Hoje temos as seguintes notícias para analisar. Vou listando os tópicos e fazendo um resumo embaixo de cada um, para a gente não ser perder.
1) TRF-1 cancela envio de perguntas de Cunha a Temer (Estadão).
Os tribunais superiores estão entre as instituições que mais se envolveram com o golpe de 2016, sobretudo pela chancela covarde, oportunista e, frequentemente, inconstitucional, que deu aos arbítrios de Sergio Moro. Tornou-se imediatamente um clássico do estado de exceção o despacho do TRF-4, responsável por julgar os recursos da Vara Federal de Curitiba, em que afirmou que a “Lava jato não precisa seguir regras de casos comuns”. Agora, os mesmos que ajudaram a construir o clima do impeachment, soltando as feras sobre Dilma, Lula e seus ministros e aliados, agora atuam para puxar o freio das delações ou perguntas de Eduardo Cunha que possam prejudicar o presidente Michel Temer. Sergio Moro, diante de Eduardo Cunha, atuou como advogado de Temer. Alás, é impressionante a diferença de tratamento dada a Sergio Cabral e Eike Batista, expostos frequentemente à execração pública (porque se quer a delação deles, obviamente contra Lula) e a Cunha (cuja delação ninguém quer ouvir – a menos que Cunha mude de ideia e resolva dizer que sempre foi aliado secreto de Lula).
2) Cresce temor no TSE com adiamento da ação contra chapa Dilma-Temer (blog do Matheus Leitão, G1)
Poucas vezes eu vi uma matéria tão melancolicamente sabuja como esta de Matheus Leitão, filho da Miriam Leitão. Matheus escreveu um panegírico chapa-branca sobre Sergio Moro, e hoje desfila pelas periferias da Globo tentando chamar a atenção dos chefes. O post de Leitão denuncia que um suposto “espírito” de julgar rapidamente a cassação da chapa Dilma/Temer estaria em processo de mudança. Nunca vi coisa mais ridícula na minha vida. Primeiro que não tem nada de rápido aí. A eleição aconteceu em outubro de 2014, e estamos em março de 2017. É obviamente absurdo que o TSE demore mais do que alguns meses para investigar um processo eleitoral. TSE tem que ser rápido e duro. Encerrada a eleição, investiga e aprova ou não aprova. O TSE aprovou por mais de uma vez a eleição de Dilma Rousseff. Gilmar Mendes foi quem, através de seus indefectíveis leguleios, continuou postergando o processo, para usá-lo como lenha na fogueira da crise política.
O atual processo contra Dilma no TSE é inteiramente esquizofrênico. Primeiro porque os “delatores” da Odebrecht já denunciaram que houve caixa 2 na campanha do PSDB. Aliás, os esforços do próprio ministro-relator, Herman Benjamin, de “calar a boca” dos delatores toda vez que estes denunciam caixa 2 na campanha tucana é algo de fazer corar o mais sem-vergonha e parcial dos juízes. Segundo porque o PSDB está tentando cassar um governo do qual ele hoje participa! É muito louco! Esse processo no TSE apenas traz mais instabilidade política ao país. Deveria ser anulado. O Estado brasileiro deveria concentrar suas energias em encontrar soluções para a crise. O golpe já foi dado. o que eles querem mais? Dar um golpe no golpe?
3) Racha na direita: Bolsonaro vê PSDB por trás de MBL (blog do Lauro Jardim, Globo)
Essa notícia é interessante porque – assim como item seguinte desta análise – revela que o caos político provocado pelo golpe não tem fim. Os esquemas do “grande acordo nacional” não contavam com o fator Bolsonaro. Eles esperavam que, após dois anos de lawfare (ou seja, de ataques jurídicos-midiáticos), o presidente Lula estaria na lona e os candidatos tucanos cresceriam no vácuo formado. Não aconteceu isso. Lula voltou a crescer, e lidera as pesquisas, e os candidatos tucanos desabaram. O vácuo formado pela queda dos tucanos está sendo preenchido por Bolsonaro. O MBL é um movimento patrocinado pelo PSDB e por seus parceiros do setor especulativo, além de todas as suspeitas de contribuição da direita americana. Bolsonaro tornou-se, desde já, um perigo para a direita tucana, porque lhe rouba votos, então os tucanos (com ajuda do MBL) já começaram, como observaram os Bolsonaro e seguidores, a minar a candidatura do “mito”.
4) Ayres Brito diz que finalmente a democracia “resolveu altivamente sair do armário” (Justiça em Foco)
Ayres Britto deixou o olimpo em que vive, desde que se tornou empregado da Globo, através de sinecura no Instituto Innovare, e decidiu vomitar alguns clichês golpistas. Deve fazer parte do contrato com a Globo: se quiser manter o emprego, que conquistou graças a sua performance obediente no julgamento da Ação Penal 470, ele tem de, periodicamente, vir a público para reforçar sua adesão ao regime de exceção. No auge das discussões sobre o impeachment, Ayres Britto nos presentou com uma frase que imediatamente se tornou um clássico do pensamento golpista: “o Brasil vive hoje uma ‘pausa democrática’ “.
“Sair altivamente do armário” por quê? A democracia nunca foi tão humilhada, pisoteada, bombardeada, como nos últimos tempos, e o período de traições democráticas começou pelo judiciário, e o Ayres Britto foi um dos que iniciaram esse processo de degeneração que culminou com a derrubada ilegal de uma presidenta eleita com 54 milhões de votos, além do avanço da repressão, o abuso de lawfare por parte de setores do próprio judiciário e ministério público, e a inauguração de uma era incrível de casuísmos e legalização da mentira e do arbítrio.
Britto fala que a crise política é um processo de “purgação”. Ah, agora está explicado. A crise de hoje é uma espécie de incêndio de Sodoma e Gomorra… O empregado da Globo esqueceu que, no caso bíblico, ninguém foi poupado. Juízes, policiais, procuradores, reis, todos morreram no incêndio. O que Britto e seus colegas golpistas estão fazendo é apostar apenas na criminalização da política. Uma criminalização cuidadosamente seletiva, aliás. Quem irá “purgar” o país de seus justiceiros? Quem irá “purgar” o país de seus juízes covardes, oportunistas e midiáticos, dos quais Britto é um dos exemplos mais notórios?
5) ‘Abriremos espaço para um salvador da pátria?’, indaga Aécio em jantar. (Folha)
Last but not least!
Deixei essa por último, mas é a mais importante!
Não fosse pela inacreditável hipocrisia que a frase comporta, visto que o PSDB tem assistido de camarote o processo de criminalização da política inaugurado com a Ação Penal 470, e, em todas as suas campanhas eleitorais tem usado e abusado dos arbítrios do judiciário para fustigar seus adversários, eu poderia concordar plenamente com as posições de Aécio.
O tucano falou o seguinte: “abriremos espaço para um salvador da pátria? Iremos todos nos auto-exterminar? ”
Observe bem que as frases de Aécio, diante de jornalistas, diante inclusive de Chico Alencar, não foram um desabafo impensado.
A fala de Aécio, assim como a matéria na Folha que a reproduziu, fazem parte de um movimento calculado para, usando uma expressão que eu considero sumamente divertida (e idiota), “acabar com a Lava Jato”.
Tanto a mídia como a própria Lava Jato tentam dar fim à Lava Jato, sem prejudicar a narrativa construída com tanto cuidado. Não é uma tarefa fácil, porque há uma tensão natural entre os três pólos de poder: mídia, PSDB e judiciário. Cada qual quer puxar o poder para seu lado. Mídia e judiciário ganham muito poder com a Lava Jato e as medidas de exceção, mas o desastre econômico provocado pelas violências judiciais perpetradas contra empresas nacionais já está fazendo muita gente repensar o que está acontecendo. Se o capitalismo já teve alguma simpatia pela democracia, sempre foi pela relativa estabilidade que o processo democrático lhe oferece, impedindo ou dificultando arbítrios e violências por parte do Estado, em especial contra agentes econômicos importantes. Se o Estado, em nome de um populismo penal de ocasião (para derrubar o PT) rasga o compromisso que tinha com a moderação e o cuidado que deve ter com seus cidadãos e empresas, então o capitalismo volta a se lembrar como a democracia era boa para os negócios.
O PSDB sempre foi uma espécie de braço partidário da mídia. E o judiciário brasileiro, por sua vez, sempre manteve relações orgânicas com a grande imprensa. Então ficou tudo em família. PSDB, mídia e judiciário, como representantes da elite tradicional, cansaram-se da democracia e decidiram assumir o poder na mão grande. Entretanto, o judiciário e a mídia cresceram tanto, por um lado, e apostaram tão pesado na criminalização da política (com vistas ao golpe) que atingiram o PSDB duplamente: o partido debilitou-se, na relação com seus dois colegas de poder, e seus candidatos perderam pontos nas pesquisas de intenção de voto para 2018.
Além disso, o jogo do golpe foi bruto, ousado e radical. Desde o início das articulações golpistas, a dupla judiciário-mídia deixou claro que, em nome do impeachment e da atmosfera necessária à sua consolidação, estava disposta a sacrificar alguns cordeiros de seu próprio campo. Mas sacrificar um tucano era a opção mais radical do golpe e, até o momento, não houve necessidade. Os esquemas judiciais condenaram Eduardo Azeredo, ex-presidente do PSDB, pelo mensalão tucano, mas não o prenderam, não o humilharam, não o perseguiram. O consórcio mídia-justiça centrou fogo, com ajuda de Sergio Moro, no PT e no PMDB. O PMDB, vendo que o incêndio ameaçava lhe consumir inteiramente, e constatando que o PT não podia lhe ajudar (pelo contrário, a proximidade com o PT era a principal razão da perseguição), fez uma guinada radical, livrou-se do PT e aliou-se ao PSDB. A nomeação do tucano Alexandre de Moraes para o STF é uma espécie de “propina” que o PMDB pagou ao PSDB pela apoio que este começou a lhe dar para virar o jogo no judiciário.
Independente, porém, da hipocrisia de Aécio, ele está certo. Alguém precisa pôr um freio no festival de arbítrios que vem do judiciário. Se alguém da política “tradicional” não o fizer, será um “salvador da pátria”, porque o país não pode continuar à mercê das violências caóticas e histéricas da máquina midiático-judicial. Como o golpe já aconteceu, e já se consolidou, é preciso agora desmontar a máquina, antes que ela continue destruindo a economia brasileira, como o PIB de 2015 e 2016 já demonstraram.
Esta semana, por exemplo, o STF aprovou, para júbilo da Lava Jato, a criminalização do caixa 1. É uma coisa grotesca. Os operadores da Lava Jato salivaram sangue diante de mais uma medida de exceção. O regime de exceção foi tão naturalizado que todo mundo parece ter esquecido do princípio mais elementar de um processo penal democrático, que é a não-retroatividade da lei. Esse princípio, que pertence ao DNA da democracia e do humanismo, já virou letra morta há muito tempo no Brasil. O TCU não condenou Dilma por “pedaladas fiscais” que antes eram legais? Pior: imediatamente após o impeachment, o TCU não voltou a legalizar as pedaladas, para livrar Temer de qualquer problema?
Toda a discussão sobre caixa 2 e agora, sobre caixa 1, seguem a mesma escalada de criminalização da política. Há um ridículo exagero no tratamento midiático-judicial que se dá ao caixa 2, como se fosse um crime hediondo. Caixa 2 é um vício inerente à democracia. Tem de ser combatido, reduzido, regulamentado, mas jamais se pode usar essa luta como pretexto para criminalizar o processo democrático, como vem fazendo mídia e judiciário. A Constituição de 1988 é clara: caixa 2 é apenas uma infração eleitoral, que deve ser tratada com bom senso e moderação. Não é sequer considerado crime. E nem acho que deva ser.
Sou partidário, por isso mesmo, que o Congresso deveria, sim, anistiar todo o caixa 2 praticado no passado e recomeçar do zero, com uma legislação nova, até porque entendo que, pelo comportamento do consórcio jurídico-midiático, as investigações e penas irão recair com muito mais peso sobre as pequenas infrações do campo progressista, ao invés de atacar as grandes negociatas do campo conservador. O mais grave, porém, é que o judiciário está completamente embriagado pelo poder que lhe foi conferido pelo regime de exceção. Com a força que ganhou com esse oportuno “esquecimento”, de que a lei não pode ser retroativa, os justiceiros pretendem punir a classe política por um caixa 2 com o qual o judiciário sempre foi leniente.
Não acho que a solução, porém, está em adotar uma legislação medieval, ou ultrassevera, quase islâmica, porque isso apenas transferirá mais poder e mais corrupção para o judiciário. Ou seja, o caixa 2 passará a ser controlado pelo judiciário, e aí teremos um cenário mais autoritário, violento, corrupto, sombrio do que temos hoje.
O Brasil precisa de transparência, e de um judiciário moderado, ágil, justo. O importante não é condenar ninguém a décadas de prisão. O que está acontecendo no Brasil é ridículo. As penas devem ser brandas, e não severas.
Dirceu foi condenado agora uma segunda vez por Sergio Moro, a mais nove anos. É uma insanidade. É mais um processo inteiramente sem provas, baseado em ilações e teses costuradas por delações forjadas e pela imaginação de procuradores midiáticos.
O almirante Othon Ribeiro, de 80 anos, foi condenado a 43 anos de prisão. O judiciário brasileiro perdeu completamente a noção das coisas. Tornou-se uma inquisição medieval, obediente à turba e às pressões da mídia. Não é esse o país que sonhamos, quando vencemos a ditadura e aprovamos a Constituição cidadão de 1988.
O judiciário tenta disfarçar sua ineficiência, expressa na quantidade incrível de homicídios sem resolução e na cumplicidade entre juízes e policiais acusados de crimes, criando bodes expiatórios, cujas penas exageradas servem para expiar os vícios de todos, inclusive do próprio judiciário, e, sobretudo, para desviar a atenção do público dos verdadeiros bandidos que vem assaltando esse país há décadas: os usurários legalizados, com seus juros extorsivos, e a mídia plutocrática, cuja manipulação incessante do noticiário asfixia completamente o debate democrático.
Por fim, para não ser acusado de “beijar a mão” de Aécio Neves, eu acrescento uma crítica radical e definitiva à postura do tucano e de todos os políticos presentes no regabofe do blogueiro da Globo em Brasília.
Ninguém por lá se preocupou com o desemprego? Com a queda no PIB? Com a devastação da indústria brasileira?
A única preocupação de Aécio e colegas é salvar a própria pele?