foto: Ana Rojas
Por Mariana T. Noviello, correspondente internacional do Cafezinho
Dias 14 e 15 de dezembro o Foro de São Paulo, agrupamento de partidos de esquerda e movimentos sociais, e o PIE, Partido de Esquerda Europeia, que agrega os partidos da esquerda deste continente, se encontraram para discutir estratégias em comum e trocar ideias.
O seminário “Visões Compartilhadas desde o Ponto de Vista da Esquerda” que aconteceu em Berlim, discutiu diagnósticos e buscou apontar soluções para os problemas que estamos vivenciando. Entre eles, o crescimento da extrema direita, tanto nas Américas como na Europa.
As eleições de Maurício Macri na Argentina, ainda em 2015, o golpe no Brasil, Brexit e a eleição de Trump talvez tenham sido os eventos mais visíveis nesta trajetória.
Porém, a extrema direita pode crescer ainda mais com as eleições na França, onde Marine Le Pen vêm ganhando cada vez mais espaço e na Alemanha com o crescimento do partido Alternativa para a Alemanha (AfD), tirando vantagem do fato que Angela Merkel abriu as portas a mais de 1 milhão de migrantes e refugiados.
Ainda na Europa, entre outros eventos, vimos a vitória tardia e apertada na Áustria dos Verdes sobre o Partido da Liberdade (de extrema direita) e ainda em 2015, a eleição do Partido Lei e Justiça na Polônia. Estas vitórias se juntam às crises democráticas, onde nenhum partido, ou blocos de partidos afins, conseguem formar um governo, como nos casos da Bélgica, Irlanda e Espanha.
Entretanto, são também inquietantes as crises que afetam outros governos de esquerda nas Américas, como o venezuelano e o de Evo Morales na Bolívia, além de outros eventos que apontam o avanço da direita, como as eleições municipais no Brasil, a vitória de Kuczynski no Peru e a possibilidade do impedimento de Lugo participar nas eleições no Paraguai.
Portanto, a esquerda, sempre dividida em suas várias tendências, faz bem em se juntar para debater ideias e tentar aprender com os seus erros e êxitos.
Talvez o seu maior problema, como bem apontou Alberto Garzón, o líder da Esquerda Unida da Espanha, é que a esquerda já pouco representa as chamadas classes trabalhadoras. O tecido societário se modificou de tal maneira que estas classes já não vêm a esquerda, em todos os seus formatos – do extremo ao centro – como defensoras de seus interesses.
Os partidos de centro-esquerda, na sua maioria, foram exitosos porque eles implementaram políticas sociais e construíram os estados de bem-estar social nas democracias ocidentais para ‘domar’ e mitigar a fúria do mercado.
Entretanto, desde o colapso do muro de Berlim, estes partidos foram deixando de lado questões que as teorias do “fim da história” (aqui incluo inúmeras variantes, como a terceira via, por exemplo) acreditavam obsoletas como a necessidade de manter empresas e serviços públicos nas mãos do Estado.
A economia industrial foi substituída por serviços e o conhecimento tecnológico, num modelo onde o emprego pleno de qualidade já não tinha mais relevância.
O trabalho foi sistematicamente desregulamentado e a terceirização implicou em uma força de trabalho que não recebe mais proteções trabalhistas e nem o apoio dos sindicatos, que foram perdendo cada vez mais espaço entre as camadas populares.
Em vez da proteção ao trabalhador, vivemos aparentemente na época da proteção ao consumidor. Entretanto, a ideia do “consumidor rei”, falsamente alardeada, não resultou no empoderamento dos cidadãos, mas em mais lucros às empresas, que cada vez menos necessitam da mão-de-obra (qualificada ou não), trocada por impessoalíssimas máquinas e computadores.
Consequentemente, milhões de pessoas se tornam redundantes, ou são dependentes de empregos temporários, sazonais, sem nenhuma estrutura ou direitos, falsos autônomos. No inglês, alguns chamam esta população de “the left behind” (os deixados atrás), ou como a Primeira Ministra Britânica resolveu chamá-los – “JAM” (Just About Managing – os que apenas sobrevivem).
E enquanto boa parte da humanidade já não tem mais razão social para existir, os verdadeiros ganhadores são o capital financeiro e as empresas multinacionais, principalmente as virtuais, que viram na flexibilização e no fluxo livre do capital grandes oportunidades.
Esta constatação não passou despercebida pela direita – vide Trump – e a globalização como motivo pela insatisfação generalizada se tornou consenso, quase que incontestável.
Durante o seminário, os diagnósticos apresentados foram na sua maioria pontuais e, até certo ponto, consensuais, levantando temas como: os acordos de livre comércio, por exemplo, o TIPP (parceria transatlântica de comércio e investimento) e como estes são estimulados por uma União Europeia cada vez mais neoliberal – em sua direção e conteúdo – criadora de seus próprios semiparaísos fiscais, repressora de migrantes (a tão chamada UE fortaleza), alterando as relações entre a burocracia europeia e seus cidadãos, resultado da prioridade dada às corporações e ao mercado financeiro.
Em termos mais globais, Rodrigo Cabezas, presidente do Partido Unido da Venezuela, buscou evidenciar a discrepância entre o PIB mundial (aproximadamente U$74 trilhões em 2015) e estimativas da soma do capital acumulado mundialmente (U$250 trilhões em 2015, de acordo com dados da Credit Suisse), explicitando a enormidade de recursos que a economia mundial não tem a sua disposição para lidar com os problemas de cada nação.
Marco Aurélio Garcia, ex-assessor especial da presidência para assuntos internacionais dos governos Lula e Dilma, destacou alguns dos êxitos na tentativa de mudar o paradigma, descrevendo como nas décadas recentes, a esquerda latino-americana, e em particular o governo brasileiro, foi protagonista na busca da construção de um mundo mais multipolar, através da ampliação das relações Sul-Sul e a criação de foros e agências multilaterais como o G20, os Brics e a Unasur.
Não obstante, a falta de soluções inovadoras e viáveis aos problemas atuais marcou o debate.
Fora a constatação das recentes reeleições da esquerda em El Salvador e na Nicarágua, que contrariaram a tendência do avanço da direita, os únicos a apresentarem algum tipo de proposta prática foi a Esquerda Unida espanhola, através de seu líder, Alberto Garzón.
Garzón começou demonstrando como não houve aumento na renda média das classes médias europeias desde 1989. Enquanto que a renda dos mais ricos no mundo subiu mais de 65% durante o mesmo período.
Também se mostrou eminentemente preocupado com o distanciamento das esquerdas e as classes que elas supostamente representam neste novo mundo onde o trabalho, aparentemente, já não define lealdades. Deu exemplos claros do que a Esquerda Unida está fazendo para reganhar o espaço perdido à direita.
Contrastando a maior credibilidade dos partidos de esquerda no sul Europeu, mais afetado pela crise, e o movimento decisivamente à direita, no norte e no leste europeu.
Mediante a realidade de uma classe trabalhadora conservadora em seus valores e atitudes e a utilização da retórica esquerdista pela direita, o que fazer? Em um mundo onde milionários se dizem amigos do povo contra as “elites”, como se distinguir?
Na Espanha, onde o desemprego alcançou 25% e quase 50% entre os jovens, diz Garzón, a esquerda se organizou para participar e dar apoio prático à população, como por exemplo ajudar as milhares de famílias na luta pela manutenção de suas casas que estão sendo retomadas pelos bancos e, assim, conseguir a confiança da população.
Mas fica uma pergunta: será que é necessário chegar ao limite da crise, como aconteceu na Espanha, para que a esquerda se junte à população e comece a encontrar soluções conjuntas?
De qualquer maneira, na mesma Espanha de Garzón, o partido de centro direita, o PP, está no comando justamente porque o Partido Socialista Espanhol, o PSOE, respaldou a ascendência do PP sem maioria. Isso, apesar dos números apontarem que 25% da população apoia os partidos que estão mais à esquerda do PSOE.
Na Grécia, o Primeiro-Ministro do partido da esquerda radical, Alexis Tsipras, teve seu governo decapitado pela necessidade de seguir os mandamentos econômicos da União Europeia. É só ele querer gastar mais no social para que o Mecanismo Europeu de Estabilidade e as outras organizações comecem ameaçar sanções.
A incapacidade da Esquerda grega de manter a trajetória que eles prometeram nas eleições já está impulsionando a direita, com o partido conservador Nova Direita liderando nas pesquisas.
No Reino Unido, Jeremy Corbyn alegrou a sua base levando a direção do partido à esquerda e, assim, tornando o Partido Trabalhista britânico no maior partido de esquerda/centro-esquerda da Europa.
Mas o seu apoio está concentrado entre os chamados “jovens metropolitanos”, enquanto que a tradicional classe trabalhadora, cada vez mais socialmente conservadora, continua inclinada a votar no eurocético e conservador Ukip.
No Brasil, com talvez a maior de todas as crises, é comum ouvirmos falar dos “erros do PT”, da necessidade de refundar o partido, etc., mas o PSol de Freixo, sem base nos movimentos sociais, teve seu maior apoio nas classe-média metropolitana carioca, sem conseguir adentrar nas periferias. O mesmo pode-se dizer do ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad que, apesar de petista, é tido como um dos prefeitos mais inovadores e progressistas do país.
Fica, portanto, uma pergunta ainda sem resposta: Será que a esquerda mundial é capaz de lidar com os desafios que a nova ordem mundial impõe?