Desembargador do Rio sugere cautela contra denuncismo e delações

(Fotos: Jornal do Brasil)

O desembargador Siro Darlan, sempre coerente com seus princípios de juiz garantista e respeitador dos direitos humanos, alerta para essa nova onda de denuncismo levantada pela Procuradoria Geral da República, sob o nome de Lista 2.0 do Janot.

Darlan lembra que pedidos de inquérito ou indícios não significam que os nomes citados tenham cometido crimes.

E adverte para o descontrole das máquinas de acusação do Estado brasileiro. Ele conta que ele mesmo quase foi vítima dessa “máquina de moer gente”, ao ser acusado de ter “recebido dois milhões de reais e meio para soltar a esposa do chefe do crime organizado da cidade de Arraial do Cabo”.

A sindicância contra Darlan foi arquivada, mas o desembargador revelou ter ficado “assustado” com o nível de manipulação do sistema, visto que ele não tinha sido o julgador do caso da mulher, nem ela tinha sido solta, e sim mantida presa.

Os instrumentos de pós-verdade chegaram também ao judiciário e estão a serviço de vinditas políticas contra aqueles que não tem a simpatia da máquina.

Lula que o diga!

Colaboração premiada

Por Siro Darlan, no JB online
A sociedade do espetáculo está em festa. Foram 320 pedidos enviados pela Procuradoria Geral da República ao Supremo Tribunal Federal, com 83 pedidos de abertura de inquérito contra parlamentares e ministros de Estado e 211 indícios de irregularidade atribuídos a pessoas sem direito ao foro privilegiado. Embora todo cuidado dos órgãos de perseguição criminal seja necessário para deter a sangria dos cofres públicos, é preciso dizer que não há nesse rol nenhum criminoso que mereça antecipadamente esse título. São apenas investigações que estão sendo iniciadas se os indícios forem suficientes para que a autoridade judiciária autorize o início do inquérito.

Portanto é preciso ter muita cautela para que conduzidos por esse espetáculo midiático já sejam considerados culpados antes de julgados. Eu era juiz criminal em Bangu, e ao ouvir um preso que havia confessado na fase policial o crime que lhe fora atribuído, negar a autoria, indaguei a razão dessa negativa. Informou que na Delegacia Policial de Bangu fora torturado no então conhecido como “pau de arara”. No mesmo instante, dirigi-me à sede da delegacia e constatei a existência do aparato de tortura.

Modernamente esse aparato tem outro nome e não mais é praticado apenas pela polícia, mas em concurso com a autoridade judicial que decreta a prisão até que o preso confesse ou delate para receber prêmios por sua torpeza. Ora se houver interesse na incriminação de determinada pessoa, os agentes possuem ferramentas poderosas para apontar o dedo nessa direção com a colaboração prestativa daquele que, sob coação, está disposto a “colaborar” para receber suas “trinta moedas de ouro”.

Recentemente, recebi um comunicado da Procuradoria Geral da República informando que havia sido arquivada uma Sindicância onde se apurava que eu teria feito “um acerto no valor de dois milhões e meio de reais, para soltar a esposa de um chefe do crime organizado da cidade de Arraial do Cabo, presa recentemente em operação da Polícia Federal”. A princípio fiquei feliz com o arquivamento, mas muito assustado e apreensivo com a capacidade dessa máquina de moer gente de apontar o dedo com calúnias as mais graves contra pessoas que não lhe são caras.

Embora seja previsível que um juiz comprometido com os direitos e garantias constitucionais, diante de um ato arbitrário conceda a liberdade, quando a lei assim o exigir, nesse caso em comento, sequer havia atuado, pois o processo havia sido distribuído a outro julgador que havia mantido a prisão e não concedido a liberdade, como a notícia caluniosa afirmara. Esse fato até então desconhecido, só tomei conhecimento do arquivamento, me deixou muito apreensivo com o que pode estar acontecendo no campo da vindita política nessas “delações premiadas” e, mais grave ainda no dedo oportunamente apontado para aqueles que desejam eliminar por razões de meras divergências de opiniões políticas ou doutrinárias. Acautelai-vos!

* desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e Membro da Associação Juízes para a democracia.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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