Por J. Carlos de Assis, enviado ao Cafezinho
Nas vésperas de 64, com a eletricidade social no ponto de curtos circuitos, a direção da Usiminas, em Ipatinga, decidiu adotar um sistema de controle de saída de operários para evitar roubos. Era uma única cancela, sendo os trabalhadores sujeitos a revista individual. Claro que se formaram filas gigantescas na virada dos turnos. Até que, num belo dia, os operários revoltados deram a seus próprios companheiros uma ordem para que ninguém que estava dentro saísse, e ninguém que estava fora entrasse. Criou-se o impasse.
A direção da empresa imaginou que tudo se resolveria chamando a polícia. Ela chegou e os operários não arredaram pé. Os policiais ficaram virtualmente cercados num caminhão. Tendo-se dado conta de que a situação era insustentável, resolveram então dar meia volta e ir embora. Mas o caminhão não pegou. Alguns pularam no chão para empurrar. Nada. Então os peões, como eram chamados, começaram a jogar uma saraivada de pedras na polícia. A polícia reagiu com rajadas de metralhadora. Finalmente, o caminhão pegou e foram embora.
Restaram cadáveres e feridos pelo chão. Grupos de operários então pegaram alguns cadáveres e os levaram para dentro da usina, jogando-os sobre as mesas dos chefes que acreditavam ter dado a ordem para o controle na cancela. A revolta espalhou-se como um rastilho de pólvora pelo bairro dos solteiros, o Santa Mônica, batizado de Forte. De Ipatinga a Timóteo, na cidade oposta, não ficou uma única arma de mão para ser vendida nas lojas especializadas. Um longo e doloroso processo de pacificação acabou prevalecendo na marra.
Como sei de tudo isso em detalhes? Sei porque meu irmão Hélio, operário da Usiminas, estava lá e se salvou atirando-se por trás de uma linha de trem. Com a situação vivida por ele aprendi uma lição de ciência política para toda a vida: não despreze os processos caóticos, pois uma pequena alteração nas condições iniciais produz consequências dramáticas nas condições finais. Traduzido para o momento, isso significa: não subestime a capacidade de as condições financeiras miseráveis de municípios e Estados produzirem uma revolução.
O senador Roberto Requião e eu descobrimos, por caminhos diferentes, que a dívida dos Estados e grandes municípios para com a União é nula. Algo como 277 bilhões de reais tem que ser ressarcidos, de acordo com cálculos da equipe de Maria Lúcia Fatorelli. Filtrado através dos Estados e chegando nos casos mais graves até os municípios, esse dinheiro possibilitaria resgates as cidades brasileiras de sua maior crise, em todos os tempos. Curiosamente, sem alterar em nada a solvência fiscal do Governo Federal.
É nossa intenção levar essa questão ao campo jurídico. Contudo, dada a urgência da crise, é mais consequente tratar dela no campo político. Afinal, lá no Senado estão os representantes dos Estados; e lá na Câmara estão os representantes do povo, os grandes sacrificados nesse asqueroso Sistema da Dívida, como diz a Fatorelli. Um projeto de lei relativamente simples determinaria a suspensão imediata do pagamento do serviço da suposta dívida e o ressarcimento a Estados e municípios dos 277 bilhões mencionados acima.
Alguém me perguntou: E as consequências fiscais disso? As mais benéficas possíveis, respondi. O Estado aumentaria sua própria dívida pública, de forma escalonada, para pagar os Estados e municípios. Estes últimos seriam condicionados a investir esse dinheiro em infraestrutura e serviços públicos essenciais. Como consequência haveria investimento privado e uma reativação da economia. Aumentaria a arrecadação de todos os entes federados, inclusive a União. O ciclo retomaria com mais investimento, mais demanda, mais emprego.
Por que então isso não é aplicado logo? Porque há um programa em andamento, conduzido pelas potências do primeiro mundo e principalmente pelos Estados Unidos, de submeter os países em desenvolvimento ao receituário do Estado mínimo para abrir espaço ao capital privado em escala planetária. O representante desse programa no Brasil chama-se Henrique Meirelles, e ele conta com a ignorância específica em economia de Temer. A PEC-55 se manifesta como o ápice desse processo de vassalagem. Ela é a cancela mais extravagante por onde tentam bloquear os interesses nacionais.
Ricardo Oliveira
04/01/2017 - 15h04
E pensar que esse Henrique Meirelles foi ministro no governo Lula, daí o fracasso da esquerda achar que ganhando a eleição teria o poder, tremendo erro estratégico agora terá de começar do zero.
Torres
04/01/2017 - 10h48
A solução de sempre.
Aumento da dívida pública, dos juros e da inflação.
Parabéns!!!