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Lista tríplice, corporativismo e democracia*

Por Rogerio Dultra dos Santos, exclusivo para o Cafezinho Não é razoável comparar a organização política de instituições repressivas com a organização política daquelas educativas ou voltadas à saúde pública. Instituições de “polícia”, como a PF, o MPF, as PM’s, as Polícias Civis, operam sob critérios infeliz e completamente distintos dos ditos “científicos”. As políticas […]

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Por Rogerio Dultra dos Santos, exclusivo para o Cafezinho

Não é razoável comparar a organização política de instituições repressivas com a organização política daquelas educativas ou voltadas à saúde pública. Instituições de “polícia”, como a PF, o MPF, as PM’s, as Polícias Civis, operam sob critérios infeliz e completamente distintos dos ditos “científicos”. As políticas de segurança pública são um campo de disputa aberta, onde os consensos são quase inexistentes e as ideologias valem mais que as estatísticas.

Já as Universidades, Institutos Federais de Ensino, Escolas Públicas, Hospitais e Institutos de Pesquisa Aplicada – como a Fiocruz – orientam-se por políticas públicas de educação e saúde tradicional e amplamente debatidas. Nas áreas de educação e saúde se os consensos são difíceis, os parâmetros de atuação têm limites claros – erradicação do analfabetismo, inclusão escolar, atendimento universal de saúde, orientação por estatísticas e estudos científicos, etc. – o que claramente não é o caso no ambiente intelectual e operacional das agências repressivas.

Na área do direito e da segurança pública ainda vigora o mais profundo conflito em relação às questões mais básicas. Repressão ou prevenção de crimes? Encarceramento, penas alternativas ou extinção do sistema penitenciário? Pena, multa ou serviços comunitários? A repressão é uma prática que se orienta por critérios legais, políticos ou – até mesmo – midiáticos? O juiz deve decidir de acordo com a lei, pelas decisões anteriores, pela “doutrina” ou pela opinião pública? Existe um critério objetivo para a interpretação da lei ou de cada cabeça sairá uma sentença?

A impressão – dada a indefinição destas e de outras tantas questões fundamentais – é que estamos mais seguros nas mãos de um médico, de um professor ou de um cientista do que nas de um policial, de um promotor ou de um juiz. Com o médico, receberemos tratamento e seremos curados. Com um professor, seremos alfabetizados e aprenderemos um ofício. Com um cientista veremos doenças e endemias serem combatidas e vencidas. O que seremos nas mãos dos integrantes do sistema de justiça e segurança pública? Mesmo seus mais valorosos e qualificados membros concordarão – depois das últimas decisões do STF – que sequer teremos a consideração presuntiva de inocência: culpados seremos até que provemos em contrário.

A máquina repressiva produz resultados muito mais políticos e imprevisíveis que as máquinas da saúde, da ciência ou da educação.

É correto, como defende o Ex-Ministro da Justiça Eugênio Aragão, que as nomeações para os órgãos do sistema repressivo sejam acompanhadas de perto e sejam politicamente controladas pela Presidência da República. Não se trata de simples aparelhamento, mas de controle político republicano e constitucional. Um Procurador Geral da República que atua politicamente contra seu Presidente, por exemplo, é um agente político que turba, que tumultua as instituições democráticas. Daí nada de bom ou republicano sairá.

Uma coisa completamente distinta é controlar politicamente nomeações de autarquias e instituições que operam com autonomia como Universidades ou centros de pesquisa. Onde ou de que forma a República e a democracia seriam ameaçadas pela “pauta corporativa” destas instituições? Demandar melhores salários, mais verbas de pesquisa, mais bolsas e convênios em nada ameaça o andamento do país. Muito pelo contrário. Um Reitor que atua politicamente contra seu Presidente é apenas um Reitor que pensa diferente. Em nada a sua atuação atinge a estabilidade política da República. É salutar, inclusive, que haja um pensamento dissidente no corpo das instituições educativas do país. A ciência avança na livre discussão de ideias. Daí porque respeitar a lista tríplice nestas instituições.

A capacidade de neutralização de inimigos políticos, qualidade intrínseca do sistema de segurança pública – incluído aqui o judiciário – traz uma dimensão diferenciada para a discussão sobre a livre indicação política de seus dirigentes. A condição que detêm algumas destas instituições de falsear a ideia de representação política – alterando na prática o poder de produção da lei que deveria emanar do Poder Legislativo – para fins não definidos ou controlados democraticamente, é preocupante. O poder de escolher o dirigente, aqui, é estratégico e fundamental.

Todos sabemos que a culpa por termos o STF mais medíocre da história é dos governos do PT, que não deram a devida importância à escolha dos ministros que indicaram. Alguns deles explicitamente negando a importância da lei na orientação de suas decisões (“Não tenho prova cabal contra Dirceu – mas vou condená-lo porque a literatura jurídica me permite”). Todos sabemos que o impeachment de Dilma Rousseff se deveu não somente ao Presidente da Câmara dos Deputados, então Eduardo Cunha, mas ao PGR e ao STF que, em larga medida, funcionaram como avalistas do golpe.

Escolher o menos votado numa lista tríplice para Reitor ou para Presidente de uma instituição de pesquisa científica, como é o caso da Fiocruz, tem uma dimensão muito mais limitada e muito menos impactante, convenhamos. A integridade das instituições políticas, da República e da democracia em si não será ameaçada.

Realmente são dois pesos e duas medidas. São realidades institucionais e políticas incomparáveis.

Enquanto o corporativismo do MPF é extremamente preocupante, como acerta em denunciar Aragão, o “corporativismo” de Universidades e centros de pesquisa tem um caráter interno muito mais republicano. É da democracia destas instituições, e não na defesa e garantia de privilégios obtidos a fórceps, através de chantagens das mais variadas, de que se fala. Um Procurador Geral pode, sim, chantagear o Legislativo e o Judiciário por maiores salários e privilégios corporativos. Um Reitor de Universidade Pública ou um presidente da Fiocruz pode o quê diante dos poderes instituídos?

Este debate em torno da suposta nomeação da segunda colocada da lista tríplice da Fiocruz trata “apenas” de uma afronta à lógica da democracia interna desta instituição. É, como vem se consolidando na prática do regime Temer, o equivalente funcional à montanha de sorvetes Häagen Dazs: é tão somente uma mesquinharia. Esta sim com cheiro de “aparelhamento”, no seu sentido mais vil – embora seja bom registrar que a capacidade científica das pesquisadoras mais votadas pelos funcionários da Fiocruz esteja acima de qualquer suspeita. Mas se sabe também que este regime, e seus Ministros, estão longe de estarem acima de quaisquer suspeitas.

Como diria o Barão de Itararé, “De onde menos se espera, daí é que não sai nada”.

* Esse texto foi escrito depois que li a “provocação” democrática do excelente Marcelo Auler sob o tema.

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Rogerio Dultra

Professor do Departamento de Direito Público da Universidade Federal Fluminense (UFF), do Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Justiça Administrativa (PPGJA-UFF), pesquisador Vinculado ao INCT/INEAC da UFF e Avaliador ad hoc da CAPES na Área do Direito.

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Comentários

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Torres

03/01/2017 - 16h17

“É correto, como defende o Ex-Ministro da Justiça Eugênio Aragão, que as nomeações para os órgãos do sistema repressivo sejam acompanhadas de perto e sejam politicamente controladas pela Presidência da República. Não se trata de simples aparelhamento, mas de controle político republicano e constitucional.””
discordo frontalmente.
livre indicação nunca.
criar uma casta de pelegos?
por isso existe indicação acompanhada de aval do legislativo para ministros do STF.

Eduardo Albuquerque

03/01/2017 - 16h05

Um gesto simples dos que nao ganharam a eleição encerraria essa “confusão”. Bastaria aos dois nao participrem da lista triplice. Avisar ao golpista e ao engenheiro “ministro” da saude. Deixa pra eles arrumarem um capiau para “tocar a fiocruz”

    Lenhador da Federal

    03/01/2017 - 18h50

    Qual o problema em um engenheiro ser ministro da saúde? Não lembro de você ter reclamado quando o dono do restaurante Barganha foi nomeado ministro da ciência e tecnologia ou quando Ideli Salvati foi nomeada ministra da pesca. Só lembrando, há médicos extremamente incompetentes como administradores, como já provou o petista Agnelo Queiroz !

Antonio Souto Coutinho

03/01/2017 - 12h49

Na minha universidade, em certa eleição para reitor, o segundo colocado não aceitou participar do segundo turno alegando que a comunidade já havia escolhido o preferido.


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