Sequestro de jornalista produz um milagre: importante associação ligada à Globo questiona Lava Jato

A violência da Lava Jato contra Eduardo Guimarães, sequestrado na porta de sua casa por ordem do juiz Sergio Moro,  foi tão chocante que produziu alguns milagres.

A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), hoje controlada pela Globo, sentiu-se compelida a seguir seu estatuto, cujo capítulo V preconiza a “defesa da democracia, do livre exercício do jornalismo investigativo e da liberdade de expressão”, e soltou uma nota na qual questiona o sequestro e roubo dos bens do jornalista Eduardo Guimarães, praticados pela Lava Jato.

A gente tem de chamar as coisas pelos nomes.

A Lava Jato não faz apreensão dos bens das pessoas. Ela rouba, já que não devolve nunca. O jornalista Breno Altman, em entrevista a Nassif, revelou teve seus aparelhos eletrônicos apreendidos no ano passado e até agora não os devolveram. Os aparelhos eletrônicos da família de Lula, incluindo o IPAD de seu netinho de poucos anos de idade, também não foram devolvidos.

Apreender os bens de um cidadão, sem uma motivação legal consistente, e não os devolver, é roubo.

“Condução coercitiva” também deve ser chamada por um nome mais apropriado: sequestro.

Segundo o dicionário, sequestro é o termo legal para “clausura ou detenção ilegal de alguém, privando-o da sua liberdade contra a sua vontade”.

Condução coercitiva é ilegal, segundo a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). A violência só é válida se o cidadão se recusar a colaborar, o que não tem sido o caso de nenhuma dessas vítimas da truculência de Sergio Moro.

E não creio que alguém queira, por livre e espontânea vontade, ser humilhado diante de seus vizinhos com a presença de agentes federais fortemente armados, esmurrando a porta da sua casa às seis horas da manhã.

Então é sequestro.

Eu diria que houve também um grande constrangimento entre os jornalistas  vinculados à Abraji, a começar por seu próprio presidente, que trabalhou na cobertura da Lava Jato.

Desde o início da operação, eles receberam informações privilegiadas e vazamentos oriundos da própria força-tarefa da Lava Jato.

Por essa razão, eles ficaram chocados, provavelmente apavorados, com o fato da Lava Jato, subitamente, resolver tratar jornalistas com a mesma violência que costuma dedicar aos réus, por causa de… vazamentos!

A nota da Abraji é fraca. Dá voz exclusivamente à acusação, o que é grotesco. Se é para questionar um abuso de autoridade, então que se dê os argumentos da defesa, e não da acusação. Já basta o monopólio da violência do Estado, que é uma prerrogativa constitucional e um mal necessário. O jornalismo tem de ficar ao lado da defesa e da liberdade, e não do Estado, sobretudo num texto cujo objetivo é questionar… o abuso de autoridade do Estado.

Mas a Abraji é controlada pela Globo. O seu presidente é Thiago Herdy, da Globo. Então a gente entende que a decisão de questionar a Lava Jato e defender o jornalista Eduardo Guimarães tenha sido um gesto corajoso e admirável, que merece nossos mais entusiásticos elogios.

O último parágrafo se inicia, porém, com uma ressalva desnecessária:

Ao mesmo tempo, comunicadores, blogueiros e jornalistas não estão imunes a investigações e, se houver indício de crimes estranhos à atividade de comunicação, devem ser investigados como qualquer cidadão.

Isso é óbvio! Se um jornalista sonegar 200 milhões de reais, através do uso ilegal de offshores nas Ilhas Virgens Britânicas, ele deve sofrer as devidas punições legais, como qualquer outro cidadão.

Não há necessidade de se lembrar a ninguém que jornalista não pode cometer crime. Assim como não deveria ser necessário lembrar, tanto ao judiciário como aos jornalistas, que ninguém é culpado até que se prove o contrário.

Quem pode cometer crime no Brasil, impunemente, por enquanto, são apenas juízes, procuradores e delegados da polícia federal, que podem sequestrar, roubar, destruir empresas, torturar uns, caluniar outros, conspirar contra o regime democrático, vazar a comunicação privada da presidenta da república, sem que isso lhes acarrete nenhum constrangimento legal.

A Abraji não é associação de polícia para enfatizar que crime é crime.

A última frase, porém, é generosa e salva todo o texto. Eu bato palmas para ela!

Mas não se pode admitir que a investigação atente contra princípios que garantem o exercício do jornalismo não apenas ao blogueiro, mas a todos os comunicadores do país.

Parabéns, Abraji!

Parabéns, Thiago Hardy!

***

No site da Abraji

Abraji manifesta preocupação com o grave risco de quebra de sigilo da fonte

A Justiça Federal de Curitiba e a Força Tarefa do Ministério Público Federal responsável pela operação Lava Jato apresentaram nesta terça-feira (21.mar.2017) razões diferentes para a condução coercitiva e do mandado de busca e apreensão contra o blogueiro Eduardo Guimarães, que edita o “Blog da Cidadania”. O pedido foi solicitado pela Polícia Federal e MPF ao juiz da 13ª Vara Federal em Curitiba, Sérgio Moro, que deferiu a solicitação.

Em nota, a assessoria da 13ª Vara informou que Guimarães é, na verdade, político, e que seu blog seria uma plataforma de propaganda eleitoral. Admite que o diploma em jornalismo não é obrigatório, mas argumenta que manter um blog não é suficiente para ser jornalista. Conclui, enfim, que o sigilo da fonte não estaria sendo quebrado porque o blogueiro não teria essa prerrogativa.

Também em nota, o Ministério Público Federal (MPF) argumenta que os pedidos não pretendiam descobrir a identidade da fonte de Guimarães, uma vez que o MPF já teria investigado e identificado o informante. Na versão dos procuradores, o blogueiro teve acesso a informações sigilosas sobre a que seria a 24a fase da Operação Lava Jato e repassou-as aos que seriam investigados antes de publicar seu texto. O MPF suspeita que a intenção tenha sido atrapalhar deliberadamente as investigações, e não checar dados. Nessa fase foi decretada a condução coercitiva do ex-presidente Lula. A defesa do blogueiro nega a acusação.

Em meio à divergência de narrativas, a Abraji manifesta preocupação com o risco de quebra de sigilo da fonte deste e de outros trabalhos do blogueiro, a partir do acesso a seus arquivos pessoais e profissionais. Não cabe à Justiça Federal traçar linhas a definir quem é e quem não é jornalista com o objetivo de afastar prerrogativas constitucionais. Não há dúvidas de que uma das atividades de Eduardo Guimarães é a manutenção de seu blog, por meio do qual realiza análises políticas desde 2010, uma atividade jornalística. Divulgar o que sabe é não apenas um direito de Guimarães, como um dever.

Ao mesmo tempo, comunicadores, blogueiros e jornalistas não estão imunes a investigações e, se houver indício de crimes estranhos à atividade de comunicação, devem ser investigados como qualquer cidadão. Mas não se pode admitir que a investigação atente contra princípios que garantem o exercício do jornalismo não apenas ao blogueiro, mas a todos os comunicadores do país.

Diretoria da Abraji, 22.mar.2017

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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