco constitucional?
– Preservar o estado de Direito, sobretudo ante os fatores que pretendem desconhecer o ordenamento jurífdico e violar a soberanía nacional.
– Evitar que o poder legislativo – em desacato- afete o funcionamento dos demais poderes públicos venezuelanos.
– Proteger o país de um poder inconstitucional que solicita uma intervenção estrangeira ante potências hostis.
Como começou a suplência da Sala Constitucional das funções da AN?
A decisão tomada pelo TSJ se produziu em virtude de um recurso de interpretação interposto pela Corporação Venezuelana do Petróleo, S.A. (CVP) ao artigo 33 da Lei orgânica de Hidrocarburos, referente a constituição de empresas mistas, que exige a aprovação da AN e a mesma se encontra em situação de omissão legislativa.
A Sala Constitucional do TSJ também ordenou ao Executivo empreender as medidas internacionais que estime necessárias para garantir a ordem constitucional, frente a ações de ingerência contra a estabilidade democrática da Venezuela, como as tomadas pelo secretário general da Organização de Estados Americanos (OEA), Luis Almagro, em flagrante intervenção na política interna do país.