Site faz brincadeira sobre “experiências comunistas” pelo mundo e expõe lado contraditório do capitalismo.
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Seis medos no comunismo que se tornaram reais no capitalismo
Será que aquilo que os reacionários temem que vá acontecer no “comunismo”, já não acontece no próprio capitalismo?
Uma característica muito forte do reacionarismo é o medo do “comunismo”, que sequer recebe uma definição clara nesse sistema de crenças.
Para muitos, comunismo representa “tudo de ruim” e já teria sido experimentado, com consequências catastróficas, nos países do antigo bloco “socialista real”, como União Soviética, Cuba, Coreia do Norte, Camboja e, mais recentemente, Venezuela.
Aí nos vêm duas perguntas:
Essas nações experimentaram mesmo o comunismo, tal como sua definição clássica determina?
E os problemas que são ditos como “certos” após a hipotética “implantação do comunismo” no Brasil realmente não acontecem no capitalismo? E se acontecem, será que os direitistas que vivem com medo do “comunismo” se importam?
O que é, afinal de contas, o comunismo
Marx e Engels na Nova Gazeta Renana.
O clássico Manifesto Comunista, de Karl Marx e Friedrich Engels, delineia um comunismo bem diferente do que o imaginário reacionário desenha em seus medos.
Para a dupla de intelectuais alemães, um sistema sociopolítico realmente comunista é um em que o Estado, depois de uma fase de transição socialista, não existe mais, e todos os meios de produção agrícola, industrial e de comércio e serviços pertencem aos próprios trabalhadores, não mais a empresários concentradores de renda e riquezas.
As religiões não necessariamente deixariam de existir numa realidade comunista. Mas sim sofreriam drásticas mudanças, perdendo seu caráter hierarquista, o poder de conservação de uma ordem política injusta e o caráter de instrumento de controle social e moral e aceitando a utopia da sociedade livre de Estado, de classes e de concentrações de poder.
Deixariam de ser o “ópio do povo”, maneira como Marx se referia ao uso das religiões tradicionais, por seus respectivos cleros, como ferramenta de exercício de poder e controle sobre as massas.
Realmente houve (ou há) comunismo na URSS, Cuba, Coreia do Norte etc.?
O bolchevique, de Boris Kustodiev.
O que houve nos diversos países vulgarmente considerados “comunistas” foi, de fato, a consolidação do comunismo, enquanto utopia e sistema social, político e econômico?
A resposta é um sonoro não. Afinal, seus cidadãos não assumiram o comando e a propriedade coletiva dos meios de produção, comércio e serviço, mas sim o Estado.
Classes sociais continuaram existindo, dividindo-se a sociedade entre uma elite burocrática governamental e a população governada. Como são centrais ao conceito de comunismo a coletivização da produção agrícola e industrial e a inexistência do Estado e de estratos sociais de qualquer tipo, esses países nunca foram de fato comunistas.
É questionável, aliás, se sequer foram experiências socialistas. Em nenhum desses países houve um socialismo como regime político governado pela classe trabalhadora, sancionador de leis de transição econômica, social e política para uma sociedade sem classes e de produção totalmente coletivizada e descentralizada.
Pelo contrário, a produção agrícola e industrial e a promoção de comércio e serviços foram todas para as mãos do Estado, como um megaconglomerado, e este descartou qualquer propósito de transicionar a nação para o comunismo.
Além disso, o regime desses países perseguiu e matou parte dos antigos revolucionários, aqueles que eram contrários à centralização do poder político e econômico nas mãos dos burocratas do partido único e favoráveis à transição da revolução à culminância comunista.
E a economia, em última análise, não deixou de ser uma ordem baseada em dinheiro, capital, comércio, inflação, exportações e importações, crescimento infinito do Produto Interno Bruto, progresso econômico, entre tantas outras características conservadas do velho capitalismo o qual se supunha que seria abolido do país revolucionado.
Ou seja, não eram bem governos comunistas ou socialistas por definição, mas sim ditaduras com economias baseadas numa espécie de capitalismo de Estado. Portanto, o que a direita costuma nomear de “comunismo” não é realmente comunismo.
Aliás, sequer esses próprios países se definiam como comunistas. Essa definição é norte-americana, surgida no contexto da Guerra Fria.
Como tudo o que se teme ocorrer num hipotético “Brasil comunista” já é comum no Brasil capitalista
Curiosamente muitos dos medos dos reacionários acerca de um Brasil “dominado pelo comunismo” já são reais no próprio capitalismo. Aliás, não seria imprudente dizer que muitas das características negativas atreladas a esse conceito obscuro e falso de comunismo são intrínsecas, na verdade, ao sistema socioeconômico capitalista e aos regimes políticos que o sustentam.
Elencamos a seguir uma lista de seis dos principais temores, atrelados falsamente ao comunismo e ocorrentes com grande frequência no capitalismo brasileiro, incluso o neoliberalismo
1. Assassinatos em massa e genocídios
Em pleno regime capitalista, mais de 50 mil pessoas morrem assassinadas por ano no Brasil, por causa de um cenário de violência urbana e rural fortemente atrelado, em parte, a problemas originados no capitalismo, como:
• O narcotráfico;
• A exclusão social;
• A carência de perspectivas de vida e de políticas de inclusão;
• A ganância acima da empatia;
• Genocídios indígenas (como o dos Guarani-Kaiowás em Mato Grosso do Sul);
• As mortes por conflitos agrários;
• As mortes por desnutrição.
Já no mundo como um todo, morrem pessoas por conta de:
• Guerras ligadas à posse de jazidas minerais (principalmente petróleo);
• Desnutrição por exclusão social;
• Perseguição política em países adeptos do capitalismo;
• Atentados terroristas por grupos outrora treinados e financiados pelas potências geopolíticas capitalistas (como Al-Qaeda e Estado Islâmico);
• Opressão agrária;
• Catástrofes ambientais causadas pelas atividades capitalistas humanas etc.
Isso sem falar em genocídios históricos sob regimes que queriam impedir o avanço do ideal comunista, como o Holocausto nazista e as matanças nos próprios países erroneamente considerados “comunistas”, como a União Soviética stalinista, a China maoista e a Coreia do Norte.
É isso mesmo: muitos dos assassinatos em países adeptos do “socialismo real” foram motivados pela intenção do regime vigente de impedir o progresso e consolidação do antigo ideal de sociedade comunista.
Ou seja, o assassinato em série de pessoas não é um problema exclusivo de países que tiveram experiências “socialistas” fracassadas. Mas sim parte de um sistema político-econômico internacional baseado na concentração e acúmulo de capital, seja ele nas mãos do Estado ou de empresas privadas; na destruição ambiental causada por esse mesmo capital e no impedimento violento da derrubada de políticas injustas.
E nesse contexto, a conservação de sistemas anticomunistas, do capitalismo privatista ao “socialismo” repressor da utopia comunista, matou e continua matando milhares ou milhões de vezes mais do que as iniciativas legítimas de transformar nações governadas pela injustiça em sociedades sem classes e sem Estado.
Em outras palavras, não é o comunismo que mata dezenas de milhões de pessoas, mas sim os sistemas social-político-econômicos baseados na repressão estatal e empresarial de utopias igualitaristas (o socialismo é coletivista), entre eles o próprio capitalismo liberal.
2. A divisão da sociedade em uma elite superpoderosa e uma imensa camada social de pobres e miseráveis
O Brasil historicamente sempre teve, em sua pirâmide social, uma ampla e grossa camada de pessoas muito pobres. Dados de 2015 do Ibope mostram que apenas 2,7% dos brasileiros pertencem à classe econômica A, que combina posse de mais bens pessoais e casas mais amplas, emprego de diversas(os) trabalhadoras(es) domésticas(os) pela mesma família abastada e escolaridade elevada.
Ou seja, 97,3% estão fora dessa elite. E apenas 25,8% estão nas classes alta e médias-altas.
Além disso, a concentração de renda continua muito elevada no Brasil. Em 2013, segundo o IBGE, os 10% mais ricos da população brasileira detinham 41,7% da renda per capita total, enquanto os 10% mais pobres possuíam apenas 1,2% dessa renda.
A situação só se tornou menos dramática graças, a despeito do ódio da direita nacional, às políticas de combate à pobreza nos governos de Lula e Dilma. Em 2010, a parcela populacional de pessoas extremamente pobres era de 6,62%; a de pobres, 15,2%; e a de vulneráveis à pobreza, 32,56% – totalizando 54,38%. Em 2000 era muito pior: respectivamente, 12,48%, 27,9% e 48,39%, total de 88,77%. Os dados podem ser encontrados no Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil.
Ou seja, se depender do capitalismo desprovido de intervenções estatais como as dos governos petistas, a camada de pessoas pobres ou miseráveis sempre será imensamente maior do que a de pessoas ricas. Isso não é comunismo, e sim o capitalismo liberado, desejado por muitos que temem o falso terror da “ditadura comunista”.
3. A perseguição sistemática às religiões
O Brasil capitalista e cristão já persegue hoje religiões como o candomblé, a umbanda, as fés indígenas e os paganismos, e vê com péssimos olhos os ateus.
Vertentes politicamente progressistas do catolicismo e do protestantismo também são muito malvistas, às vezes tratadas pelos “cristãos” conservadores como “hereges”. Estas foram inclusive perseguidas durante a ditadura militar, aquela que vigorou entre 1964 e 1985 com o pretexto de “impedir o comunismo”, como no caso da católica Teologia da Libertação.
Ao contrário do que os conservadores acreditam, impedir o comunismo não é preservar a liberdade religiosa, mas sim fazer com que suas próprias vertentes continuem desfrutando de poderes abusivos, limitando ou impedindo a laicidade do Estado brasileiro e perseguindo minorias – religiosas e políticas.
4. O fim da liberdade de expressão
O comunismo foi, na verdade, vitimado pela própria supressão dessa liberdade, como no caso dos regimes como os “socialismos reais”, o fascismo e as ditaduras militares. Aliás, o enfraquecimento dos movimentos comunistas no mundo se deu por causa, justamente, da perseguição política ao longo da Guerra Fria, que lhe tirou as condições de serem grupos realmente fortes e promissores.
Além disso, como foi dito, os antigos Estados “socialistas reais”, como a União Soviética e a Coreia do Norte, suprimiram a liberdade de expressão, em parte, para justamente calar as vozes defensoras do comunismo, como no caso dos expurgos stalinistas.
Não é à toa que aqueles que tanto acusam o “comunismo” de combater essa liberdade costumam rotineiramente violá-la, quando o objetivo é impedir a esquerda e partidos que acreditam ser “de esquerda” de se expressarem. Exemplos disso são:
Os casos de perseguição contra pessoas vestidas de vermelho, em março passado, após a condução coercitiva do ex-presidente Lula;
Os banimentos de pessoas que querem promover debates políticos honestos e respeitosos em muitos grupos reacionários no Facebook;
E as constantes incitações ao ódio e à perseguição contra o PT e o próprio comunismo.
Ainda há hoje alguma liberdade para intelectuais, políticos e militantes de esquerda se expressarem no Brasil. Mas as fortes campanhas da direita “contra o comunismo” podem criminalizar essa relativa livre expressão.
Com isso, as tentativas dos reacionários de “proteger a liberdade de expressão” dos “comunistas” podem levar, de fato, à perda total dela, tal como aconteceu na ditadura brasileira e no auge do macartismo nos Estados Unidos.
Em suma, não é o comunismo que combate a livre expressão, mas sim o próprio anticomunismo.
5. O fim, inviabilização ou roubo generalizado da propriedade privada
Ao contrário do que os reacionários acreditam, o comunismo não elimina a propriedade privada de objetos necessários, como celulares, computadores, roupas e alimentos. O que a utopia comunista realmente pretende é transferir a propriedade dos meios de produção, comércio e serviço das mãos dos empresários para a coletividade trabalhadora.
Curiosamente o roubo de propriedade acontece muito justamente no contexto capitalista. A própria Revolução Industrial capitalista originou-se nos cercamentos na Inglaterra, ou seja, o confisco de terras coletivas e sua transferência arbitrária e violenta para as mãos de empresários. E no contexto do neoliberalismo, as privatizações roubam patrimônio público muitas vezes usufruído sem tarifas e taxas de uso e o transferem para empresas particulares, que passam a cobrar diretamente pelo seu usufruto.
E mesmo a máxima neoliberal Imposto é roubo acaba sendo um tiro no pé dos próprios capitalistas: grande parte da receita dos impostos, em países como o Brasil, tem como destino o pagamento de credores da dívida pública nacional. No caso dos Estados Unidos, grande parte do imposto destinado aos gastos militares termina no caixa de empresas privadas de armamentos e tecnologia parceiras do Estado.
Isto é, indiretamente as empresas roubam dos cidadãos, mesmo de acordo com a lógica do fundamentalismo de mercado.
Isso sem falar na perda de propriedade doméstica para a criminalidade. O capitalismo, ao promover exclusão social, desencorajar a empatia e eliminar as esperanças por vida digna de muitas pessoas, torna o cenário social propício para o aumento dos roubos e furtos, como mostram pesquisas como esta de 2011.
E merece menção honrosa a grilagem de terras, que consiste, em parte, no roubo de pequenas propriedades, na destruição de aldeias indígenas, na devastação do meio ambiente por latifundiários e na inviabilização da obtenção de propriedades rurais pela maioria dos agricultores.
Ou seja, a propriedade privada doméstica tem muito mais chances de ser perdida no contexto do capitalismo do que na utopia comunista.
6. A divisão dos próprios bens por meio da “Economia Compartilhada”
“Os comunistas irão dividir sua casa e todos os seus bens”, diziam os conservadores contaminados pela propaganda anti-comunista da Guerra Fria. No fim, é no capitalismo que as pessoas, para conseguirem manter seu padrão de vida ou mesmo ter alguma renda para sobreviver, precisam dividir sua casa por meio do Airbnb e dividir seu carro por meio do Uber.