(Ilustração: Tara Jacoby)
A internet hoje está cheia de gente que inicia o texto falando que não gosta de teoria de conspiração, e que, logo em seguida, lança um monte de teoria de conspiração.
Eu, por exemplo, sou um deles.
É inevitável. Primeiramente, o ambiente político brasileiro não poderia ser mais favorável a teorias de conspiração.
A imprensa não é confiável. O jornalismo brasileiro está morto e enterrado há muito tempo, e hoje é dominado por dois ou três grupos de mídia comprometidos profundamente com o golpe.
Teori Zavascki não é santo. Em primeiro lugar, ele também foi golpista, pela simples razão de ter removido Eduardo Cunha da presidência da Câmara apenas depois de Cunha ter conduzido e aprovado a votação do impeachment.
Em segundo lugar, Teori chancelou a prisão de um senador da república, o que foi um dos movimentos mais importantes para a criação da atmosfera de profunda instabilidade política que antecedeu ao golpe. Foi uma chantagem contra os senadores: um impulso para que eles se organizassem para tirar Dilma para “estancar a sangria” e “parar essa p…”, nas palavras de Jucá.
Em terceiro lugar, Teori reagia com críticas insuficientes aos crimes de Sergio Moro, como o caso da interceptação ilegal dos telefones de Dilma e Lula, seguida de vazamento criminoso para a Globo.
Entretanto, para usar a gíria, golpista virou capim. Não tem um no STF que se salva, até porque eles não conseguem resistir às agressões e chantagens da mídia.
Um ministro do STF responde ideologicamente ao presidente que o indica somente enquanto depende de sua indicação. A partir do momento que ele toma posse e se torna juridicamente independente de quem o indicou, ele passa a responder à única instância que pode lhe atingir: a mídia.
Com isso, o STF tornou-se um puxadinho jurídico da Globo.
Há uma pergunta no ar que vale para quem acredita e para quem não acredita em teorias de conspiração. É a famosa expressão latina: cui prodest? A quem interessa? Quem lucra com a morte de Teori Zavascki?
O grande ganhador é Michel Temer, que tem a prerrogativa de indicar um novo ministro do STF.
Um presidente ilegítimo, golpista, traidor, vai indicar um ministro do STF que ficará lá até completar 75 anos. Lembremos que os golpistas, antes do impeachment, aprovaram a PEC da Bengala que estende a aposentadoria compulsória de juiz de 70 para 75 anos, justamente para impedir que Dilma indicasse novos ministros. Após o golpe, a PEC virou um problema para eles, porque eles queriam indicar nomes, que lhes dessem segurança na guerra institucional em curso, mas não havia nenhuma vaga aberta.
É importante termos consciência de que o golpe foi articulado por três núcleos: o político, o midiático e a burocracia jurídica.
O político era um aglomerado meio confuso de gente do governo, dispostos a trair, e da oposição, sequiosos para se vingar das derrotas eleitorais. Eduardo Cunha foi a bucha de canhão, descartado logo depois do golpe: é afastado pelo STF da presidência da Câmara e, em seguida, preso. Michel Temer é um marionete, que pode ser igualmente afastado a qualquer momento, caso haja interesse. Para isso serve o processo de cassação no TSE, cozinhado por Gilmar Mendes ao fogo da ocasião: serviu para gerar manchetes contra Dilma, mas agora se tornou apenas um instrumento de coação para manter o governo na linha.
Há o grupo midiático, hegemonizado pela Globo, que articulou a narrativa, fator essencial para levar adiante o golpe.
Há o grupo burocrático, que montou um cinturão de blindagem em torno da Lava Jato. É talvez o mais perigoso e temível, porque pretende implementar uma espécie de ditadura judicial.
Os dois últimos, o midiático e o burocrático, são os verdadeiros líderes do golpe e detêm mais poder que o primeiro, o político.
O núcleo político, porém, mesmo sendo o mais fraco, tem algumas cartas interessantes na manga, porque exerce relativo controle sobre o processo legislativo. Essa é a razão pela qual os núcleos burocráticos e midiáticos mantém o núcleo político permanentemente sob ataque. O TSE pode cassar o governo a qualquer momento. A “mega-delação” da Odebrecht pode derrubar ministros, o próprio presidente, e dar carta branca para o núcleo burocrático prender deputados e senadores. Luiz Fux, recentemente, anulou todo um longo e complicado processo de votação das chamadas 10 leis contra a corrupção (porque teria sido “desvirtuada”), o que foi simplesmente uma brutal demonstração de poder, um recado aos congressistas: vocês só podem votar o que nós, da burocracia, entendemos ser o correto.
Os três grupos estão unidos pelo golpe. As declarações de Carmen Lucia em favor da PEC 55, o artigo de Barroso em favor da privatização da universidade pública, e a incrível pusilanimidade com que Lewandowski conduziu o processo de impeachment, deixam claro que não é possível esperar nada de bom ou progressista do judiciário. Recentemente, o STF aprovou uma nova mudança no código penal para facilitar a prisão em segunda instância, ou seja, reduzindo ainda mais as liberdades individuais, conferindo mais poder a um judiciário profundamente conservador e punitivista e piorando a crise dos presídios.
Mas há, evidentemente, atritos entre os grupos. Os grupos burocráticos e midiáticos tem uma grande afinidade um pelo outro: ambos não dependem da política. Ambos desprezam a política e o processo democrático, visto como sujo. Com isso, formou-se um bloco de dois contra um: burocratas e mídia versus políticos.
Uma liderança do judiciário ou do MP não precisa de doações de campanha para se articular politicamente. Conforme vimos nessa campanha pelas “10 leis contra a corrupção”, o MPF dispõe de recursos públicos ilimitados para patrocinar suas ações políticas. Até mesmo empresas de marketing são contratadas. Janot e seus asseclas viajam de primeira classe ou em jatinhos fretados para os Estados Unidos, Europa, para onde desejarem, com tudo pago pelo contribuinte. Os políticos precisam articular “esquemas” para bancar suas atividades.
Os grupos de mídia, por sua vez, em virtude de concentração de propriedade existente no Brasil, representam a classe dos bilionários e rentistas. Muito se fala que a mídia brasileira é um oligopólio de seis famílias. Isso é impreciso, porque o poder da família Marinho é infinitamente superior ao poder dos outros grupos. De maneira que não temos um oligopólio, e sim um monopólio real. A Globo determina a narrativa central que todos os outros grupos terão de seguir. SBT, Record, Folha, Estadão, Veja, ninguém pode se afastar das orientações dadas pela Globo.
Se eu fosse adepto de teorias de conspiração, portanto, e se achasse que a morte de Teori foi um atentado, eu diria que é preciso ficar atento: quem lucra? Acima, já respondi que foi Michel Temer. Mas há nuances. Quer dizer, Temer pode usar a tragédia para beneficiar outros grupos. Apenas saberemos quem realmente lucrará com a morte de Teori quando tivermos um novo ministro do STF. Se Temer indicar Sergio Moro, por exemplo, os ganhadores serão os núcleos burocráticos e midiáticos, que em troca darão proteção a Temer.
Se Temer indicar alguém hostil a um dos outros grupos: alguém, por exemplo, hostil à burocracia jurídica, e que pretenda impor limites à Lava Jato, então o ganhador será o núcleo político do golpe, como o próprio Michel Temer, Eduardo Cunha, Sergio Cabral, Jucá, Padilha, Moreira Franco, Aécio. Há muitos graúdos da política presos, e que podem ter pressionado o núcleo político a tomar uma atitude mais drástica para reduzir o poder dos burocratas.
Todos os elementos dessa conjuntura apontam para a transferência de poder para o PSDB, porque é o partido preferido dos burocratas e da mídia.
Os tucanos, porém, enfrentam uma dificuldade. Os seus principais candidatos vem caindo nas pesquisas de intenção de voto. Lula, por sua vez, está crescendo. Sua rejeição também vem declinando rapidamente, mesmo depois do espetáculo patético do power point da Lava Jato, apontando Lula como “comandante máximo” do esquema de corrupção da Petrobrás.
Este é mais um fator de instabilidade, assim como a crise econômica. Os burocratas não entendem de economia. O instrumento de poder de que dispõem é fechar empresas, prender pessoas, afastar políticos, cassar candidaturas, vazar informações confidenciais para a mídia. Eles não sabem fazer nada que tenha como resultado a geração de emprego, o aumento dos investimentos em infra-estrutura.
A solução para o Brasil é reduzir o poder dos burocratas, começando pelo corte de todas as mordomias, aumentar o poder da classe política, independente se é de direita ou esquerda, porque só ela tem filtros de interação democrática, e democratizar a mídia, porque um regime democrático é absolutamente incompatível com a existência de um monopólio tão monstruoso como a Globo.
[Arpeggio – coluna diária de política]