Esquerda se une em movimento para anular o impeachment de Dilma Rousseff. “Quando a democracia é derrotada, quem resiste é inimigo do golpe. Não temos de ser oposição a Michel Temer porque ele assaltou o poder e se comportou como inimigo, deve então ser tratado como inimigo”, disse Eugênio Aragão.
Movimento por anulação do impeachment cresce e cria comitês no Brasil e no exterior
Para militantes, só restituição do cargo à presidenta eleita resgataria democracia. Para Eugênio Aragão, Temer não é adversário: “Ele assaltou o poder e deve ser tratado como inimigo”
Por Cida de Oliveira
A derrubada do impeachment de Dilma Rousseff é o único caminho para a saída dos golpistas do poder, o resgate do projeto aprovado e reeleito por 54 milhões de votos, o restabelecimento da democracia, a consolidação do estado democrático de direito e a garantia de que o povo vai poder escolher o futuro que quer para o país. Uma nova eleição, em meio ao avanço do golpe sobre os direitos, seria manipulada pelos golpistas para a sua permanência no poder. Este é o consenso defendido na noite de ontem (10) no primeiro ato-debate oficial realizado pelo Movimento pela Anulação do Impeachment.
O jurista e procurador da República Eugênio Aragão, que foi o último ministro da Justiça do governo Dilma, dividiu a mesa de debate com o jornalista e presidente do PCO, Rui Costa Pimenta, a enfermeira aposentada e militante do PT Edva Aguilar, idealizadora das ventarolas distribuídas durante os jogos olímpicos do Rio de Janeiro com a estampa “Fora Temer”, e a artista, compositora e ativista digital Malu Aires.
Na plateia que lotou o auditório da Apeoesp (o sindicato dos professores da rede pública estadual), na Praça da República, região central de São Paulo, representantes de movimentos de mulheres, de moradia e da periferia da capital, do interior e de outros estados, além de integrantes do PT e do PCO – que organizou o evento –, e dirigentes do sindicato dos psicólogos, de professores e de sociólogos. Participaram ainda representantes da União Paulista dos Estudantes Secundaristas (Upes). A ex-ministra de Políticas para as Mulheres e amiga pessoal de Dilma Eleonora Menicucci não pôde comparecer, mas enviou mensagem na qual destaca que as duas agradecem e apoiam a mobilização. Um nome conhecido presente foi o ex-deputado estadual petista Adriano Diogo.
Entre as estratégias do movimento para viabilizar a volta de Dilma estão a ampliação e intensificação de debates e a realização de grandes atos e manifestações em várias cidades do país para dar mais peso às pressões que alguns de seus militantes já vem fazendo sobre o Supremo Tribunal Federal e a Procuradoria-Geral da República, onde estão parados processos que questionam o impeachment por não haver crime de responsabilidade. Além disso, levar a questão para cortes internacionais por meio de um pedido de liminar na Corte Interamericana de Direitos Humanos, na Costa Rica.
Estão sendo criados comitês em diversas cidades pelo país e até no exterior, os quais começam a agendar eventos. Nesta sexta-feira (13) à noite, haverá debate na sede da CUT, em Brasília, e em Belo Horizonte, a partir das 20h, no Restaurante do Ano, com a presença de Edva e Malu, na chamada Sexta Valente. Entre os próximos dias 27 e 29, elas estarão no 1º Encontro Internacional pela Democracia e Contra o Golpe em Amsterdam, na Holanda, com ativistas brasileiros que moram na Europa.
É possível reverter o golpe?
Para Eugênio Aragão, é possível. “Se não tivéssemos condições de enfrentar a Globo, o Sergio Moro, Rodrigo Janot, Gilmar Mendes, não deveríamos estar aqui, e sim estar em casa, vendo novela”, disse. “Mais do que acreditar nisso, temos de ter fé de que é possível a partir de uma consciência revolucionária. Não se trata de religião. Nossa fé é uma fé ditada, que nasce de um processo histórico, e a gente sabe que as coisas só mudam na luta. Não existe nada que é dado de graça.”
Essa consciência revolucionária, segundo ele, é o caminho para uma democracia alternativa à atual, moldada para impedir que os excluídos cheguem ao poder. “Vivemos em uma sociedade escravocrata, pré-histórica em muitos aspectos. Para chegarmos à democracia que queremos, temos de restabelecer a que tínhamos. E para isso precisamos nos organizar e modular o nosso discurso. A gente tem todas as condições na proporção de força para assumir o poder que nunca assumimos”, afirmou, ressaltando que, no seu entender, a esquerda nunca esteve no poder, tampouco as massas. “As massas que fazem a crítica ao movimento, que oxigenam o movimento, nunca ditaram as políticas. Apenas tiveram parte nas suas discussões.”
Só a organização da sociedade, com participação das massas, pode trazer resultados, conforme o ex-ministro. Ele não acredita que medidas levadas às cortes internacionais possam surtir efeito. O Comitê de Direitos Humanos ao qual os advogados do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva recorreram contra os abusos na Operação Lava Jato é “apenas mais um elemento, uma pedra no caminho da reação”.
“Não podemos ter esperança porque o comitê não tem poderes importantes. Faz um parecer sobre a situação e faz recomendações aos governos. Se os governos não acatarem, o comitê nada pode fazer. No máximo declarar que o governo está descumprindo um tratado. Ponto. A menos que estejam em jogo interesses estratégicos de grandes potências centrais, o que não é o caso do Brasil.”
Diferenciando os conceitos de inimigo e adversário, Eugênio Aragão destacou que o governo Temer é inimigo. E que oposição cabe apenas quando a democracia está em vigor, o que não acontece agora. “Quando a democracia é derrotada, quem resiste é inimigo do golpe. Não temos de ser oposição a Michel Temer porque ele assaltou o poder e se comportou como inimigo, deve então ser tratado como inimigo.”
Ele conclamou os movimentos sociais, que participaram, mas não ditaram as políticas nos governos petistas, a relevarem as divergências para a derrubada do golpe. “A volta de Dilma é imperativo; é a partir daí que a gente volta a conversar, a definir o que queremos para revigorar a democracia. Não podemos vacilar agora. Num duelo, quem vacila leva o tiro.”
Ele lembrou episódios da ditadura, como a ocasião em foi humilhado e xingado por militares por não cantar o hino nacional quando se apresentou para o serviço militar. “Não podemos permitir que esse estado de coisas volte”.
E destacou a diferença entre os setores progressistas e a ala conservadora que teve participação nos governos petistas, que apoiaram o golpe e que agora participam desse governo. “Somos como água e óleo. Temos de nos voltar para as massas, das quais nunca deveríamos ter nos afastado.
100% de chance
Rui Costa Pimenta também acredita na reversão do golpe. “Um movimento formado pelas bases tem “100% de chances de prosperar”, diz. Crítico dos governos do PT principalmente pelas alianças com setores da direita, pelo afastamento dos movimentos sociais e mais recentemente pela falta de empenho das lideranças da legenda para conter a instalação e o avanço do golpe, ele declara que não votou em Dilma – assim como todos do PCO, segundo diz. No entanto, defende a volta da presidenta eleita para a expulsão dos golpistas e o fim do avanço dos ataques à democracia e aos direitos.
Para ele, o momento é propício porque, conforme acredita, o governo golpista entrou em uma espiral da crise que aponta para o fracasso do golpe. “Há diversos choques entre o governo, o congresso e o Judiciário, em que a mídia golpista noticia que Temer tem o controle sobre o legislativo. E há até colunistas conservadores já escrevendo sobre a necessidade de o governo dar marcha à ré e fazer política igual à do PT para evitar o colapso total. É a oportunidade para reverter o impeachment. E se não fosse possível, este auditório não estaria lotado a uma hora dessas, em início de janeiro. É grande a chance deste movimento formado pelas bases dos movimentos, sindicatos e partidos.”
Na avaliação de Pimenta, a maior parte da esquerda não dimensionou ainda a real amplitude do impeachment. “É um típico golpe de estado que avança rapidamente com medidas já aprovadas e outras em andamento para modificar profundamente as relações existentes no país, principalmente trabalhistas e sociais, que colocam em risco até mesmo a sobrevivência da esquerda na legalidade. A depender do plano que minimiza os riscos que o povo está correndo, a esquerda vai ficar à margem de um estado que pode, inclusive, vir a sofrer uma intervenção militar.”
A grande questão, para ele, é a facilidade com que o impeachment foi assimilado por políticos e pela maioria da esquerda. “Ninguém poderia ter aceitado o golpe desse grupo conspirador. Não podemos recuar diante do golpe que não se esgota com a retirada da presidenta reeleita com 54 milhões de votos, mas que nos leva a todos a um beco sem saída. Se não houver resistência, eles vão avançar e engolir tudo o que foi conquistado com muita luta para derrubar a ditadura” .
Dúvidas
Edva Aguilar afirmou duvidar do apoio de Dilma a novas eleições e criticou seu partido e a maioria da esquerda em dar o golpe como fato consumado. “Grande parte das lideranças do PT e da esquerda não se empenham na luta pela restituição do mandato de Dilma. Por que não unir forças numa grande mobilização para anular o impeachment?”, propõe.
A militante leu uma carta em que questiona a postura dos integrantes do STF e do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, em relação às ações que questionam o impeachment.
“As perícias do Senado inocentaram Dilma das supostas acusações de crime de responsabilidade que a tiraram do cargo. Isso torna o impeachment ilegal, ilegítimo e inconstitucional. Por isso os ministros do STF, que são partícipes do golpe, devem acatar a ação que pede o cancelamento do impeachment que é um golpe contra o voto popular, que dá um ponta pé na democracia e um sinal verde ao golpismo. Anular é importante para a democracia porque não há garantias de um processo eleitoral isento e livre.”
Processo xexelento
Uma das autoras de Crônicas da Resistência 2016 – Narrativas de uma Democracia Ameaçada, Malu Aires acredita que as pessoas estão finalmente despertando para uma nova realidade. “Parece que estão começando a perceber a mesma coisa: que parece não haver mais leis, ou que as leis não são nossas, e que os brasileiros não têm mais direito a nada”, diz.
A ativista não cogita a possibilidade de eleições. “Não vai haver 2018 porque a democracia acabou em 2014. Se a Dilma voltar, se esse processo xexelento for anulado, com um país desse tamanho, muito maior que o Congresso e o STF, nós vamos fazer o que deveríamos ter feito desde o começo: governar junto com ela.”