Foto: Forrest Gump, o contador de histórias
Por Tadeu Porto*, colunista do Cafezinho
Não precisa ser um discípulo de Nostradamus para profetizar pelo menos uma expectativa de 90% dos brasileiros e brasileiras para o ano que se aproxima: emagrecer e, se possível, ficar sarado no nível muso/musa fitness do Instagram.
Bem, particularmente não condeno esse desejo de perder uns quilinhos . Eu mesmo reinstalei um aplicativo de controle de calorias o meu Android (estava brigado com o antigo desde que passei a contabilizar as calorias da cerveja) e comprei um novo tênis para poder correr em 2017. Apenas lamento que o calendário não permitiu 1º de Janeiro cair numa segunda feira, se assim fosse certamente minha dieta vingaria.
Contudo, a despeito da importância crucial da saúde nas nossas vidas, a tragédia que foi o ano de 2016 – o novo 1964 – nos mostrou que precisamos, acima de tudo, repensar o modo que nos relacionamos coletivamente.
Não dá para assistir apático o absurdo que se desenha no Brasil pós-Golpe que é deixar uma elite político-econômica governar nossa terra tupiniquim mantendo e ampliando privilégios às custas da exploração histórica do povo brasileiro.
No geral, se torna inútil, portanto, fazer uma lista de ano novo focada em chia, biomassa de banana verde, linhaça, planilhas de corridas ou um workouts do dia no crossfit sem dedicar um tempo sequer para pensar como será possível combater essa barbárie atual, fruto de uma campanha em massa de ódio contra minorias brasileiras que, aos poucos, vinham conquistando mais espaço na sociedade.
Não há mais espaço para o conformismo e o desastre que foi 2016 é a grande prova disso. Pessoalmente, penso que esse ano corrente pode ser resumido na tragédia que foi o homicídio do brasileiro Luiz Carlos Ruas (brutalmente assassinado no metrô de São Paulo): negro e pobre espancado até a morte em local público e movimentado por defender uma transsexual, que poderia ter sofrido o mesmo fim.
A pergunta de reflexão do dia 31 de dezembro de 2016 é simples: na desgraça do metrô paulista, quem você seria? Os agressores preconceituosos, as pessoas que assistiram indiferentes o assassinato ou o vendedor Ruas, um cidadão brasileiro que não aguentou ver uma injustiça e defendeu um oprimido.
Não se enganem, intolerâncias como essa nós presenciamos a todo momento: no grito homofóbico no estádio de futebol, no racismo que extermina a juventude negra, na exploração do pobre que passa fome para a elite se refrescar com Häagen Dazs e no sexismo que permite uma Reforma da Previdência que iguala a idade mínima de aposentadoria entre gênero jogando às favas todo o trabalho exploratório que as mulheres sofrem e sofreram nos serviços domésticos do dia a dia.
Eu não tenho dúvida alguma que o país precisa, urgente, repensar a maneira que se alimenta e se exercita. Sei que o MST, o MAB, o MPA e diversos outros do movimentos da via campesina devem ter mais valor para que deixemos de ingerir, dia e noite, uma altíssima carga de agrotóxicos. Também sei que é imperativo que as cidades possuam infraestrutura para comportar o lazer e a prática esportiva dos cidadãos e cidadãs.
Sendo assim, deixo aqui algumas dicas: quando for correr, pelo menos uma vez ou outra substitua a playlist Top Brasil do Spotify por debates políticos, como esse entre Rubem Alves e Darcy Ribeiro (uma sensacional aula de Utopia); escolha livros como Mosca Azul, do Frei Betto, ou Política e Educação do Paulo Freire para acompanhar aquela saborosa crepioca de ricota com rúcula e tomate cereja orgânico, com uma pitada de sal rosa do Himalaia; e nas redes sociais, poste sim fotos do seu treino ou WOD mas não deixem, jamais, de se posicionar contra a intolerância que machuca e mata milhares de pessoas todos os dias, seja numa discussão no Whatsapp ou no compartilhamento de uma ideia cativante no Facebook.
Por fim, faço votos que, fora Temer, 2017 traga muita paz, saúde e alegria para todos nós. E que esse ano se inspire na sua referência do século XX, 1917, e possa nos proporcionar momentos como a Revolução Russa ou a primeira greve geral do Brasil, símbolos de luta e resistência que certamente virão a calhar nesses tempos sombrios.
*Tadeu Porto é diretor do Sindicato dos Petroleiros do Norte Fluminense