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Manaus: Crônica de uma tragédia anunciada

Escrito pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, enviado ao Cafezinho Em Manaus, o ano novo de 2017 foi aberto com a macabra contabilidade das pessoas mortas em duas unidades do sistema penitenciário, em eventos apresentados pelas autoridades como rebeliões com tentativas de fugas e acerto de contas entre facções criminosas […]

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Escrito pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, enviado ao Cafezinho

Em Manaus, o ano novo de 2017 foi aberto com a macabra contabilidade das pessoas mortas em duas unidades do sistema penitenciário, em eventos apresentados pelas autoridades como rebeliões com tentativas de fugas e acerto de contas entre facções criminosas que disputam o comando dessas unidades. Ao menos 56 pessoas foram mortas no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj). Outros quatro presidiários foram mortos na Unidade Prisional do Puraquequara (UPP), também na capital.

O sistema penitenciário do Amazonas tem sido objeto de intensa atividade de fiscalização dos órgãos de controle, que denunciam há anos a incapacidade do Estado de apresentar uma política penitenciária digna para a população encarcerada e apta à sua ressocialização, em benefício da sociedade. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), a Pastoral Carcerária, a CPI do Sistema Penitenciário e esta Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados se debruçaram, em anos de denúncias, sobre alternativas para a crise do sistema penitenciário nos estados, ignoradas pelas autoridades.

Entre as iniciativas mais contundentes, desde 2013 um conjunto de entidades da sociedade civil reclamam o cumprimento de uma Agenda Nacional de Desencarceramento, como alternativa à falência de um sistema superlotado indevidamente e improdutivo do ponto de vista de seus objetivos principais, a ressocialização do preso e da presa para a prevenção e combate à criminalidade. No Amazonas, segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) do Ministério da Justiça, 58% dos presos e presas são provisórios (as), o que dá a dimensão do problema. Enquanto perdurar esse sistema penal que encarcera a torto e direito, como única alternativa para a criminalização dos mais pobres, aumentar vagas simplesmente – a alternativa hoje apresentada pelo Estado do Amazonas e o governo federal – é enxugar gelo e manter um sistema falido e ineficaz.

A Agenda Nacional de Desencarceramento vai no caminho oposto, ao propor a suspensão de qualquer investimento em construção de novas unidades prisionais, a restrição máxima das prisões cautelares, redução de penas e descriminalização de condutas, em especial aquelas relacionadas à política de drogas, e a ampliação das garantias da execução penal e abertura do cárcere para a sociedade. Ela ainda se manifesta veementemente contra a privatização do sistema prisional e pelo combate à tortura e desmilitarização das polícias e da gestão pública. Trata-se, na verdade, de uma moratória no crescimento inercial de um modelo de encarceramento que, com suas mazelas, levou ao domínio das unidades por facções criminosas que prometem aos presos e presas, como privilégios do crime, os direitos legais que lhes são devidos pelo Estado infrator e incapaz.

O Governo Federal, em particular depois das mudanças feitas recentemente por Medida Provisória no Fundo Penitenciário Nacional (FUNPEN), em dezembro de 2016, abre mão de seu papel de induzir um novo modelo penitenciário aos Estados. De uma canetada, o Presidente Temer diminuiu de 3% para 2,1% da arrecadação da loteria os recursos do FUNPEN, e destinou até 30% do seu superávit para vitaminar ações espetaculosas do Fundo Nacional de Segurança Pública. Sempre com objetivos midiáticos, liquidou os recursos do FUNPEN em caixa no final do ano para rateio entre os estados, livrando-se da responsabilidade de orientar um outro modelo com o uso dos recursos federais. O Ministério da Justiça trombeteia que o rateio permitirá solucionar o problema da superlotação em todos os estados, meta absolutamente irreal mesmo destinando-se todos os recursos federais à expansão de vagas desse sistema em crise.

A baixa efetividade da Lei de Execução Penal, sobretudo quanto ao seu objetivo de “proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”, aliada à morosidade (e ao apenamento inadequado e desproporcional) dos julgamentos de ilícitos de menor relevância, gera um enorme contingente de presos temporários (ou que não representam ameaça maior à sociedade) que são colocados no mesmo espaço de condenados por graves crimes e a consequência de três décadas desta situação recorrente é a expansão das organizações criminosas.

Para este fato concorreu de maneira explícita e inegável a leniência dos sucessivos governos tucanos no estado de São Paulo, que jamais demonstraram vontade política para combateram com rigor o crescimento de grupos criminosos que se organizaram dentro dos presídios paulistas e a partir destes proliferaram suas ações por todo o País.

Prova da improvisação e precariedade dessa política é a reativação anunciada ontem em Manaus da Cadeia Pública Des. Raimundo Vidal Pessoa (CPDVP), que havia sido fechada em outubro de 2016 após anos de cobranças do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Em pleno centro da cidade, as precárias instalações dessa cadeia pública inaugurada em 1907, que seria destinada a ser um espaço cultural, receberão agora nada menos que 130 presos apresentados pelo Governo do Estado como “ligados a uma facção criminosa de São Paulo” e transferidos do Compaj.

Ademais, registramos também o nosso protesto contra a articulação de alguns setores políticos e econômicos que pretendem transformar o sistema carcerário num grande negócio, alegando como razão para isso a suposta “eficiência da iniciativa privada”, que se mostrou falaciosa nesse episódio de Manaus, onde o presídio que foi palco do massacre é administrado por uma empresa privada.

Assim, essa Comissão de Direitos Humanos e Minorias representará ao CNJ e ao CNDH para a realização de diligências comuns em caráter urgente a todas as unidades do sistema penitenciário da capital amazonense, bem como solicitará ao Tribuna de Justiça do Estado do Amazonas e à Defensoria Pública daquela estado a realização de um mutirão de verificação da situação processual dos presos e presas nas unidades penitenciárias em Manaus visando enfrentar de forma legal o dilema da superpopulação encarcerada. Solicitará ainda a manutenção da interdição, para recebimento de presos, da Cadeia Pública Des. Raimundo Vidal Pessoa, e a manutenção de sua destinação para uso como equipamento cultural do Estado. Solicitará ainda à Procuradoria Geral de Justiça do Estado do Amazonas e à Procuradoria Geral da República a criação de uma força-tarefa conjunta do Ministério Público para investigar as circunstâncias em que se deram tantas mortes, neste que já é o segundo maior massacre de presos da história penitenciária nacional, atrás apenas do Massacre do Carandiru, de triste memória pela impunidade dos agentes públicos envolvidos.

Tão logo sejam retomados os trabalhos parlamentares na Câmara dos Deputados, a Comissão analisará requerimento desta Presidência para a realização de audiência pública em Brasília com a participação do Ministério da Justiça, do Governo do Amazonas, da Pastoral Carcerária e entidades participantes da Agenda Nacional pelo Desencarceramento e do Ministério Público Estadual e Federal para debate sobre as causas, circunstâncias e responsabilidades pelo massacre de janeiro e alternativas para o sistema penitenciário.

Brasília, 03 de janeiro de 2017

Deputado Padre João

Presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados

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Comentários

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André

06/01/2017 - 05h02

Todos nós somos humanos dependendo de cada ato que praticamos, mas o governo n fez nada para em pedir que isso acontecesse.
Agora eles tem que se preocupar com as pessoas que estão correndo risco de vida n só com os detentos, mas sim com as pessoas de bem que também foram ameaçados pela facção PCC.

Esse governo são um
bando de ladrões q pegam o dinheiro público e se isqueçem em melhorar o Brasil que está sendo dominado por bandidos

André

06/01/2017 - 04h18

Todos nós somos humanos dependendo de cada ato que praticamos, mas o governo n fez nada para em pedir que isso acontecesse.
Agora eles tem que se preocupar com as pessoas que estão correndo risco de vida n só com os detentos, mas sim com as pessoas de bem que também foram ameaçados pela facção PCC.

Esse governo são um
bando de ladrões q pegam o dinheiro público e se isqueçem em melhorar o Brasil que está sendo dominado por bandidos

Pinheiro –

04/01/2017 - 08h40

Bandido bom é bandido morto. Antes ele do que eu.

    Hermano

    04/01/2017 - 11h18

    O seu raciocínio é típico de bandido, já que o assassinato no Brasil é crime. Quem comete crime é bandido. E você diz que bandido bom é bandido morto. Cuide-se.

Dulce

03/01/2017 - 21h02

Esse padre peca por tentativa de embromação. Primeiro diz que o crescimento
das facções se deve a três décadas de acumulação de um enorme
contingente de presos temporários com outros, os já condenados. isso é
certo. Todos os especialistas repetem isso já faz décadas. Mas o padre
acrescenta que faltou aos governos do PSDB em SP vontade política para
combater com “rigor o crescimento de grupos criminosos que se
organizaram dentro presídios paulistas”. Mas que estória é essa?? Na
linha do raciocínio com que o padre começou, o que tinha que pedir era o
combate às condições desumanas dos presídios que geram as facções. As
facções em si são um efeito. Não se combate as bolhas na água que está
fervendo. Se desliga ao fogão e pronto, as bolhas desaparecem. O fogão,
no caso, é a superlotação dos presídios. O PSDB pode ser um traste
político de quinta mas é igualzinho ao PMDB no Rio, onde o Comando
Vermelho cresceu. Ambos são responsáveis por tudo isso. Como o PT também
é. O PT nada fez para resolver o problema. E a Igreja? A igreja não fez
e nunca fará. Vive desse discurso gosmento, ocupa as pastorais para
lidar com os pobres. Mas apenas embroma e nada faz. Foi por isso que
deixou os miseráveis caírem nas mãos dos evangélicos, dando espaço para
Bolsonaros e Malafaias. Cadê as denúncias dessa comissão de direitos
humanos da Câmara?? Quando usaram os recursos que possuem, e são muitos,
para fazer campanha, para criar uma consciência nacional sobre os
riscos dos presídios, para fazer denúncias?? Nunca. Ou se fizeram
alguma, foi quase muda. Eu nunca ouvi falar, e leio as notícias todo os
dias. Padre, evangélico e polícia. Esse país está perdido.

    Thiago Borges

    05/01/2017 - 07h45

    Vc tem TODA A RAZÃO, especialmente nas 4 ultimas palavras!! Mas ta pesando um pouco na dele. Qdo li o texto, interpretei que combater o avanço das facções (combater as bolhas) quis dizer automaticamente humanizar as prisões (apagar o fogo). Automático!

Francisco José Palácio

03/01/2017 - 18h13

A introdução, em 2011, no CPP, de outras medidas cautelares diversas da prisão, no que pese a positiva atitude do legislador ordinario, pouco mudou no nosso falido sistema prisional. Juízes e tribunais “dão a mínima” para essa palpável possibilidade de se evitar o desenfreado encarceramento de pessoas por crimes que, ao final, dificilmente serão punidas com pena de prisão em regime fechado. Manda o CPP que o juiz, ao receber um auto de prisão em fagrante, estando o mesmo em ordem, ao homologá-lo, poderá relaxar a prisão do flagranteado, aplicando ao mesmo, em substituição à prisão, outras medidas cautelares menos gravosas ou converter o flagrante em preventive. A opção, sempre e sempre, tem sido pela última, ou seja, juízes Brasil afora, em sua grande maioria, optam por converter o flagrante em preventiva. Habeas Corpus para os tribunais, nem pensar. O grande contigente de flagranteados é de pobres e probres, que têm (?) à disposição, as desaparelhadas e desprestigiadas defensorias. Sem deixar de considerar que o pensamento dos que fazem a instância inferior, não difere muito daqueles que estão nas cortes. E assim caminha o nosso Brasil dos Moros e cia!


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