Os presidentes da democracia e os seus legados políticos
J. Carlos de Assis, enviado ao Cafezinho
No curso da abertura política, o primeiro presidente da democracia, José Sarney, será lembrado tanto pela relativa imparcialidade no acompanhamento da elaboração da Constituição de 88 quanto pela impertinência com que, seguindo o mantra de seu ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega, sustentou depois de sua promulgação que, com ela, o país se tornaria ingovernável. Era inconformismo com os fantásticos progressos sociais da Carta de 88.
O segundo presidente da democracia, Fernando Collor de Mello, será lembrado por ter autorizado o congelamento de ativos financeiros, juntando no mesmo saco moeda e poupança, o que levou a uma tremenda contração da economia no ano de 1991. Será lembrado também, naturalmente, por ter sofrido o impeachment, e por dar partida ao programa de privatização de ativos públicos começando pelo setor siderúrgico.
O terceiro presidente da democracia, Itamar Franco, será lembrado por uma certa parcimônia na condução dos negócios do Estado, desacelerando o programa de privatização exceto pela venda da Ligtht, uma empresa de serviços públicos. Se forem justos com ele, será lembrado, e não Fernando Henrique, pelo Plano Real, produto de sua insistência em enfrentar a hiperinflação em curso e as altíssimas taxas de juros.
Não é pelo Plano Real, senão casualmente, que Fernando Henrique Cardoso, o quarto presidente da democracia, será lembrado. É por ter expandido no limite o programa de privatização para incluir empresas de serviços públicos nos setores de telecomunicações e energia elétrica. Acima de tudo, privatizou a Vale do Rio Doce, uma das maiores empresas de mineração no mundo, estratégica e essencial para nosso desenvolvimento.
Lula, o quinto presidente da democracia, será lembrado por ter promovido a maior inserção no mercado formal das classes baixas do país, aumentado o salário mínimo e presidido um tempo de fartura nas contas internacionais devido aos preços altos e a grande demanda de bens agrícolas e minerais da China. Entretanto, capitulou ao neoliberalismo como seus antecessores, entregando a economia e o Banco Central a dois neoliberais radicais.
Dilma Roussef, sexto presidente da democracia, será lembrada como a primeira brasileira a assumir o cargo e, naturalmente, a segunda a sofrer impeachment, certamente de forma injusta. Será lembrada como continuadora parcial a obra de Lula e absolutamente intratável no plano pessoal com políticos e até colaboradores. Capitulou de forma vergonhosa ao neoliberalismo entregando a economia a um vassalo do sistema financeiro.
Michel Temer, o sétimo presidente da democracia, com muito menor tempo de mandato que qualquer de seus antecessores entregou o pré-sal a petrolíferas estrangeiras, está privatizando a Petrobrás de forma fatiada, planeja entregar o controle da Vale à banca e a estrangeiros, tentou doar às empresas de telecomunicações R$ 100 bilhões em ativos, impõe aos governadores a privatização de serviços públicos como a água, sancionou a PEC da Morte para destruir o setor público brasileiro e eliminar qualquer possibilidade de construção de um Estado de bem-estar social no Brasil.
Ainda na agenda de Temer está a piora das condições da Previdência para forçar a privatização desse serviço, a precarização do mercado de trabalho para atender ao projeto neoliberal de custo mínimo do trabalho em favor do lucro do capital especulativo, a entrega da base de Alcântara aos Estados Unidos para se desculpar pela forma grosseira como o ministro José Serra tratou o então candidato Donald Trump, a indiferença diante da destruição da Engenharia Nacional pela Lava Jato.
Como se vê, no curto espaço de tempo em que tem o comando formal do país, Temer e seus asseclas destruiu mais empresas e ativos brasileiros do que todos os seus antecessores juntos. Isso se chama aplicação radical do neoliberalismo. Antes, a palavra neoliberalismo soava para nós como um conceito abstrato. Agora o vemos aplicado na prática com uma velocidade avassaladora e proposital, justamente para não dar tempo à opinião pública e aos setores contrariados de articular uma reação.
Estamos sendo levados rapidamente para o Estado mínimo no justo momento em que Trump, nos EUA, busca reforçar o Estado nacional norte-americano em favor dos trabalhadores americanos. Entre nós, para reverter a tendência entreguista em curso precisamos de um líder nacionalista que afirme o interesse nacional desde o subsolo ao que resta da indústria nacional, e se oponha aos privilégios do capital financeiro especulativo. Não há muitos por aí. Mas se procurarmos achamos.