Luis Costa Pinto, no Poder 360: Carne fraca foi crime de lesa-pátria e mídia foi criminosa

Carne Fraca’: governo e mídia são peças deste churrasco de reputações

Por Luis Costa Pinto, no Poder 360

Além de queda, coice.

A patacoada armada pela assessoria presidencial e pelo cerimonial do Palácio do Planalto, levando a uma churrascaria que serve preferencialmente cortes argentinos, uruguaios e australianos, o próprio chefe, Michel Temer, e os embaixadores de países e blocos econômicos que se dispuseram a ouvir as primeiras ponderações do governo sobre a “Operação Carne Fraca” dá uma medida do despreparo palaciano para atravessar esse rubicão em que a equipe se meteu.

Havia carne brasileira na cozinha do tal “Steak Bull”, mas como não se fez DNA nem rastreamento dos nacos de picanha e maminha servidos à mesa, seria preciso incorporar o espírito da velhinha de Taubaté para crer que toda a carne servida no jantar para os embaixadores era procedente de rebanhos nacionais, como afirmou comunicado oficial.

Jantar que precisa ser explicado não é começo de solução: é crise.

É possível dimensionar, a partir de atos detonadores da operação Carne Fraca, deflagrada na última sexta-feira, a irresponsabilidade de integrantes de uma cadeia de comando brasileira abrigada dentro de três carreiras de Estado: a Polícia Federal, o Ministério Público e o Judiciário. A unir todos esses protagonistas no roteiro do pastelão uma atuação catatônica do Ministério da Justiça e de seu plantonista atual, Osmar Serraglio.

A união da inépcia governamental com a inapetência para com os altos negócios de Estado pôs em risco US$ 15 bilhões anuais em exportações, tornou inseguros os empregos de cerca de 2,5 milhões de trabalhadores diretamente envolvidos na cadeia produtiva agropecuária e produziu um retrocesso de pelo menos 15 anos em nossa agenda de exportações –prazo decorrido para que o Brasil reconstruísse no mundo a credibilidade em seus produtos e abrisse novos mercados, como o chinês e o norte-americano.

Traficâncias de barnabés de quinta categoria, como o responsável pelo Ministério da Agricultura no Paraná chamado de “Grande Chefe” pelo ministro da Justiça, um político paroquial do calibre de Osmar Serraglio, ruralista-causídico, foram empasteladas a erros de outra natureza cometidos por unidades produtivas de gigantes do setor como JBS e BRF. O executivo de um deles, ligado à área de relações institucionais, desenvolveu relações impróprias com o encarregado do departamento de fiscalização do Ministério da Agricultura, é verdade. Mas isso não afetava a atividade-fim.

Durante dois anos, com autorização judicial, policiais federais monitoraram frigoríficos no interior do país e flagraram comportamentos abjetos que puseram em risco a saúde de consumidores – e não agiram no ato: permitiram que produtos adulterados e estragados, incompatíveis com as normas de consumo no Brasil, chegassem às gôndolas de supermercados ou se destinassem à venda por atacado. Isso não é prevaricação? Em nome de que ou de quem foram reunindo essas transgressões, nenhuma delas cometidas pelas grandes marcas, sem realizar autuações em nome da saúde pública?

Juntar alhos e bugalhos é usar o rol de doações de campanha de JBS e BRF, que o fizeram em larga escala, ao enredo de tragédia redigido nas coxas por delegados federais. Misturar os recursos direcionados a partidos e candidatos com as investigações de crimes sanitários, divulgando tudo num texto só e unindo capítulos transformou a tragédia numa comédia –mas de má lavra, de autoria ridícula e claramente arrivista.

Dados oficiais dão conta que em 2016 foram 853 mil partidas de produtos de origem animais e apenas 184 foram consideradas fora da conformidade. Ou seja, acreditando-se que o sistema de fiscalização de exportações não esteja carcomido por vermes, bactérias e amebas (e eu confio de fato que não está), é uma proporção compatível com a normalidade. Das 4.837 unidades sujeitas à inspeção federal, apenas 21 estiveram envolvidas em irregularidades segundo as investigações da operação Carne Fraca. Dessas 21, apenas 6 exportaram nos últimos 60 dias. São números eloquentes a assinalar: houve um injustificável exagero na forma como o assunto foi detonado na mídia. Não se condenou apenas os frigoríficos que agiam à margem da lei e das regras sanitárias. Comprometeu-se, de forma criminosa, toda a operação de uma sofisticada cadeia produtiva nacional que crescia ano a ano e ganhava tônus no exterior. Um crime de lesa-pátria.

Difícil dizer, a uma altura dessas, como fazer a equipe palaciana evitar novos erros nos próximos passos. Contudo, dá para apontar uma medida emergencial capaz de aplacar os ânimos lá fora: oferecer numa bandeja a cabeça do Ministro da Justiça, o ruralista a quem caberia ter algum comando sobre a Polícia Federal – não para impedir-lhe investigações contra si, mas para cobrar de seus subordinados maior responsabilidades para com os negócios de Estado.

Ao chamar de “Grande Chefe” um dos principais investigados na “Operação Carne Fraca” e ter lutado pela manutenção dele no cargo, no Paraná, quando o governo anterior ia demiti-lo, Serraglio é a melhor peça de ossobuco (sem tutano, claro) que Temer pode oferecer neste momento aos embaixadores de países compradores de nossa carne. Poderá deixar a sensação de ser apenas uma carne de segunda, porém engana o apetite da matilha e teremos certeza de ser tratar de carne 100% nacional.

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Um registro para dialogar com o artigo da última sexta-feira: a ida de Lula a Monteiro (PB) inaugurar novamente a transposição do rio São Francisco transformou, de fato, a cidade do Cariri paraibano na São Borja (RS) do lulismo. Já ecoam os gritos do novo “queremismo” brasileiro. E a onda vai crescer.

Luís Costa Pinto, 48, é jornalista. Graduou-se na UFPE em 1990. Começou no jornalismo em 1988 no Jornal do Commercio do Recife. Trabalhou em redações de “Veja” (1990-96), “O Globo” (1997-98), “Folha de S.Paulo” (1997-98), “Época” (1998-2001) e “Correio Braziliense” (2001-02). Atuou como repórter especial, editor, chefe de sucursal no Recife e em Brasília e editor-executivo. Em 1992 recebeu os prêmios Líbero Badaró e Esso de Jornalismo por reportagens como “Tentáculos de PC”, “Pedro Collor Conta Tudo” e a cobertura do “Caso PC”. Em 1993 recebeu, junto com o jornalista Luciano Suassuna, o prêmio Jabuti de melhor livro-reportagem por “Os Fantasmas da Casa da Dinda” (Ed. Contexto). Desde agosto de 2002 é sócio da consultoria Idéias, Fatos e Texto, empresa especializada em consultoria de comunicação, análise de cenários e marketing político. De 2013 a 2016 foi também vice-presidente do Grupo PPG (holding de agências de publicidade e live marketing).”

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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