Espiando o poder: análise diária da grande imprensa
Foto: Dida Sampaio/Estadão
Por Luis Edmundo Araujo, colunista do Cafezinho
O sujeito aí de cima, Geddel Vieira Lima, é a bola da vez nas edições deste sábado da mídia corporativa familiar. As manchetes do Estado e da Folha de São Paulo mostram mais uma das denúncias contra ele conhecidas desde muito antes, durante e, agora, depois de sua participação no governo Temer. A notícia também ganha a capa do Globo, que na manchete, porém, prefere gritar o avante às hostes da privatização. Colunistas dão graças por Geddel não fazer mais parte do governo, outros sugerem que é hora de acelerar a “tucanização” do Planalto onde o PMDB permanece acuado pelo arsenal que Eduardo Cunha, preso desde outubro, começa a mostrar. E se os ex-aliados trapalhões da grande mídia começam a ser descartados (como o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, exposto hoje na capa da Época), no editorial o Globo ataca o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva com as generalidades de sempre.
“Lula se defende na Justiça com ataque político”, diz o título do editorial que o Globo publica menos de 24 horas depois de o Portal Metrópoles dar a notícia de que “setores do PT articulam o lançamento da candidatura” do líder petista à “Presidência da República na próxima sexta-feira”. A plataforma de campanha para o terceiro mandato de Lula no comando do País prevê que ele, caso eleito, revogue imediatamente “todos os feitos do governo Michel Temer”.
Inclui-se nesse pacote a PEC do Teto nos gastos públicos, as reformas trabalhista e da Previdência e todo o ajuste fiscal defendido pelo jornal e pela grande mídia em geral. Para evitar tamanha “tragédia” aos seus interesses, o Globo parece confiar ainda na tropa de choque do Judiciário, mais precisamente em um “herói” específico, mesmo que aliados seus nessa guerra, como a Veja, deem sinais de que o objetivo final não está mais tão perto assim.
No site da revista da editoria Abril, o coordenador da Operação Lava Jato na Polícia Federal, o delegado Maurício Moscardi Grillo, afirma que hoje “os elementos que justificariam um pedido de prisão preventiva não são tão evidentes”. O delegado diz ainda que “foi um erro ter levado o petista para depor no Aeroporto de Congonhas porque acabou permitindo a ele passar uma imagem de vítima”. O Globo não quer saber de nada disso e sem criticar nem condução coercitiva nem divulgação ilegal de conversas gravadas também ilegalmente, apenas confia em Moro e cia.
“Se considerarmos a relativa rapidez com que o juiz Sérgio Moro, de Curitiba, emite sentenças, quase sempre confirmadas, também com presteza, pelo Tribunal de Porto Alegre, os prognósticos são negativos para o ex-presidente”, diz o Globo, em seu editorial que não cita, por óbvio, o apoio internacional que Lula recebeu na seção de cartas do jornal britânico The Guardian, de parlamentares, sindicalistas e acadêmicos do Reino Unido.
“Depois do processo não democrático e ilegal no qual a presidente Dilma Rousseff foi removida por 62 senadores, revertendo o voto de 54 milhões de cidadãos, há uma campanha sem precedentes para difamar a figura do ex-presidente Lula”. Assim começa a carta em que o grupo No Coup in Brazil, formado por vários membros da esquerda britânica e de forte participação do sindicalismo, denuncia a “tentativa de ‘julgamento pela mídia’ para que o ex-presidente não participe do processo político”.
A carta publicada ontem pelo Guardian afirma ainda que “durante as investigações os promotores não conseguiram encontrar nada contra Lula” e que “apesar disso, ele continua sendo sujeitado a arbitrariedades, o que levou a investigações por parte da ONU devido a preocupações sobre a restrição de seus direitos”. Entre as diversas, repetidas derivações da palavra lulopetismo, talvez a mais presente em seus editoriais, o Globo ignora isso, assim como passa ao largo, assoviando para o alto, de qualquer referência às últimas pesquisas que mostram a liderança e o crescimento constante de Lula numa eventual corrida presidencial.
“Desde o início, os advogados partiram para uma defesa política do ex-presidente” começa dizendo o editorial do jornal carioca para em seguida contar que ele, o “lulopetismo”, “começou a esculpir a farsa da perseguição política que Judiciário e Ministério Público moveriam contra Lula. Claro, com apoio das ‘elites’, refletido na cobertura da imprensa profissional”. O Globo cita também os “textos supostamente técnicos para tentar provar a tese da ‘perseguição’” e responde a tudo de maneira bem sucinta, dizendo que toda essa argumentação, de tanta gente no Brasil e pelo mundo, tudo isso não passa de “enorme balela”. E pronto.
Sobre o caso entre Moro e Lula, a matéria fala que “os advogados de Lula pediram a condenação do juiz a uma pena de dez dias a seis meses de detenção”, e que entre os motivos para isso foram citados “a condução coercitiva do ex-presidente, a busca e apreensão de bens de Lula e a interceptação de ligações realizadas, além da divulgação do conteúdo dos diálogos.” Mas a ação só irá a julgamento se for aceita pelo desembargador Sebastião Ogê Muniz, do TRF-4.
Por falar em escutas, clandestinas ou não, elas ressurgem no caso em que “Cunha e Geddel lideravam desvios na Caixa”, como afirma a PF e o Estadão na manchete, que é a mesma na Folha de São Paulo e só não é no Globo por conta do avanço das privatizações. “Oito estados começam a privatizar o saneamento”, afirma o jornal carioca em tom de mãos sendo esfregadas, para embaixo, numa quase manchete, dar a notícia sobre Geddel.
O texto começa dizendo que “o ex-ministro Geddel Vieira Lima, que teve o sigilo bancário, fiscal e telefônico quebrado pela Justiça, é suspeito de integrar ‘uma verdadeira organização criminosa’ para facilitar a liberação de empréstimos da Caixa a empresas em troca de propina”. Mais adiante vêm os diálogos, as trocas de mensagens que continuam a fazer a festa da grande mídia, quando, “em uma conversa, Geddel brinca com Cunha, quando questionado por ele sobre um negócio relativo à empresa J&F Investimentos, holding que controla a JBS/Friboi”
“‘Ta resolvido Ta na pauta do CD (Conselho Deliberativo) de terça. Vc tá pensando que eu sou esses Ministros q vc indicou? Abs (sic)’ escreveu Geddel, em 29 de agosto de 2012.” E “Cunha respondeu a mensagem com “Ok. rsrsrs”. O Estadão destaca em vermelho o valor de R$ 4,3 bilhões. “liberado no período em que Geddel foi vice-presidente da Caixa às 4 maiores empresas investigadas pela PF – JBS e a holding J&F, Bertim e Marfrig.”
Também com chamada na capa, a “Coluna do Estadão” anuncia que “preso desde outubro, Eduardo Cunha começou a mandar recados a antigos aliados”, e que “se constatar que foi ‘abandonado’, pode aceitar discutir a delação premiada”. E a coluna Painel, assinada por Paulo Gama na Folha, conta na nota “Novo queridinho”, que “há no Planalto quem queira pedir ao chanceler José Serra uma premiação ao diplomata e ex-titular da Cultora, Marcelo Calero, por ter feito as denúncias que apearam o então ministro Geddel Vieira Lima da Secretaria de Governo”.
Na nota seguinte, “Cara a cara”, a coluna afirma que “se o peemedebista ainda estivesse no Planalto, a operação da PF desta sexta (13) teria mandado a crise de volta para o palácio.” Para Jorge Bastos Moreno, do Globo, porém, não muitos motivos para comemorações no Planalto, porque “as ações do ex-ministro Geddel Vieira Lima são apenas uma das pontas de um novelo que pode, pela extensão, enrolar algumas importantes personalidades da República”.
“Um governo devagar, quase…” é o título da nota que abre a coluna de Moreno, na qual ele acredita que as denúncias podem “transformar a demorada substituição do personagem em questão pelo tucano Antonio Imbassahy no início de uma reforma ministerial mais ampla”. O colunista continua revelando que “conversas aqui e acolá, nenhuma delas republicanas, mantidas entre um ex-assessor do presidente e um dos inquilinos do Planalto, ameaçam vir à tona e derrubar mais gente”.
E o próximo alvo pode ser Alexandre de Moraes, a julgar pela capa da revista Época, do grupo Globo, que mostra a foto do ministro da Justiça, no cargo ainda mesmo depois de tantas trapalhadas, em cima da inscrição: “o homem errado no lugar errado”.