(Foto: José Cruz / Abr)
O Brasil acordou hoje com um travo amargo na boca, por causa da decisão do ministro Celso de Mello, de autorizar a posse de Moreira “gato angorá” Franco como ministro, concedendo-lhe ao mesmo tempo foro privilegiado.
Eu tenho a impressão, no entanto, que o travo amargo não deriva tanto da decisão de Mello, em si.
Afinal, no fundo, Celso de Mello está certo. Michel Temer é presidente e pode nomear quem ele desejar. E ministros de Estado tem foro privilegiado. Ponto.
A sensação ruim vem da confirmação de uma injustiça: se Moreira Franco pôde, por que Lula não?
O Congresso em Foco, um site moderado, de centro, que nunca se envolveu nas polêmicas ardentes dos últimos anos, que preferiu se manter neutro em relação ao impeachment, tanto que escapou da “lista negra”, criada pelo governo Temer, que proibiu qualquer site que tivesse se posicionado contra o golpe de receber publicidade federal, tomou hoje uma decisão rara.
Publicou uma notinha de opinião no Twitter.
É uma nota delicada, quase poética, e que, a meu ver, em sua simplicidade, em sua escorregadela sentimental, traduz o pensamento de milhões de brasileiros.
Afinal, uma justiça democrática deveria ser igual para todos.
O golpe entrou numa fase mais cínica agora.
O consórcio golpista não está mais conseguindo esconder, sob o vestido de seda, o seu enorme, peludo e malcheiroso rabo.
A propósito, um internauta amigo, Luiz Octavio Vieira, fez uma citação muito pertinente sobre Celso de Mello, em comentário ao post “A lição de Nietzsche e o moralismo golpista nosso de cada dia“. Eu volto em seguida.
Reproduzo abaixo:
Saulo Ramos, Ministro da Justiça de Sarney, de quem Celso de Mello foi secretário na Consultoria Geral da República, relata, sobre o domicilio eleitoral de Sarney (Amapá ou Maranhão). Sim, este mesmo… o Sarney que a Lava Jato não consegue intimar há 2 meses porque não é encontrado, vejam só…
“(…)
— Doutor Saulo, o senhor deve ter estranhado o meu voto no caso do Presidente.— Claro! O que deu em você?
— É que a Folha de S. Paulo, na véspera da votação, noticiou a afirmação de que o Presidente Sarney tinha os votos certos dos ministros que enumerou e citou meu nome como um deles. Quando chegou minha vez de votar, o Presidente já estava vitorioso pelo número de votos a seu favor. Não precisava mais do meu. Votei contra para desmentir a Folha de S. Paulo. Mas fique tranqüilo. Se meu voto fosse decisivo, eu teria votado a favor do Presidente.
Não acreditei no que estava ouvindo. Recusei-me a engolir e perguntei:
— Espere um pouco. Deixe-me ver se compreendi bem. Você votou contra o Sarney porque a Folha de S. Paulo noticiou que você votaria a favor?
— Sim.
— E se o Sarney já não houvesse ganhado, quando chegou sua vez de votar, você, nesse caso, votaria a favor dele?
— Exatamente. O senhor entendeu?
— Entendi. Entendi que você é um juiz de merda! Bati o telefone e nunca mais falei com ele.”
(Saulo Ramos, “Código da Vida”, Ed. Planeta, 8ª reimpressão, 2007)
A citação é genial porque reforça tudo que temos visto no STF. Não temos mais um verdadeiro tribunal, mas um palco teatral onde atores vestindo togas pretas fazem discursos ensaiados.
As decisões, porém, não são orientadas pela convicção dos juízes, nem pelos autos, nem por qualquer escrúpulo verdadeiro de equanimidade, ética ou justiça. Elas são orientadas pela correlação de forças, que eles identificam pela imprensa.
Por isso o STF apoiou, de maneira tão determinante, o golpe.
Ele viu que a mídia apoiava e apoiou também. Simples assim.
Juiz de merda. Ou melhor, juízes de merda.