(Nietzsche – “Desconstruindo gigantes” by Emerson Pingarilho http://tinyurl.com/c4lontc)
A política brasileira é tão complicada, tão cheia de armadilhas sutis, tão… diabólica, que eu não paro de pensar numa frase de Raulzito:
Pena eu não ser burro, não sofria tanto.
Não que eu também não seja burro. Provavelmente sou muito burro, porque não creio que seja possível sobreviver ao mundo de hoje sem uma boa dose de estupidez. Mesmo assim, talvez por não ter a quantidade suficiente de estupidez, eu sofro.
Eu gostaria de fazer algumas observações sobre a coluna de Bernardo Mello Franco, comentada hoje também pelo Tijolaço.
Vou reproduzir aqui o mesmo trecho trazido pelo Tijolaço.
Temer oficializou a blindagem
Bernardo Mello Franco, na FolhaAlguns políticos são mestres em fazer uma coisa e anunciar o seu contrário. Michel Temer lembrou que domina a arte nesta segunda (13), ao divulgar novas regras para a demissão de ministros.
Com uma penca de auxiliares na mira da Lava Jato, o presidente convocou a imprensa para dizer o seguinte: “O governo não que blindar ninguém, e não vai blindar”. Em seguida, ele acrescentou: “Não há nenhuma tentativa de blindagem”.
Não é preciso ir longe para ver que o discurso não para em pé. Há menos de duas semanas, Temer recriou um ministério para Moreira Franco. O cargo deu foro privilegiado ao peemedebista, que foi citado 34 vezes numa delação da Odebrecht. Em português claro, Temer nomeou o aliado para blindá-lo da Justiça.
Ao anunciar a nova cartilha, o presidente afirmou : “Se alguém converter-se em réu, estará afastado”. Parecia uma medida moralizadora, mas era o oposto disso. O presidente deu um salvo-conduto aos auxiliares investigados por corrupção. A partir de agora, eles poderão ser delatados à vontade até que os inquéritos se transformem em ações penais.
De acordo com Temer, só será “afastado provisoriamente” quem for alvo de denúncia formal da Procuradoria-Geral da República. A demissão será reservada ao ministro que conseguir a proeza de virar réu no Supremo Tribunal Federal.
Na prática, o presidente oficializou a blindagem dos auxiliares encrencados com a Justiça. A lentidão do Supremo se encarregará de manter a equipe unida. Em quase três anos de Lava Jato, a corte só recebeu cinco denúncias contra políticos.
Minha opinião é a seguinte: Michel Temer, neste caso, está recebendo uma descarga dupla, vinda dos dois principais operadores do golpe: as castas e a mídia.
Bernardo Mello Franco, apesar de seu ar liberal progressista de oposição, é apenas mais um flautista delicado e talentoso tocando na orquestra do estado de exceção. Por um motivo simples: por trás do pseudo-esquerdismo confortável do “fora Temer”, há um desprezo latente pela presunção da inocência.
Por que Michel Temer teria de demitir “delatados” ou “investigados”?
Eu acho muito triste que o Brasil em peso, à direita e à esquerda, tenha sucumbido à agenda degradante imposta pelos meganhas do judiciário.
Temer é um golpista desgraçado, um dos personagens mais odiosos da história da nossa república, e seus ministros não o são menos.
Mas daí a entregar o poder aos golpistas do judiciário e do MP, com suas “investigações” e “delações”, vai uma distância muito grande!
Se Temer demitir um ministro porque ele foi “delatado”, então o poder do MPF e do Judiciário será absoluto, porque já ficou bem claro que os meganhas conseguem extrair qualquer delação dos corruptos jogados em suas masmorras.
O dono da OAS já provou exatamente isso. Num momento, falou que a doação para a eleição de Dilma era propina. Quando se descobriu que a doação tinha sido nominal para Michel Temer, ele mudou imediatamente de ideia e disse que a doação era legal.
E tudo isso sob supervisão do Ministério Público Federal.
Em torno da gritaria contra o “fim da Lava Jato” há um grande teatro. O consórcio golpista, que inclui a própria Lava Jato, procura a melhor maneira de dar fim à operação (ela terá que terminar um dia não? ou virou eterna?), e ao mesmo tempo emplacar uma narrativa que permita consolidar o golpe sem passar a imagem de “pizza” aos milhões de coxinhas manipulados pela mídia.
Procura-se então uma saída honrosa para a Lava Jato, que necessariamente implicará em simular uma pizza qualquer, visto que não será possível, como talvez queiram os mais fanáticos, prender metade do congresso nacional e toda a cúpula do executivo.
A esquerda começou a jogar um jogo perigoso, que ela acha, no entanto, que é o único que ela pode jogar. Agora que as investigações já produziram um efeito devastador em seu campo, prendendo seus tesoureiros, seus ministros, indiciando seu líder máximo, a esquerda está tentando empurrar a Lava Jato para cima do governo. A tática serve, além disso, para atiçar a disputa de poder entre esses dois grupos rivais que lideraram o golpe: burocracia versus mídia.
Um comentarista do blog fez uma observação inteligente sobre o atual dilema da esquerda: denunciar os arbítrios da Lava Jato e ao mesmo tempo não deixar que o atual governo escape ileso. Como fazer?
Os trolls já notaram que há contradições nesse jogo, e o denunciam, malandramente: ué, vocês são contra a Lava Jato quando ela pega petista e são a favor quando ela pega a oposição? Denunciam o super-peso dado a delações quando o alvo é gente sua e as corroboram quando tucanos e demais golpistas são atingidos?
Os trolls estão certos. A esquerda terá de enfrentar, uma hora ou outra, a realidade de frente: ela nunca esteve tão sozinha: todo o aparato de Estado foi para a direita e tornou-se golpista. Por isso chamamos de Golpe de Estado.
Por isso eu acho errado, a essa altura do campeonato, centrar fogo em Sergio Moro. O autoritarismo golpista, o mau caratismo processual, corroeu o sistema judicial como um todo, como um incêndio devorador. É duro constatar, mas já adentramos, há pelo menos um ano e pouco, no fascismo. Não há juiz ou promotor capaz de resistir a onda. Seja quem for que pegar o processo de Lula, sofrerá a pressão brutal de todo o sistema – e cederá ao fascismo. Não tem como resistir. Não digo isso para passar a impressão de que não há saída. Há sim, mas pela política.
Eu denuncio essas contradições da esquerda, essa tentativa de jogar o jogo com as regras do adversário, desde a Ação Penal 470. Não bastava denunciar as injustiças contra José Genoíno e Dirceu. Era preciso também mostrar que os publicitários mineiros presos por aquela farsa também foram vítimas. Eu estudei os processos. Até mesmo a herdeira do banco Rural havia sido presa injustamente. Entretanto, por “esquerdismo”, as denúncias foram apenas focadas nas estrelas do petismo. Até mesmo Pizzolato, por ser desconhecido e ter má fama nos meios sindicais, foi sacrificado às feras, apesar do seu caso oferecer a melhor oportunidade de denunciar os erros grotescos, criminosos mesmo, de todo aquele processo.
Além disso, eu não sei se quero “derrubar” Michel Temer. Eu gostaria de anular o impeachment, que entendo como mais uma das tantas farsas midiático-judiciais que tem corroído nossa democracia desde a Ação Penal 470. Mas não tenho, para ser franco, nenhuma esperança de que isso seja possível e já estou cansado de apostar para perder. Então, antes de derrubarem Michel Temer, eu quero saber: para botarem quem no lugar? Ou querem fazer o mesmo que fizeram com o Rio? Deixar o estado acéfalo, sem governo, entregue ao caos? É isso que querem para o Brasil?
Muito se fala agora de “superar o discurso do golpe”. Acho essa ideia uma maravilha. Eu estaria super-preparado para falar de cultura, mobilidade urbana, indústria, energia. Meu sonho era fazer uma série de posts sobre trens de alta velocidade. Como poderíamos ligar as grandes cidades brasileiras por linhas férreas?
Mas não é a gente que tem obsessão pelo golpe. É o golpe que tem obsessão pela gente. Hoje eu fico sabendo, por exemplo, que o procurador-geral da república denunciou… Jandira Feghali, por uma coisa completamente esdrúxula, uma escaramuça qualquer que a deputada teve com técnicos eleitorais em 2014. Ou seja, Janot não denuncia Aécio, mas denuncia Jandira, uma das líderes da oposição. É evidente que isso é uma ação política que visa enfraquecer o que ainda resta de oposição combativa ao governo Temer.
Isso é o golpismo!
Como “superar” o discurso de golpe se o golpismo tem obsessão em prender Lula? Como esquecer aquele power point do Dallagnol?
Há muito tempo, portanto, eu já me decidi. Eu defendo a política. O voto. O sufrágio universal. Sou contra a delação premiada. Ah, foi a Dilma que aprovou… Não me interessa. Erro dela. Mais um dos erros dela, que não podia jamais ter caído nas esparrelas do punitivismo reacionário. A delação premiada é uma lei dos Estados Unidos, que tem uma outra realidade. Antes de copiar o pior dos EUA, tínhamos que importar a lei de mídia, por exemplo. Trazer uma lei penal americana sem antes a sua lei de mídia é um erro.
E tudo isso por falta de… comunicação, que é uma via de duas mãos. O governo não sabia falar e também não sabia ouvir. Os quadros do governo interpretaram as “jornadas de junho” através dos editoriais da Globo. Essa é a mais triste verdade, e daí compraram o discurso anticorrupção e defenderam novas leis, que por sua vez nos levaram até aqui: golpe, governo de ladrões, um judiciário completamente enlouquecido (inclusive no sentido clínico), uma economia arrasada.
Como alguém espera governar qualquer cidade, estado, como espera presidir o país, com um judiciário assim? Juízes estão cassando mandatos, prendendo vereadores, bloqueando nomeações de ministros, impedindo obras, a depender do humor do dia. Amanheceu um dia chuvoso e triste? Não dormiu bem? Então vamos prender um ministro, um governador, cassar o mandato do prefeito e tudo vai ficar bem!
A democracia brasileira está completamente estrangulada por um judiciário hipertrofiado!
Claro que o autoritarismo judicial também beneficia, eventualmente, o campo popular. Um juiz mandou bloquear, por exemplo, as concessões criminosas que a Petrobrás está tentando fazer. Alguém acredita que a Petrobrás não conseguirá derrubar essa liminar e que, ao cabo, entregará nossas jazidas do mesmo jeito? Qual o saldo disso? Zero! Essas decisões, mesmo as que nos beneficiam, são o tipo de coisa que apenas nos debilita e nos afastam da política. São, por isso mesmo, imensamente negativas para o país, para o povo, para a democracia.
O campo popular só tem uma saída: a política. E a denúncia ao golpe tem de ser coerente. Tem de vir junto com a defesa de um judiciário democrático, imparcial e justo! A justiça brasileira precisa se modernizar e já que tem um ministro falando tanto em “iluminismo”, então que tenha coragem de citar Cesare Beccaria, que inventou a justiça iluminista, que até hoje governa a doutrina penal moderna: a justiça precisa ser branda (branda! e não severa!), rápida e humanista.
Eu não vou ficar feliz com novas prisões da Lava Jato. Não quero ver Michel Temer preso. Eu queria apenas vê-lo fora da cadeira da presidência da república, porque ele não se elegeu para esse cargo.
Eu não quero ver tucanos presos. Eu quero que o povo seja esclarecido sobre o que esse partido defende em termos de políticas públicas, e que, de posse de informações verdadeiras e expostos ao contraditório, a população decida se o quer ou não no poder. Se quiser, irei respeitar a decisão!
Não quero, em absoluto, a cassação do PSDB! Eu acho infinitamente medíocre, autoritário, antidemocrático, as declarações de Gilmar Mendes e de seus capangas na mídia e do MP, que tentavam “cassar” o PT.
Não quero nenhuma empresa destruída! Eu gostaria que houvesse legislações mais avançadas e fiscalização mais adequada, para que nenhuma empreiteira ou grande empresa de construção civil agredisse o meio ambiente, ou se organizasse, em cartel, com outras companhias, para fraudarem licitações. A economia é como uma floresta. Não se pode destruir impunemente uma grande empresa como a Odebrecht sem que haja um efeito sistêmico terrível, com a corda estourando, naturalmente, sempre do lado mais fraco, com explosão da pobreza e da miséria.
Estou terminando a revisão de um romance, de minha autoria, chamado 2046, que é uma ficção futurista na qual o Brasil se torna uma corporocracia, ou seja, um regime dominado por duas grandes organizações corporativas: uma ligada à burocracia, outra ligada à midia. Cada vez mais, contudo, eu me ressinto da concorrência da realidade. Quanto mais desgraça eu boto no romance, mais o Brasil passa à frente e cria uma desgraça maior!
O que me consola é ter existido Nietzsche:
Onde Começa o Bem – Quando o precário olhar humano não é mais capaz de identificar o mal, porque ele se tornou demasiado sutil, o homem aí situa o reino do bem; e a sensação de ter penetrado nesse reino desperta nele todos aqueles sentimentos – de segurança, bem-estar, benevolência – que o mal limitava e ameaçava. Por consequência, quanto mais fraco o olhar, maior é o domínio do bem! Daí a eterna alegria do homem médio e das crianças! Daí o abatimento e tristeza – muito próximos da má consciência – dos grandes pensadores. Friedrich Nietzsche, em ‘A Gaia Ciência’ . Tradução: Miguel do Rosário, com base aqui.