REFORMA DO ENSINO MÉDIO: RETROCESSO À VISTA
Por Waldeck Carneiro*
A reflexão sobre a atual reforma do ensino médio no Brasil requer, preliminarmente, alguns apontamentos históricos. Etapa da escolaridade que corresponde à formação de jovens na faixa dos 15 aos 17 anos, se cursado sem distorção idade-série, o ensino médio ocupou, por muito tempo, um “não-lugar” no aparelho escolar brasileiro. Raramente foi pensado em sua especificidade, mas sempre vinculado à educação profissional ou à preparação ao ensino superior. A ditadura civil-militar (1964-1985) decidiu torná-lo compulsoriamente profissionalizante, quando aprovou a Lei nº 5.692/71, desqualificando a formação geral em nível médio, sem contudo assegurar educação profissional reconhecida pelo mundo do trabalho: um desastre, que durou pouco mais de dez anos, mas deixou sequelas nas gerações atingidas. Era parte de uma estratégia canhestra do Estado civil-militar para enfrentar o problema dos vestibulandos aprovados, mas não classificados por falta de vagas: os chamados excedentes. Na lógica daquele regime autoritário, os egressos do ensino médio profissionalizado ingressariam logo no mercado e, assim, adiariam sua entrada no ensino superior. Ou então, com formação geral aligeirada, devido à profissionalização obrigatória, não lograriam êxito no vestibular. De uma forma ou de outra, a pressão dos excedentes, que tiveram como “madrinha” D. Iolanda Costa e Silva, Primeira Dama da ditadura, tenderia a arrefecer. Foi uma página triste do ensino médio no Brasil, marcada por autoritarismo e improvisação.
Mais uma vez, agora, outro governo federal ilegítimo, também oriundo de um golpe de Estado, tenta reformar o ensino médio. De saída, em grave vício de iniciativa face à complexidade do tema, buscou fazê-lo por Medida Provisória (MP nº 746/16), instrumento que cerceia porquanto acelera o debate no Congresso Nacional. Modificar a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) por MP, ignorando matéria sobre o mesmo tema que tramitava no parlamento federal e fazendo referência a dispositivo que ainda está em discussão, a saber, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), é mais um exemplo do caráter autoritário do usurpador Michel Temer. Com efeito, a Reforma do ensino médio formulada por seu governo ilegítimo propõe mudanças sensíveis no currículo desta etapa, fazendo menção à BNCC que ainda está em discussão, sob a coordenação do próprio MEC. Ou seja, a principal referência curricular da nova Lei do Ensino Médio (Lei nº 13.415/17), que alterou a LDB, ainda não existe!
Com a nova Lei, o ensino médio brasileiro viverá mais um ciclo de aligeiramento da formação geral de nossos jovens, posto que se assegura a inclusão de “estudos e práticas” em áreas como filosofia, sociologia, educação física e arte, porém deixando-se em aberto como isso ocorrerá: de acordo com o projeto pedagógico de cada escola? Conforme a escolha do estudante? Obrigatório mesmo, ao longo dos três anos, apenas o estudo da língua portuguesa e da matemática. A Lei também garante que as escolas oferecerão cinco “arranjos curriculares”, de modo que os estudantes escolham, dentre eles, o seu percurso formativo. Será mesmo que as escolas terão condições de infraestrutura e de efetivo docente para oferecer cinco linhas de aprofundamento: “linguagens e suas tecnologias”, “matemática e suas tecnologias”, “ciências da natureza e suas tecnologias”, “ciências humanas e sociais aplicadas” e “formação técnica e profissional”? Ora, cerca de 90% dos municípios brasileiros têm, no máximo, duas escolas de ensino médio em seu território, sendo que 78% deles têm apenas uma. Podemos mesmo supor que os estudantes vão “escolher” seus percursos formativos? A propaganda oficial alardeia que os jovens estão felizes, pois vão decidir sozinhos os conteúdos que estudarão. Mas isso é melhor do que ter uma formação geral rica, diversificada e aprofundada? Não é possível ter como parâmetro a escola pública de ensino médio, hoje rejeitada pelos estudantes, porque, de fato, não é atraente: profissionais desvalorizados, ambientes sucateados, equipamentos anacrônicos, distante do mundo virtual e da cultura local. Em nenhum lugar do mundo, jovens se sentirão atraídos por uma escola assim! Mas, contando com profissionais valorizados e motivados, com espaços confortáveis e diversificados, dotadas de equipamentos modernos, sintonizada com as mídias digitais, atenta ao contexto local, será que uma escola pública assim não despertaria no jovem o desejo de ali passar boa parte de sua jornada, como já acontece, há décadas, em vários países do mundo?
Também chama a atenção o fato de que a reforma proposta pelo governo golpista de Michel Temer surge justamente no momento em que o ensino médio acabou de se tornar obrigatório, mandamento constitucional (EC 59/09) que passou a ter efeito em 2016: estranha coincidência! A visão elitista, entreguista e excludente que fundamenta o governo Temer não comporta a universalização do acesso ao ensino médio, nos padrões já conquistados há quase um século pelos filhos da burguesia brasileira. Nessa perspectiva, típica de um capitalismo atrasado, se é incontornável a obrigatoriedade do ensino médio, que ele seja então aligeirado em sua formação geral e ofereça alternativas improvisadas de formação profissional. Sim, improvisadas, como revelam artigos da Lei do Ensino Médio que permitem a improvisação de docentes, mediante obscuros processos de certificação de “notório saber”, e também de “notório reconhecimento”, neste último caso aplicado a instituições de educação a distância. Assim mesmo, de forma vaga, imprecisa e difusa. Não se sabe como será…
Ora, tendo em vista que os indicadores de acesso ao ensino médio no Brasil ainda revelam enorme desafio (em 2014, segundo o MEC, pouco mais de 60% dos jovens de 15 a 17 anos estavam matriculados no ensino médio) e, ainda, considerando que se concentra na juventude popular (jovens pobres, negros e moradores de periferias) uma das maiores taxas de vítimas de homicídio (como revela o Informe da Anistia Internacional 2016/2017), entendo que a concepção de uma reforma para o ensino médio, medida que reconheço como realmente necessária, não deveria comportar autoritarismo nem arremedo. Antes de mais nada, dever-se-ia respeitar um dos preceitos fundamentais que balizam a educação nacional, qual seja, a gestão democrática, tal como fixam a Constituição, a LDB e o recente Plano Nacional de Educação. Deveria também pressupor, mormente quando se pretende apontar para o ensino médio integral, como faz, demagogicamente, o governo federal ilegítimo, novos e robustos recursos, o que não está na pauta do golpista Temer, que acabou de aprovar o congelamento por vinte anos de investimentos na área social; de restabelecer os efeitos da Desvinculação das Receitas da União sobre a educação, o que reduzirá drasticamente investimentos no setor; e de inviabilizar a destinação de novos recursos da economia do petróleo para a educação, com a entrega do pré-sal ao capital internacional. A atual Reforma do ensino médio tem um nome: retrocesso!
*Professor da UFF e Deputado Estadual (PT-RJ).
nelson
30/03/2017 - 13h41
Texto esquerdista, parei de ler quando vi escrito “Golpe”.
Deborah Ângela
09/03/2017 - 20h19
https://youtu.be/cpkZ597aw_o
Só este vídeo da Dilma+Temer,porque esta era a chapa que foi eleita.
Está reforma infeliz do ensino médio foi planejada pelo PT.
Deborah Ângela
09/03/2017 - 20h19
https://youtu.be/cpkZ597aw_o
Lembre-se que esta Reforma no ensino Médio foi plataforma para a eleição da chapa Dilma+Temer.
Deborah Ângela
09/03/2017 - 20h14
https://youtu.be/cpkZ597aw_o
Só este vídeo da Dilma+Temer,porque esta era a chapa que foi eleita.
Está reforma infeliz do ensino médio foi planejada pelo PT.
Giovane
09/03/2017 - 17h30
Infelizmente estamos retrocedendo décadas de conquistas, isso significa ingnorancia! Dá parte dá população que achava que mudar de Governo iria soluciona problema, sendo que o lado de se resolver é mas urnas. Mais, isso a mídia no fala, se omite, que Deus abençoe a Nação brasileira porque fora isso, num estado de calamidade governamental, estamos em situação de um retrocesso, atrás de retrocesso.
Zafenati Paneia
08/03/2017 - 18h43
Como se vê pela vinculação política do comentarista trata-se de opinião partidária, não de uma opinião técnica objetiva e fundamentada. É do conhecimento de qualquer cidadão medianamente informado que ensino brasileiro em relação ao resto do mundo desenvolvido, desde muito tempo, se coloca entra os piores, atualmente é um dos 5 piores dentre 78 países avaliados. Estes exemplos não devem ser considerados ?
Cabe ressaltar que este assunto já vem sendo discutido no congresso a mais de 20(vinte) anos e nada se concluí. Seria necessário mais 20(vinte).
É muito importante a questão da valorização do professor, desde que não se desvincule do mérito, para não se tornar outra coisa, prejudicando mais ainda os sofridos e ingênuos alunos. Valorização e competência devem sempre andar juntos. Caso recente demonstra que os melhores centros de ensino não se situam exatamente nos grandes centros onde os professores são melhores remunerados e bem dotados de recursos didáticos e tecnológicos.
Quanto à escolha de seus caminhos pelos próprios alunos, nada melhor para a democracia e desenvolvimento do senso de responsabilidade. Aqui está uma grande oportunidade para o papel dos professores, além do já consagrado e respeitado no resto do mundo ” ENSINAR A APRENDER E DISCERNIR O CERTO DO ERRADO ” com desinteresse e isenção, e não apenas repassador de conhecimentos – a internet faz isso melhor hoje em dia. Lembremos sempre que adestrar não é o mesmo que educar.
Finalmente, seria de bom alvitre que as opiniões na Internet e qualquer meio público não se desviasse da isenção e objetividade e consistência lógica e empíricas.
Prestaríamos muito melhor serviço à nação, às pessoas e ao aperfeiçoamento do arcabouço legal – o nosso é o maior do mundo e onde os seus efeitos são menos efetivos.
A opinião de todos é importante em qualquer democracia, desde que se demonstre que nelas acreditamos, por meio da coerência lógica, prática e da conformidade de nossas atitudes. Vamos ao debate coerente das opiniões, não dos autores, senão muitos “bem feitos” teriam que ser incoerentemente classificados de “mal feitos” e vice-versa.
J Martins
08/03/2017 - 17h38
Pela terminologia utilizada fica nebulosa a isenção da opinião.
Além disso não se consegue distinguir se a critica é ao mérito ou à viabilidade da medida.
Cabe ressaltar que referido assunto já está em discussão aqui no parlamento por mais de 20 anos sem nenhuma decisão. Seria necessário mais 20 ?
E o exemplo do resto do mundo desenvolvido não conta ?
O primeiro passo para a reforma efetiva do ensino é primar pela competência dos professores e gestores do ensino e, principalmente, pela isenção das críticas, requisito indispensável à objetividade e sabedoria das opiniões.
Vera Moura
08/03/2017 - 03h50
Não é retrocesso, é calamidade