Por Bajonas Teixeira, colunista do Cafezinho
Há uma nova estrela no firmamento brasileiro. Seu nome é Cármen Lúcia. A Globo, na mesma proporção em que estampa manchetes contrárias a Michel Temer, dando a entender que seu prazo de validade venceu, tenta sorrateiramente aproximar a ministra presidente do STF do povo. Em manchete recente, em fonte enorme, o G1 a chamou apenas de ‘Cármen’.
No espaço mais nobre do portal G1, o principal portal de notícias da Globo, na parte superior e à esquerda de quem entra, estava dependurada a nova estrela:
Embora tenha sido posta no céu da página, o firmamento de Cármen não é muito sólido, é até bastante movediço, com uma consistência mais próxima daquela proverbial lama do dilúvio, ou, para quem dispensa o luxo das alegorias, da lama do golpe. Esse firmamento escorregadio, é o plano inclinado pelo qual desliza vertiginosamente, para baixo, o governo de Michel Temer.
É estranha a ideia de um firmamento de lama, já que o céu costuma ser diáfano e ficar encima, mas no Brasil quase tudo é invertido e não dá para fugir disso. Basta ver a justiça no país. Salários absurdamente altos e produtividade ao rés do chão. É sempre a mesma lama.
Temer escorrega ladeira abaixo não por ter sido omisso ou ter cometido erros na hora de agir. Ao contrário. Ele cai por ter agido bem demais e rápido demais, na avaliação dos seus parceiros ou companheiros de viagem. Temer, com pressa em por o Brasil nos trilhos, encurtou a viagem, aprovando a maioria das medidas criminosas que, calculou, agradariam as elites. Mas, vendo que o serviço sujo deixou o mordomo emporcalhado, e a opinião pública em pé de guerra, os companheiros de translado já se preparam para descer do barco.
Daí manchetes políticas com cara de revista de fofocas, que tem a finalidade de arrastar um país sem cérebro para os lugares comuns da intimidade. Ou seja, para aquela dimensão da existência em que a erva daninha dos sentimentos baratos (inveja, ciúmes, despeito, etc.) vicejam indomáveis. Assim procede o UOL:
É a crônica política escrita na linguagem do Gugu Liberato, ex-intelectual do UOL que, não faz assim tanto tempo, pontificava todo dia na home do portal, ou, em nível microscopicamente menos nauseante, do Silvio Santos, patrono até hoje mais presente que o Josias de Souza.
Ou seja, para resumir a ópera: Cármen Lúcia é a estrela recortada em papel jornal para um país sem cérebro. Para amaciar a sua recepção, e torna-la digerível, a mídia busca formas de acelerar sua popularização. Mas isso requer um esforço concentrado de aviltamento intelectual, para que a diva suba mais rápido ao firmamento. Ou desça mais fácil goela abaixo dos incautos.
Cármen chegou à cúspide do STF colocando, já de início, a grande e importante questão de que não era “presidenta” mas sim “presidente”.
Pouco tempo depois, propôs uma grande coalização para combater a criminalidade, que reunia tudo que se pode chamar de “meios de violência estatal” (secretários de segurança, ministro da defesa, exército, marinha, aeronáutica, PF, força nacional, batalhões de choque, polícias rodoviárias, guardas de trânsito, PMs, etc.). A esse assustador aparato repressivo, que outra missão não poderia ter senão a de apavorar e oprimir (ainda mais) as populações periféricas do Brasil, ela deu o nome de “a Coalizão”.
“A Coalisão”, nome possivelmente inspirado em Star Wars 7 – O despertar da força, faria da nova star da mídia, caso fosse praticável, uma espécie de musa do IML. Faltariam corpos para tanta munição. A situação era de tal absurdo que o ministro da Defesa, Raul Jungmann, embora entusiasta do projeto, foi obrigado a lembrar Cármen que as Forças Armadas brasileiras não são, por determinação da Constituição, órgãos de polícia. Ainda não somos 100% Haiti, ele deve ter esclarecido.
Ao que parece, como se vê, embora presida o órgão encarregado de zelar pela obediência à Constituição, Cármen desconhecia aquele pequeno detalhe.
Depois veio sua solidariedade aos juízes contra a ‘corruptela’ “juizeco” e a ameaça de uma lei de combate ao abuso de poder praticado por juízes e procuradores.
Mas, logo que 2017 raiou, e com ele os banhos de sangue diários nos presídios, Cármen descobriu o avesso do avesso (sempre caetaneando) e, em lugar da grande coalisão repressiva, chamou os juízes para aplicarem um “choque de jurisdição”. Que seria, se fosse verdade, um choque de direitos humanos, já que o direito à assistência jurídica, ou melhor, a serem tratados como humanos, é garantido aos presos pelas leis do país. Sua recomendação aos desembargadores presidentes dos tribunais de justiça foi a de que fizessem os juízes criminais trabalhar. Ao invés de massacre, agora teríamos o cumprimento daqueles direitos que as leis asseguram aos presos.
Não precisa dizer que essa recomendação e nada é a mesma coisa. Nada mudará. No máximo, enquanto a população estiver olhando, se terá um certo período de “mímica jurisprudente” para boi dormir, coisa passageira e sem maiores consequências.
Cármen Lúcia tira seu brilho, na verdade, da constelação morta de poder que dirigiu o Brasil por tantos séculos e hoje nos brinda com o pavor a cada dia. Sua existência artificial fabricada pela mídia dá bem a medida da irrealidade das forças políticas que se apossaram do Brasil através do golpe.
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