Artigo apresenta a farsa por trás da privatização da CEDAE-RJ. “As empresas privadas não são salvadoras da pátria e há vários exemplos de privatizações do setor que pioraram os serviços, encareceram as tarifas e excluíram ao invés de incluir as comunidades mais carentes aos sistemas operados”.
No ICSM
CEDAE-RJ: privatização é condicionante para ajuda do Governo Federal ao Estado
A Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro, CEDAE, está na mira do Governo Federal para ser privatizada. A exigência faz parte das condicionantes do Governo Federal para renegociar a dívida do estado fluminense e ajudar financeiramente o falido Estado.
A intenção do governador Pezão é transferir parte dos ativos da empresa para a União que, posteriormente, promoveria a privatização dos serviços de água e esgoto operados pela CEDAE. Ontem, no G1, foi noticiada reunião entre presidente Temer e governador Pezão para selar esse acordo:
“A privatização da Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae) voltou a ser discutida como uma das soluções para a crise financeira do estado do Rio de Janeiro. Em reunião com o presidente Michel Temer, nesta quarta-feira (11), em Brasília, o governador Luiz Fernando Pezão disse à GloboNews que aceita “em parte” a concessão, primeiro à União e depois à iniciativa privada.
Pelo acerto com o governo federal, o estado deixaria de pagar R$ 23 bilhões em dívidas ao longo de três anos. A privatização da Cedae seria uma das contrapartidas exigidas pela União para selar o acordo. Segundo Pezão, o percentual que seria privatizado da empresa ainda será decidido em reuniões futuras.
Nos bastidores, porém, fontes do Palácio do Planalto que acompanham as discussões sobre o socorro financeiro ao Rio afirmam que a proposta do governo federal não é conceder parte da empresa, mas sim vender 100% da Cedae para a iniciativa privada.
Além do Planalto, o governador Pezão esteve com o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, e com dirigentes do Banco do Brasil e da Caixa Econômica, bancos que fizeram vários dos empréstimos ao governo do Rio e que hoje pressionam as contas estaduais. Pezão deu ciência aos diretores sobre o andamento do acordo de ajuda financeira ao estado. “ (http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/privaizacao-da-cedae-e-contrapartida-para-socorro-financeiro-ao-rio.ghtml)
Quem defende essa decisão de privatizar a CEDAE, acusa as inúmeras falhas da empresa estadual, que está longe de ser sinônimo de excelência nos serviços de saneamento do país. São reclamações diversas, desde falta d’água a atrasos na execução dos serviços, falta de saneamento básico nas comunidades e tratamento de esgoto deficitário.
No dia 04/01/2017, por exemplo, ocorreu um rompimento de adutora na Estrada do Lameirão, em Santíssimo, na Zona Oeste do Rio. A água com alta pressão chegou a mais de 9 metros de altura e atingiu 15 casas da região. (http://noticias.r7.com/sao-paulo/tubulacao-se-rompe-forma-chafariz-e-alaga-ao-menos-15-casas-no-rio-04012017) Nesse mesmo dia, enquanto o prefeito Marcelo Crivella visitava a comunidade da Rocinha, ouviu de moradores reclamações sobre os serviços da CEDAE, desde falta d’água constante na região até falta de infraestrutura de coleta de esgotos, que acontece em canais a céu aberto. http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2017/01/04/na-rocinha-crivella-joga-capoeira-e-sugere-tubulacao-furada-para-sanear-valoes.htm)
Defensores do modelo de privatização argumentam que a privatização melhora o serviço prestado, as empresas privadas possuem mais poder para investimento e o poder público pode cobrar de forma mais firme pelo cumprimento de metas e qualidade do atendimento. A economista Miriam Leitão, em artigo publicado no Globo em junho de 2016, afirma: “A possibilidade mais comentada é a venda da Cedae, a companhia de água e esgoto do Rio. O serviço prestado por ela provoca muita reclamação. A população tem diversas experiências negativas com a empresa que, por exemplo, faz obras e não fecha os buracos. Outra melhoria é que em uma companhia privatizada não tem indicações políticas para os cargos, um modelo de preenchimento de vagas que traumatizou o país. Essa restrição está na origem da resistência às privatizações que alguns governadores começam a apresentar. O “Valor Econômico” conta que, por ora, o governo do Rio descarta a venda da Cedae.” (http://blogs.oglobo.globo.com/miriam-leitao/post/privatizar-ativos-dos-estados-repetiria-modelo-que-deu-certo.html)
No entanto, há opiniões contrárias que apresentam modelos de companhias estaduais de saneamento que apresentam bons resultados e uma prestação de serviços com qualidade, além de investimentos regulares na ampliação dos seus sistemas. Casos de sucesso como a SABESP (São Paulo), SANEPAR (Paraná) e COPASA (Minas Gerais) com empresas reconhecidas pelo setor como de excelência, mostram que o problema talvez não esteja no fato de serem públicas ou privadas, mas sim na gestão e modelo de negócio adotado por essas empresas.
Outro argumento contrário às privatizações do setor de saneamento refere-se à experiência passada no país. Nos anos 90, o Brasil privatizou inúmeras empresas de telecomunicações e, apesar da oferta ter aumentado acompanhando a evolução tecnológica do setor em todo o mundo, a qualidade dos serviços é péssima, as empresas privadas que atuam no setor são campeões em reclamações de seus clientes, a agência estatal reguladora não consegue mudar esse cenário e as tarifas cobradas estão entre as maiores do mundo.
Voltando ao saneamento, há um movimento em grandes cidades do mundo pela reestatização de serviços. Os motivos são, principalmente, não cumprimento de metas de investimento e melhora dos serviços prestados e cobrança de tarifas abusivas dos clientes. Berlin, Paris, Budapeste e Buenos Aires são exemplos de cidades importantes do mundo que afastaram as empresas privadas que operavam seus sistemas pelos mesmos motivos que o Governo Brasileiro alega para privatizar a CEDAE: má qualidade dos serviços e baixo índice de investimento.
Estudo elaborado pela Unidade Internacional de Pesquisa de Serviços Públicos (PSIRU), Instituto Transnacional (TNI) e Observatório Multinacional, publicado em 2014, informa que ocorreram 180 casos de reestatização no mundo nos últimos 15 anos. Os principais motivos são: promessas falsas das empresas privadas; tarifas altas; priorização do lucro em detrimento do atendimento às comunidades; pouca transparência e dificuldade de monitoramento. (https://www.tni.org/en/publication/here-to-stay-water-remunicipalisation-as-a-global-trend)
“A empresa privada não investe o suficiente e adota política de exclusão de populações mais pobres, impondo tarifas mais altas. Além disso, não atingem as metas dos contratos”, afirmou Leo Heller, que é relator especial sobre saneamento das Nações Unidas. O brasileiro salienta ainda que o próprio Banco Mundial, antes defensor das privatizações no saneamento, já reconheceu que as privatizações não são uma “panaceia para todos os problemas”. (https://nacoesunidas.org/privatizacao-do-saneamento-ja-se-mostrou-inadequada-em-muitos-paises-diz-relator-da-onu/)
Conclui-se que devemos ter muito cuidado com a solução mágica das privatizações do saneamento. As empresas privadas não são salvadoras da pátria e há vários exemplos de privatizações do setor que pioraram os serviços, encareceram as tarifas e excluíram ao invés de incluir as comunidades mais carentes aos sistemas operados. Os investimentos em saneamento básico reduzem drasticamente os gastos com custeio da saúde pública. Esta afirmação óbvia e já consagrada e comprovada precisa ser lembrada constantemente aos governantes para que eles assumam essa obrigação que é do governo e realizem os investimentos que o Brasil precisa para universalizar o saneamento!