No post anterior, eu mencionei uma pesquisa do Datafolha do final do ano passado, que não recebeu muita mídia. Desde que o golpe se consolidou, a imprensa brasileira perdeu subitamente o interesse em monitorar o pulso da população. Ela até encomenda, ou divulga, algumas pesquisas, de vez em quando, mas sem fazer muito alarde e, sobretudo, escondendo nervosamente alguns de seus resultados.
Voltemos à pesquisa mencionada, que traz tabelas com uma “escala ideológica” dos brasileiros. A sondagem perguntou ao entrevistado o seguinte: numa escala de 1 a 7, sendo 1 mais esquerda e 7 mais direita, onde você se posiciona?
O resultado é interessante. Eis a tabela com a divisão das respostas por segmentos.
Observe a coluna de escolaridade. Entre os brasileiros com apenas ensino fundamental, é onde a direita é mais forte. O discurso, portanto, de que Dilma e Lula ganhavam votos porque tinham apoio dos ignorantes, não é verdadeiro. Dilma ganhou eleições apesar do conservadorismo do brasileiro pobre e com baixa escolaridade. Essa contradição, aliás, ajuda a explicar a passividade desse mesmo eleitor diante do golpe, visto como um imbróglio político com cuja polarização ele não se identifica.
Entre os brasileiros com curso superior, 15% se dizem de direita e 16% se dizem de esquerda. Somando esquerda com centro-esquerda, e direita com centro-direita, teríamos 31% de esquerda e 30% de direita entre brasileiros com ensino superior.
É fato que a direita está muito forte no Brasil, alimentada por um sistema de comunicação herdado da ditadura, que faz lavagem cerebral dia e noite. E atingiu essencialmente o mais pobre.
Outra tabela do Datafolha, com a segmentação da orientação ideológica por partido, retrata uma situação incrivelmente esquizofrênica. Entre os entrevistados que se declararam simpatizantes do PT, um percentual absurdamente alto de 22% se caracterizam como “direita”, o que revela o miserável fracasso do PT em orientar o seu próprio eleitorado sobre qual a sua posição no espectro político nacional. Outros 8% de simpatizantes petistas se declararam de “centro-direita”.
Observe que estamos falando do eleitor que declarou simpatia pelo PT, em detrimento de qualquer outro partido, ou seja, falamos de uma minoria: apenas 9% dos 2.828 entrevistados pelo Datafolha, em dezembro do ano passado, declararam simpatia ao PT. Desses 9%, temos 30% que se declararam de direita ou centro-direita.
A essa confusão deve ser atribuída uma boa parte da responsabilidade pela derrota eleitoral do PT em 2016.
A orientação ideológica dos entrevistados que declararam algum tipo de preferência partidária é, previsivelmente, muito mais polarizada e definida do que daqueles (maioria) que não simpatizam com nenhum partido.
A pesquisa Datafolha mostra, em verdade, que o brasileiro sem preferência partidária é politicamente moderado: 23% se consideram de esquerda ou centro-esquerda e 28% se consideram de direita ou centro-direita. Essa superioridade da direita, no entanto, deve ser sopesada pelo fato de que, notoriamente, muitos brasileiros de pouca escolaridade marcam a opção direita sem saber muito bem do que se trata, em virtude (como já dissemos acima) da semântica aparentemente mais positiva dessa palavra.
O PSDB, por sua vez, consolidou-se de uma vez por todas como o partido da direita, na contramão do que pensam fanáticos bolsominions e demais radicais de ultra-direita, que insistem em associar o partido a um misterioso tipo light de esquerda. Segundo o Datafolha, entre os simpatizantes do PSDB, 60% se consideram de direita ou centro-direita, contra apenas 13% que se consideram de esquerda ou centro-esquerda. O simpatizante do PMDB, por sua vez, se já teve pendores progressistas no passado, hoje em dia migrou fortemente para a direita, embora ainda não seja tão radicalizado como um tucano.
A direitização do simpatizante tucano, por sua vez, explica a queda de seus candidatos nas pesquisas: seu eleitor está migrando para Jair Bolsonaro, em busca de uma afirmação ideológica mais consistente .
Um outro fator interessante, presente na primeira tabela do post, é que o público feminino está à esquerda do masculino. 23% dos homens se declararam de direita, contra 18% das mulheres. Somando direita com centro-direita, a diferença é ainda mais gritante: 36% dos homens se declararam de direita, contra 27% de mulheres. A associação da ideologia de direita ao machismo certamente explica isso. Jair Bolsonaro, candidato preferido da direita, tem um desempenho extremamente negativo entre o eleitorado feminino.
A esquerda tem potencial para crescer muito junto às mulheres, pois é neste segmento que encontramos o maior percentual de indefinição: 24% das mulheres disseram não saber que orientação ideológica preferem, contra 15% de homens que optaram pela mesma resposta.