Segundo doutor em ciências sociais pela PUC, “no Estado Democrático de Direito, a função do juiz criminal em nenhuma hipótese se equipara com a de um agente da segurança pública”. “Na democracia, o juiz deve ser o mais poderoso obstáculo contra o autoritarismo”, afirmou.
No Justificando
O Juiz Policialesco não serve à Democracia
Por Felipe Lazzari da Silveira
Atualmente, muitos dos estudiosos que se debruçam sobre o processo penal brasileiro têm reservado em seus trabalhos um grande espaço para analisar o papel do juiz no regime democrático e, com propriedade, evidenciam que a atividade jurisdicional no processo penal brasileiro, em muitos casos, vem sendo exercida em completo descompasso com os princípios basilares do Estado Democrático de Direito.
Ao nosso sentir, a preocupação com a figura do juiz presente nos estudos que tratam do processo penal é de extrema importância, em especial se considerarmos que, independentemente da função essencial da acusação e da defesa, é o juiz que tem o poder de decisão e, ao atuar de modo respeitoso com os princípios democráticos, na condição de garantidor dos direitos e garantias dos acusados, materializa a devida proteção do indivíduo contra qualquer tipo de abuso estatal.
Outro ponto que torna importante as análises sobre o exercício da jurisdição no processo penal é o modo como a justiça criminal brasileira vem operando. É que mesmo sob a égide de uma Constituição Democrática, muitos magistrados seguem exercendo suas atribuições de modo autoritário, atuando como se fossem um “braço” do sistema de segurança pública, relativizando direitos e garantias dos acusados, sobretudo daqueles enquadram no estereótipo do “inimigo social” (normalmente o jovem pobre e negro, morador da periferia, acusado por crimes comuns como furto, roubo ou tráfico de drogas), seja para prender preventivamente ou para condenar.
Sob uma leitura constitucional (e logicamente democrática), considerando que o processo penal é uma estrutura destinada não apenas à apuração da prática de um crime, mas, principalmente, à proteção do cidadão que figura como acusado, e que somente quando tal proteção é exercida de modo efetivo que o ius puniendi se legitima, resta evidente que o juiz não deve ter outra postura que não seja a de respeitar as formas processuais, assegurando direitos e garantias, limitando o poder estatal e impedindo qualquer tipo de abuso.
Definitivamente, no Estado Democrático de Direito, a função do juiz criminal em nenhuma hipótese se equipara com a de um agente da segurança pública.
Os influxos do legado autoritário no sistema de justiça criminal brasileiro, sobretudo via Judiciário, possuem origem variadas e nem sempre de fácil compreensão, o que explica a complexidade do problema do autoritarismo no exercício da jurisdição e as dificuldades encontradas para sua solução.
Cumpre-nos lembrar, por exemplo, que a sociedade brasileira possui longa tradição autoritária, que a nossa cultura jurídica foi fortemente influenciada pelo positivismo criminológico e pelo tecnicismo jurídico italiano (escolas autoritárias), e que o nosso Código de Processo Penal (elaborado em 1941) foi inspirado no código de processo elaborado pelo regime fascista italiano em 1930 (Código Rocco). Na medida em que após o fim do último período ditatorial (Ditadura Civil-Militar – 1964 a 1985) tivemos um processo transicional inacabado, uma vez que a transição democrática foi desacompanhada de uma efetiva reforma das instituições de segurança pública e do Judiciário, a promulgação da Constituição Federal de 1988 foi insuficiente para impedir que a sociedade brasileira seguisse repetindo o passado, convivendo com os entulhos autoritários no campo da justiça criminal.
Partindo do pressuposto que a questão jurídico-penal, mormente no que tange ao sistema de justiça criminal, possui um sentido político (vínculo com o poder político), e que o poder punitivo, em qualquer tempo e lugar, sempre consistiu em um poderoso sustentáculo para poder soberano, no presente trabalho buscaremos identificar as distorções no exercício da jurisdição no regime democrático sob um enfoque mais amplo, propondo uma reflexão sobre a instigante manifestação de Michel Foucault no documentário “Foucault por ele mesmo” quando, ao responder um questionamento sobre o papel do juiz em uma sociedade, sustentou: “Ele serve, no fundo, para fazer a polícia funcionar”, asseverando ainda que a justiça criminal sempre teve como função registrar nos níveis oficial, legal e ritual, o controle de normalização realizado pela polícia. Desobscurecendo a função latente da justiça criminal, Foucault concluiu: “A justiça está ao serviço da polícia. Historicamente e institucionalmente”.
A perspectiva apresentada pelo filósofo certamente pode nos auxiliar a compreender os meandros das atuações policialescas de alguns magistrados no contexto atual. É que quando o juiz abandona os princípios norteadores do Estado Democrático, especialmente os destinados à proteção do acusado no processo penal, e passa a exercer suas atribuições sob um prisma administrativo, visando a segurança pública, nos parece que ele atua realmente como uma extensão da polícia, conforme asseverou Foucault.
Destarte, não podemos olvidar que, quando o juiz criminal atua desse modo, ele promove o regresso de práticas típicas do Estado absolutistas ou policialesco, e anula completamente as importantes conquistas relacionadas à proteção dos direitos humanos ao longo da história, direitos que foram consagrados na Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU em 1948, bem como nos diplomas que a seguiram.
É de curial importância lembrar que alguns dos mais brilhantes filósofos e juristas contemporâneos que esmiuçaram a trajetória histórica do Direito, trouxeram à baila visões relevantes sobre à fundação do sistema de justiça criminal e sua transformação ao longo do tempo, destacando questões como a pulsão de vingança, as origens religiosas e as teorias contratualistas. Esses pensadores analisaram também o papel desempenhado pelo juiz ao longo da história, cotejando os aspectos jurídicos do sistema de justiça criminal, que teria se deslocado de uma configuração repleta de brutalidades para outra mais amena (mas ainda assim seletiva e violenta), em um processo gradual que teria sido impulsionado pelos ideais liberais e se consolidado com o advento das democracias modernas.
Ao nosso sentir, independentemente das “roupagens” que recebeu, dos discursos (humanistas, reformistas, ressocializadores) e saberes que lhe deram legitimidade, uma reflexão epistemológica com o objetivo de investigar as reais funções do sistema de justiça criminal, principalmente as do juiz, se faz necessária, considerando que, historicamente, essas funções parecem ter sido pautadas em viabilizar e chancelar a contenção, incapacitação ou destruição dos indivíduos que supostamente pudessem oferecer riscos à ordem instituída, o que de certo modo explica a dificuldade dos regimes democráticos em domesticar o poder punitivo estatal. Conforme esclareceu, Vera Andrade:
“(…) a transição da antiga para a moderna Justiça Penal não significou a passagem da barbárie ao humanismo, mas de uma estratégia de punir a outra, mediante um deslocamento qualificativo do seu objeto (do corpo para a mente) e objetivos (minimização dos custos econômico e político e maximização da eficácia)”.
Sendo o Judiciário uma instituição que tem sua gênese muito próxima do mais primitivo poder de polícia, não nos parece equivocado pensar que quando os limites impostos pelo regime democrático ao sistema de justiça criminal são ultrapassados pelo juiz, o sistema de justiça retorna à sua fase embrionária, atuando como um dispositivo policialesco, deixando de assegurar os direitos e garantias dos indivíduos submetidos à jurisdição.
Em sua genealogia do poder punitivo, Foucault explicou que a Justiça, na condição de um poder público neutro e autoritário, surgiu apenas na segunda metade do século XIV diante da ocorrência de revoltas campesinas e urbanas. Naquele momento, o poder soberano lançou mão de seu exército armado para resolver problemas internos e criou um aparato de Justiça centralizado destinado a solucionar conflitos e assegurar a ordem.[13] Nas palavras de Foucault: “Es sobre este fondo de guerra social, de extracción fiscal y de concentración de fuerzas aradas sobre el que se estabeleció el aparato judicial”.
No mesmo sentido, Giuseppe Campesi sustentou que o sistema político medieval promoveu uma espécie de descentralização do poder, na medida em que abandonou o antigo modo de controle organizado através de um complexo sistema de fidelidade pessoal, de ajuda mútua e de proteção entre as pessoas, para adotar uma tecnologia diferente, baseada na presença permanente do exército nos centros urbanos e na implementação de um aparato judicial institucionalizado.
Na concepção de Campesi, tal dispositivo, marcado por uma estreita associação entre o exército e aquele precário sistema justiça, foi o embrião do Estado Judicial. Foi naquele momento que surgiu uma força armada permanente incumbida de controlar os perigos e de exercer uma atividade preparatória e complementar da aplicação do direito, bem como um sistema judicial que tinha como finalidade chancelar o exercício do policiamento. Em seu modo embrionário, mesmo que com o passar do tempo tentassem se desapegar, as duas instituições funcionavam paralelamente com o objetivo de manter a segurança através do disciplinamento social e da normalização dos fatores de risco.
Segundo Foucault, após a transição para a sociedade disciplinar, modelo mais adequado ao sistema capitalista que se consolidava, houve uma completa reorganização que não ficou restrita apenas ao poder político. Alcançou também o sistema judiciário e o sistema penal, em um movimento lastreado pelo surgimento de inúmeros saberes que permitiram a edição de leis e as modificações nas penas. O crime então deixou de ser confundido com a falta, com a lei natural, divina ou religiosa, passando a ser considerado uma ruptura com a lei estabelecida pelo viés legislativo do poder político, modificação que fez com que os juízes passassem a ter como função a aplicação lei penal de modo a reparar o mal e impedir que outros indivíduos cometessem delitos.
Desse modo, os magistrados também passaram a contribuir diretamente para o disciplinamento social, ou seja, para fazer com que as pessoas se dedicassem a uma atividade útil para sociedade sem praticar ações que comprometessem a ordem social.
É imperioso registrar que, naquele período, vigorava o sistema processual inquisitório, um modo de apuração do crime que sufocou qualquer resquício do sistema acusatório primitivo e que consistia em uma disputa desigual entre o juiz-inquisidor e o acusado, tendo em vista que o magistrado abandonava sua posição de árbitro imparcial para assumir a atividade de inquisidor, atuando como acusador e julgador ao mesmo tempo, o que tornava o acusado em mero objeto da investigação. No sistema inquisitório, mais do que nunca, os juízes exerceram suas atribuições sob um prisma policialesco, já que investigavam o crime, prendiam, acusavam e também “julgavam”.
Campesi explicou que a virada do século XVII para o século XVIII proporcionou o surgimento de uma nova racionalidade governamental, de uma nova monarquia administrativa baseada na burocracia, no militarismo e no mercantilismo, que direcionava suas ações para controlar o espaço urbano através da polícia, com o objetivo de evitar que os membros das camadas mais pobres da população descambassem para a indigência ou “vagabundagem”, o que configurou um claro processo de disciplinamento.
Naquele cenário político, para conseguir cumprir seus novos objetivos, as ações da polícia precisavam ser programadas e contínuas, dinâmica que se tornou possível somente com o auxílio da técnica legislativa, momento em que começaram a surgir questionamentos relacionados à necessidade de se fazer uma distinção entre a polícia e a justiça.
A polícia, portanto, tornou-se o cerne de um projeto mais amplo de disciplinamento do ambiente social, uma tecnologia governamental, um vasto e complexo dispositivo que, depois de muito tempo vinculado à justiça, passou a ser visto como uma instituição regida por regras e saberes próprios. Entretanto, nos parece que, mesmo naquele momento, a atividades da polícia e da justiça seguiram mantendo um forte vínculo.
Posteriormente, por ocasião do surgimento do Estado Nação entre os séculos XVIII e XIV, acompanhando a consolidação de uma nova forma soberana de exercício do poder que Foucault denominou de biopolítica, a compreensão do fenômeno crime ganhou novos contornos, uma vez que o indivíduo criminoso passou a ser visto como aquele que danifica e perturba a sociedade.
Essa nova definição do criminoso com base no grau de periculosidade (concepções promovidas e reforçadas pelas escolas penais e criminológicas italianas) foi decisiva para a história do crime e da penalidade, na medida em que proporcionou a consolidação de um pensamento jurídico criminológico fulcrado em argumentos pseudocientíficos que compreendia o sistema penal (em todos os seus âmbitos) como um mecanismo destinado à defesa social.
A partir daquele momento, conforme sustentou Foucault, os juízes passaram a fazer coisas bem diferentes do que julgar crimes, já que passaram a decidir apoiados em questões extrajurídicas, sobretudo em novos saberes e instrumentos, objetivando controlar as “anomalias” que emergiam no tecido social, na verdade, as classes e indivíduos considerados perigosos.
Com a intensa burocratização proporcionada pela maturação da ciência do Direito Público, os conceitos de administração e polícia acabaram sendo modificados, dando ensejo à uma completa judicialização do poder de polícia e ao surgimento de uma técnica de administração pública baseada no princípio da legalidade que deveria lastrear todas as ações governamentais, inclusive em matéria de política criminal.
Esse movimento consistiu em uma nova tentativa de se distinguir, dessa vez de forma clara, as funções da polícia e do Judiciário, tudo com o intuito de adequar o exercício da administração aos ditames da lei. Desde então, a polícia se tornou definitivamente e legalmente a instituição responsável pela manutenção da ordem restando vinculada ao sistema de justiça.
O decorrer da história é bastante conhecido. Na primeira metade do século XX, o mundo presenciou atrocidades até então inimagináveis, o que foi um reflexo do exercício desmedido do poder soberano. Os graves crimes cometidos pelos regimes totalitários, fascistas e ditatoriais não foram outra coisa senão o uso do poder sem limites por parte de governos que, independente da ideologia (bem como dos interesses pessoais e perfis psicológicos de seus líderes), tinham como principal objetivo aumentar a força produtiva e enriquecer suas nações, não importando a quantidade de sangue que necessitasse ser derramada.
Não podemos esquecer que esses regimes, além das forças armadas, utilizaram também leis e tribunais para subjugar suas vítimas. Desde então, a maior conquista da humanidade talvez tenha sido tomar consciência da desumanidade que o exercício sem limites do poder soberano (inclusive por meio do Judiciário) pode acarretar, o que resultou na criação do já referido imenso arcabouço internacional destinados à proteção dos direitos humanos e no estabelecimento dos princípios democráticos que permearam os ordenamentos jurídicos internos dos países signatários das declarações, tratados e convenções sobre o tema.
Diante de tudo o que foi exposto, retomando a reflexão que propomos no início, um questionamento se faz relevante: no que tange a operacionalidade do sistema de justiça, acima de tudo no que diz respeito ao papel do juiz criminal, as conquistas relacionadas à proteção dos direitos humanos e o consequente fortalecimento dos regimes democráticos foram suficientes para limitar o poder punitivo estatal?
No ponto que interessa ao presente trabalho, é possível afirmar que, no caso do Brasil, a democracia não vem logrando êxito em limitar esse poder e frear os abusos, uma vez que o sistema de justiça criminal, sobretudo diante da postura autoritária de muitos juizes, promove um continuo desrespeito dos direitos e garantias dos cidadãos suspeitos ou acusados da prática de delitos.
Os frequentes casos de relativização de direitos e garantias (deferimento de interceptação telefônica sem necessidade, desrespeito com as formas previstas nas regras processuais, banalização da prisão preventiva) demonstram cristalinamente que o sistema de justiça criminal brasileiro, devido a postura autoritária de muitos juízes, não opera de acordo com os princípios democráticos recepcionados pela Constituição de 1988.
Como vimos, a genealogia da jurisdição penal demonstra sua estreita ligação com a atividade policial. Desse modo, conforme mencionamos antes, não é equivocado concluir que, quando os limites impostos pela democracia ao ato de julgar são desrespeitados em nome da defesa social (ou da segurança pública), o juiz criminal, mesmo que camufle o núcleo das suas decisões com argumentos pseudo-jurídicos, passa a exercer função de polícia, do mesmo modo como seus pares procediam no passado.
A permanência dos entulhos autoritários na cultura jurídica brasileira e no Judiciário, legado que viabiliza a repetição das posturas e práticas autoritárias do passado por parte de muitos magistrados, pode ser compreendido através dos caminhos fornecidos por alguns pensadores.
Boaventura de Souza Santos, por exemplo, teorizou no sentido de que os paradigmas sócio-culturais não simplesmente nascem, desenvolvem-se e morrem, mas que trazem traz dentro de si “o paradigma que lhe-há de suceder” após uma transição “semi-cega” e “semi-invisível”. Thomas Kuhn, analisando a estrutura das revoluções científicas, asseverou que os paradigmas servem como modelos ou padrões, e lastreiam os desenvolvimentos que os seguem.
Considerando que o sistema de justiça criminal naturalmente sempre esteve inserido em um ambiente sócio-político, e que esse campo foi historicamente lastreado saberes “científicos”, bem como que, conforme sustentou Rui Cunha Martins, os dispositivos autoritários e democráticos estão presentes em qualquer tempo, disponíveis tanto para os regimes ditatoriais como para os democráticos, é possível concluir que muitos resquícios do absolutismo e do autoritarismo que marcaram sua fundação (e consolidação) seguiram latentes em seu âmago, conforme podemos observar nos casos onde a jurisdição é exercida de modo policialesco em plena democracia.
No Brasil, o autoritarismo encontrou um campo fértil para se proliferar
É preciso considerar que e sociedade brasileira desde a sua fundação foi marcada por uma cultura extremamente autoritária, o que de certo modo explica a facilidade com que os regimes ditatoriais foram instaurados e também a aceitação do legado autoritário ainda presente em algumas instituições.
Junto a isso, como mencionamos no início, não podemos esquecer dos influxos autoritários na formação do nosso pensamento jurídico, da raiz fascista da nossa lei processual penal, e que, em um período mais recente, por ocasião da Ditadura Civil-Militar, o modo autoritário de pensar a segurança pública e o sistema de justiça foi reforçado através da implementação de uma doutrina de segurança nacional e de uma legalidade autoritária que muito contribuíram para a naturalização das posturas e práticas autoritárias no sistema de justiça.
Em uma sociedade com as características da brasileira, onde o habitus que marca o campo da justiça criminal é demasiadamente autoritário, não é de se estranhar que nossos juízes sigam desconsiderando as novas metodologias processuais e as exigências do contexto democrático, exercendo a jurisdição sob um prisma paleopositivista, como se estivessem a serviço da segurança pública.
Naturalmente, diante de um contexto de profunda injustiça social ensejada pela histórica negligência estatal nos mais diversos âmbitos, a sociedade brasileira convive com elevados índices de criminalidade e com uma sensação de insegurança cada vez mais reforçada pelos mass media.
Entretanto, em um regime democrático, é inaceitável que a jurisdição tenha suas funções equiparadas as das instituições de segurança pública, tendo em vista que a atuação do juiz criminal deve ser no sentido de assegurar os direitos e garantias do cidadão que figura como acusado, protegendo-o de qualquer tipo de abuso por parte do Estado.
Na democracia, o juiz deve ser o mais poderoso obstáculo contra o autoritarismo.
Não é o processo penal, principalmente quando conduzido como um instrumento policialesco, que vai solucionar os problemas relacionados à segurança pública que depende sobretudo de políticas sociais adequadas. Como sabemos, o tratamento equivocado da questão criminal ao longo do tempo pelos governos e o autoritarismo no exercício da jurisdição penal apenas produziram mais violência e crimes no seio da sociedade brasileira.
Nesse diapasão, concluímos que a consolidação da democracia no Brasil (algo que parece estar cada vez mais distante) depende de inúmeros fatores, dentre eles, a redução da violência e da criminalidade no tecido social, o que passa pela redução da injustiça social que impede milhões de brasileiros de alcançarem plenamente o status de cidadão, e uma adequação do sistema de justiça criminal aos princípios democráticos, o que será possível somente através de uma drástica mudança na cultura jurídico-penal e de uma reforma do Judiciário.
No contexto atual, faz-se imprescindível o completo rompimento com o legado inquisitório e autoritário do passado, pois em uma democracia, é inaceitável que os magistrados exerçam duas atribuições como se fossem agentes da segurança pública ou uma extensão da polícia. Juízes como Dredo, somente no mundo da ficção e olhe lá!