Espiando o poder: análise quase diária da grande imprensa
Foto: Diego Vara/Reuters
Por Luis Edmundo Araujo, colunista do Cafezinho
Da esquerda para a direita, a foto acima, da primeira página do Globo, mostra os ministros Osmar Terra (Desenvolvimento Agrário) e Alexandre de Moraes (Justiça), o presidente Michel Temer, o governador do Rio Grande do Sul, José Ivo Sartori, e os também ministros Eliseu Padilha (Casa Civil) e José Serra (Relações Exteriores). Todos são do PMDB a não ser Serra, do PSDB, e atrás deles, entre outros, estão o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), e o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM). Todos estão muito tristes, com as fisionomias fechadas do silêncio respeitoso pela morte do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Teori Zavascki. Quase todos, também, são partícipes mais ou menos ativos do golpe que destituiu a presidenta Dilma Rousseff para alçá-los ao poder. Desde então a crise econômica só aumentou, o desemprego explodiu e o País se viu às voltas com os mais diversos tipos de tragédias, culminando com a barbárie nos presídios e, agora, com essa queda carregada de suspeitas do avião onde viajava o responsável pela Lava Jato no STF. Pululam pelo Brasil afora as teorias conspiratórias e a imprensa, como lembra a ombudsman da Folha de São Paulo, Paula Cesarino Costa, põe à prova “sua capacidade de reagir a boatos com informações checadas e transparentes”. E, como reconhece a própria Paula, já começa perdendo.
“Contra os mexericos” é o título da coluna da ombudsman da Folha, que começa dizendo que “as teorias conspiratórias se propagam onde há grande tensão – política, social ou emocional – e muita opacidade”, e que “elas se alimentam do incompreendido, do inexplorado, do não revelado”. Entre os muitos mistérios a serem desvendados, Paula Cesarino Costa cita como primeira derrapada de seu próprio jornal a preocupação com as razões para que duas das vítimas estivessem a bordo do avião que caiu quase chegando a Paraty, no litoral Sul do estado do Rio de Janeiro.
No Diário do Centro do Mundo (DCM), Nathali Macedo informa logo no título de seu texto que “morta no avião que levava Teori, Maíra Panas agora é linchada nas redes”. “Resolvem agora especular que Maíra era garota de programa, e não massoterapeuta de Carlos Alberto Fernandes Filgueiras, dono do Hotel Emiliano, que a convidou para um passeio”, conta Nathali, para em seguida perguntar se “vivemos no país em que garotas de programa levam suas mães para o batente?”
“Maíra morreu. Sua mãe, que também estava a bordo, morreu. O ministro Teori Zavascki morreu, e tudo o que as pessoas querem saber (…) é por que uma mulher solteira aceitou o convite de um de seus clientes para ir a Paraty em um avião particular”, afirma Nathali enquanto Paula Cesarino reconhece que a massoterapeuta e a mãe dela “foram vítimas de comentários indelicados, muitas vezes cifrados”, e que “a Folha derrapou no tema”.
A ombudsman concorda com a reclamação de um leitor “de que, ‘no afã de dar um furo de reportagem’, o jornal se prestou ao papel de divulgar conjecturas misóginas. Descreveu fotos postadas em rede social por uma das vítimas com olhar machista, que salientava os cabelos pintados de vermelho, tatuagens e a prática de dança do ventre”. Segundo Paula, “a situação foi descontextualizada e alimentou percepções que podem ser injustas e equivocadas”. “É o tipo de escorregão que não cabe em um jornal de qualidade”, conclui ela.
Nathali Macedo vai além e afirma que “em um país que se preocupa mais em condenar mulheres – mesmo quando elas já estão mortas – do que em impedir que presidentes golpistas sejam politicamente beneficiados por acidentes aéreos macabros (…) não é relevante saber que Maíra batia na janela do avião, tentando, em vão, salvar a própria vida”. As fotos do enterro de Zavascki mostram os mesmos homens brancos, quase todos velhos, da posse de Temer, e a jornalista do DCM ressalta que “sofremos um golpe, congelaram gastos por vinte anos, um ministro do STF morreu misteriosamente, mas temos dois minutinhos na internet pra xingar de puta essa mulher que cometeu o disparate de viajar com um homem em seu avião particular, só pra não perder o hábito”.
“Ajuda a relaxar”, conclui Nathali, irônica, no mesmo DCM em que Kiko Nogueira, diante de uma das diversas variações da escalação da foto acima, diz no título que “a gangue de Temer ao lado do caixão de Teori e o sorriso de Serra resumem a tragédia brasileira”. Para embasar sua tese, Nogueira fala que “Serra, citado na Lava Jato como destinatário de 23 milhões de reais que teriam sido pagos por meio de caixa dois em contas no exterior, tenta influenciar a escolha do novo ministro do STF”. Diz ainda que “Temer aparece mais de 40 vezes em delação da Odebrecht” e arremata com o que todos sabem, que “recai sobre a turma de Michel uma suspeição” porque, “independentemente se houve ou não a mão deles, são os grandes beneficiados”.
Dos três maiores jornais, a Folha é a que mais coloca o presidente na berlinda, na manchete em que “morte de Teori atrasa delações e investigação sobre Temer”. Na capa do jornal paulista o presidente aparece à frente, com a mão sobre o caixão do ministro do STF. No subtítulo, Temer “diz que só indicará substituto depois que o STF definir novo relator para Lava Jato”, o que combina com a manchete bem mais neutra do Estado de São Paulo, na qual o “relator da Lava Jato será escolhido entre os atuais ministros”.
O Globo diz na primeira página que “Cármen Lúcia avalia homologar delações da Odebrecht”, se aproveitando do regimento do Supremo que “prevê que a presidente da Corte assuma questões urgentes no período de recesso, que termina em 31 de janeiro” . Cármen Lúcia, a propósito, se recusou a ser fotografada ao lado de Temer no velório de Zavascki, o que só aumenta a quantidade de especulações, rumores e teorias sobre o que aconteceu com o avião onde viajava Teori e o que acontecerá com o processo da Lava Jato no STF.
O Estadão afirma no subtítulo de sua manchete que o substituto do ministro falecido ” deverá sair da 2a Turma”, formada hoje por Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli e Celso de Mello. No Globo. Merval Pereira concorda no texto em que, na chamada de capa, avisa que “consulta definirá critério de escolha do relator”. “O sorteio entre os remanescentes da 2ª Turma parece ser o caminho natural”, afirma Merval, antes de concluir que “escolher alguém para mudar de turma e se tornar o relator pode significar desconfiança sobre esses quatro, e também sobre o escolhido”.
Elio Gaspari, por sua vez, defende que “Temer deveria criar grupo para apurar morte de Teori.” “Nada a ver com teoria da conspiração, trata-se de dúvida mesmo”, diz o jornalista, afirmando que “a linha que separa esses dois sentimentos é tênue, e a melhor maneira para se lidar com o problema é a investigação radical”. Gaspari lembra do assassinato do então presidente norte-americano John Kennedy, em 1963, que “foi investigado por uma comissão presidencial de sete notáveis”.
“Até hoje, metade dos americanos não acredita” na conclusão da tese do relatório sobre o crime. de que Lee Oswald agiu sozinho, ressalta o jornalista, que afirma em seguida que “mesmo assim, rebatê-la exige esforço e conhecimento”. No mais recente caso brasileiro, Gaspari diz que “desde o momento em que o avião caiu n’água, ocorreu pelo menos o desnecessário episódio da demora na identificação dos passageiros”, e que “pelos seus antecedentes e pelas circunstâncias, a tragédia de Paraty ficará como um dos grandes mistérios na galeria de mortes suspeitas da política brasileira”.
E para aumentar ainda mais as especulações, o Estadão informa na capa, dentro da manchete sobre a morte de Teori, que o “Ministério da Justiça trava acordo com Suíça”. A pasta comandada por Alexandre de Moraes, segundo o Estadão, “emperrou a negociação do acordo de cooperação para acelerar a investigação da Java Jato, após exigir que o MP da Suíça apresente a lista de investigados e possíveis suspeitos na operação”.
“O pedido não foi acatado”, relata o Estadão, que no blog de Fausto Macedo mostra outra das preocupações da grande mídia neste momento, nas palavras de César Dario Mariano da Silva, promotor de Justiça em São Paulo. Segundo ele, “a maior conquista contra a impunidade em 2016 foi a possibilidade da execução provisória da sentença penal condenatória”. “O Supremo Tribunal Federal flexibilizou o princípio da presunção de inocência, seguindo a legislação e jurisprudência de países democráticos”, continua o promotor, lembrando que “esse é o atual posicionamento do Supremo Tribunal Federal, que contou com o voto do ministro Teori Zavascki (6×5)”.
O promotor lembra que com a morte do ministro “dar-se-á a nomeação de outro e poderemos ter a mudança dessa posição ou a sua manutenção”, e deixa claro sua torcida ao dizer que “esperamos sinceramente que a escolha recaia sobre alguém que tenha a sensibilidade de ver que a sociedade não mais aguenta a impunidade, notadamente dos poderosos que podem contratar excelentes e caros advogados, que sabem como eternizar um processo.”
E por falar na decisão que pode ajudar a tirar da disputa eleitoral de 2018 um certo ex-presidente, líder em todas as pesquisas, e que tem o efeito colateral de lotar ainda mais as prisões brasileiras, a coluna Painel, assinada por Paulo Gama na Folha, vem hoje sob o título “Salve-se quem puder”. A primeira nota da coluna conta que “presos que estão no Complexo Médico Penal de Pinhais – centro que abriga estrelas da Lava Jato como José Dirceu, Eduardo Cunha e João Vaccari Neto – relatam ‘muito temor’ com a onda de rebeliões em presídios pelo país”.
Segundo a Painel, “a ala onde vive parte dos políticos, lobistas e empresários é contígua a uma em que ficam criminosos comuns, condenados por atos como homicídio ou estrupo, por exemplo. Os detentos também têm informações de que há, sim, membros de facções no complexo.” Enquanto crescem as especulações, as teorias sobre conspirações repletas de razões, a dura realidade brasileira continua a dar as caras a todo momento, como mostra a matéria que é o link do dia, do site do jornal britânico Independent, na qual é exposto ao mundo o caos da violência sem limites nas penitenciárias brasileiras, mais precisamente, nesse caso, no Rio Grande do Norte, no presídio de Alcaçuz.