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Espiando o poder: análise diária da grande imprensa
Foto: Márcia Foletto/Globo
Por Luis Edmundo Araujo, colunista do Cafezinho
“Cartão de crédito tem juro recorde de 482%”, diz a manchete da Folha de São Paulo desta véspera de Natal, acima do subtítulo afirmando que “taxa do cheque especial também registrou maior patamar histórico”. O Globo foca na crise caseira, sem deixar de injetar pitadas de bondades na primeira página, na qual o exemplo vem do bom velhinho. “‘Ho, ho, ho’ na vida real” é a chamada na capa para uma das fotos do ótimo ensaio de Márcia Foletto, que não é esta aí de cima, exposta com outras seis imagens na página 2 do jornal carioca. O Estado de São Paulo conta na manchete que “Natal da crise faz comércio antecipar promoções”, e no Tijolaço, Fernando Brito usa as fotos aí embaixo, da capa do jornal paulista, para afirmar que “o retrato do fracasso neoliberal é o povo que sumiu das ruas do Natal”. Enquanto isso, Míriam Leitão, tocada talvez pelo espírito natalino, defende programas sociais no Nordeste para combater a seca, dessa vez sem chamada na primeira página.[/s2If]
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“Nenhum texto, reportagem ou análise econômica, pode ser tão expressivo do que se passa no Brasil que o par de fotos estampados hoje na capa do Estadão”, diz Brito, abrindo o texto. Segundo ele, “o repórter fotográfico Márcio Fernandes, com extrema precisão, conseguiu reproduzir a foto feita por seu colega Leonardo Fernandes, há seis anos.” “Tudo é perfeitamente igual na Rua 25 de Março, centro de comércio popular da cidade de São Paulo. Tudo, menos o fato de que há na rua, menos da metade das pessoas que havia há seis anos, naquele 2010 do qual muita gente já esqueceu”, completa o jornalista.
No Estadão o subtítulo da manchete fala que a “expectativa é de queda de 4% nas vendas”, e que “lojas populares e de grife oferecem descontos fora de época”. E se a crise em São Paulo anda à solta, no Rio ela é ainda maior, e deve ficar pior. “Meirelles: Rio não terá ajuda sem contrapartida” é a manchete do Globo na qual o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, diz no subtítulo que “exigências precisam ser cumpridas”. Logo abaixo, “servidores fazem fila por cesta básica”.
O texto da chamada informa que “ainda sem receber os vencimentos de novembro e o 13º salário, servidores do Estado do Rio disputam cestas básicas doadas por sindicatos”, e segue contando que “sem dinheiro até para passagem, alguns dependem de carona para chegar ao posto de distribuição, no Centro” e que “ontem, grupo de funcionários promoveu a Ceia da Miséria, só com pão e água, em frente ao Palácio Guanabara.”
Ao lado, como um alento, “ganho maior nas contas do FGTS valerá já em 2017”, diz a chamada avisando que “o governo decidiu antecipar para o ano que vem a distribuição de metade dos ganhos do FGTS entre os cotistas”. “Originalmente, a nova regra valeria só em 2018. A previsão é que o FGTS lucre R$ 15 bilhões este ano”, conclui o texto que vai acima do título informando que “imóveis regularizados receberão direito de laje”.
“Em medida provisória para regularização de imóveis, a União criou o direito de laje. Casas construídas em cima de outro imóvel terão matrículas separadas. Programa precisará de aval das prefeituras”, informa o texto que, junto com a chamada sobre o FGTS, com a manchete prenunciando tempos difíceis no Rio e o martírio dos servidores do estado atrás de cestas básicas, vai em cima da foto de “Tales Ferreira da Silva, 74 anos completados ontem,” pegando o trem para mais um dia de trabalho.
Tales interpreta Papai Noel “há três décadas”, segundo o Globo, que convida o leitor a acompanhar “a história de um dia inteiro de trabalho do Noel da Baixada”, o que não deixa de combinar, provavelmente sem intenção deliberada disso, com o editorial doze páginas adiante, a clamar pela reforma da Previdência. Se o Papai Noel da Baixada Fluminense diariamente “embarca em quatro conduções para ir de casa, em São João de Meriti, a um shopping na Barra da Tijuca, onde encarna o Bom Velhinho”, o Globo afirma no editorial que ” os 58 anos, em média, com que os brasileiros têm deixado de contribuir para o INSS, por se retirarem formalmente da força de trabalho ativa, chegam a ser uma aberração aritmética”.
“Explosão mais que anunciada” é o título do editorial que vai embaixo do tema: “a Previdência em desequilíbrio estrutural”, culpa daqueles de sempre, de acordo com o jornal. “Outros fatores se somaram à não adoção da idade mínima para a aposentadoria e forçaram o governo Temer a propor, enfim, uma reforma sensata”, diz o Globo, para logo em seguida afirmar que “a política suicida de Dilma de radicalizar o aumento dos gastos, já iniciado no segundo governo Lula, desequilibrou de vez a situação fiscal e levou, enfim, a que o Planalto, com Temer, enviasse ao Congresso uma proposta correta de reforma da Previdência, com a fixação da idade mínima de 65 anos para o trabalhador se habilitar ao benefício da aposentadoria.”
“Não há economia que gere renda para sustentar aposentados por mais de duas décadas. Isto é provado na ponta do lápis”, conclui o editorial do jornal carioca, que vai de encontro ao da Folha, “Improviso e seu efeito”. “Em busca de boa notícia para fim de ano, governo Temer lança medidas bem-vindas, mas ainda incompletas e de impacto por ora reduzido”, diz o jornal paulistano no subtítulo do texto a afirmar que “o improviso reforçou, em vez de amenizar, a impressão de aflição política do governo Temer”. “Para que mantenha algum apoio”, continua o editorial, “mais importante seria se dedicar a três ações cruciais: atacar de modo rigoroso a crise dos Estados, aprovar a reforma da Previdência e implementar o plano de concessões de infraestrutura.”
E por falar em infraestrutura, a mesma Folha vem com mais um capítulo na derrocada das grandes empreiteiras nacionais promovida pela Lava Jato, com a chamada embaixo da manchete dizendo que “Suíça fica com US$ 100 mi de contas da Odebrecht”. “O Ministério Público da Suíça sequestrou cerca de US$ 100 milhões (R$ 327 milhões) em contas usadas pela Odebrecht para pagar propina no Brasil e em mais 11 países”, informa o texto em cima do título no qual “bancos vão pagar US$ 15,5 bilhões por crise de 2008”.
Mas não bancos brasileiros, claro. “O Deutsche Bank e o Credit Suisse fecharam acordo de US$ 15,5 bilhões (R$ 50,6 bilhões) com a Justiça dos EUA em ações ligadas à crise de 2008. As multas por créditos fraudulentos já somam US$ 82 bilhões”, informa a Folha na capa, enquanto em outra chamada, do outro lado, Oscar Vilhena Vieira diz em artigo que “é errado aderir à retorica da crise institucional”. Um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) manda que o presidente do Senado deixe o cargo e este não aceita. Depois outro ministro anula decisão do Congresso por liminar. A guerra é a aberta entre os Poderes, com o Executivo acuado no meio, mas para Vilhena “a retórica da fragilidade das instituições beneficia apenas aqueles que veem suas expectativas de impunidade frustradas”.
“Sucumbir a esse discurso, além de ingênuo, pode ser perigoso”, diz o colunista da Folha no artigo “A perigosa retórica da crise”, no qual em determinado momento parece defender justamente a competição entre os Poderes, não a harmonia: “é natural que as narrativas e, sobretudo, as iniciativas para provocar uma verdadeira crise institucional ganhem força e coloquem em risco um importante movimento no sentido de estabelecer um novo padrão de relacionamento entre os poderes do Estado, marcado menos pela harmonia e mais pela competição institucional”.
O que existe, para Vilhena, é “um choque entre a velha forma de fazer política e um novo comportamento das agências de aplicação da lei”, que por alguma coincidência do destino jamais prendem nem denunciam com veemência certas figuras de um determinado lado, como mostra o título no alto da página 4 de O Globo: “Após 3 anos, ninguém foi preso por cartel dos trens em SP”. Embaixo, “nenhum político foi citado nos oito processos sobre o esquema”, nem no subtítulo, e só no quarto parágrafo surgem os nomes principais da história.
“O cartel dos trens foi descoberto após uma mudança no comando da multinacional Siemens, que decidiu assinar um acordo de leniência com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) em 2013 denunciando as irregularidades que aconteceram desde 1995, durante os governos dos tucanos Mário Covas, José Serra e Geraldo Alckmin”, informa a matéria para não mais citar os eminentes tucanos até o fim do texto.
Há ainda a informação de que “enquanto na Lava-Jato, o juiz Sérgio Moro chegou a aceitar uma denúncia feita pelo Ministério Público Federal no dia seguinte, como aconteceu no caso do ex-governador do Rio Sérgio Cabral, a Justiça paulista leva de seis meses a um ano para dizer se a acusação feita pelo MP deve ou não prosseguir.” E na matéria logo abaixo, ao lado de um anúncio, “Receita Federal autuou Instituto Lula”.
Além do título, o ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva ganha uma foto também, recortada no pé da matéria ao lado da palavra em negrito: desvio. E só no último parágrafo vem “o Instituto Lula, em nota”, afirmando, entre outras coisas, que “gostaria de ter o mesmo direito de todo o contribuinte ao ter respeitado o sigilo fiscal de um processo tributário em fase de recurso”, e que “os documentos que comprovam a contratação e execução dos serviços foram encaminhados para a Receita Federal”.
No Estadão a chamada no alto, ao lada manchete avisa que “Lula deve se lançar candidato à Presidência no início do ano”. E talvez seja esse, quem sabe, o motivo de Míriam Leitão, na coluna “O risco do Nordeste”, revelar que cientistas do governo alertam que o Nordeste pode ter em 2017 o sexto ano consecutivo de seca, o que é um comportamento inédito do clima na região”. e que “para que o problema climático não se transforme em uma crise social, o climatologista Carlos Nobre acha que será preciso o governo manter os vários programas sociais que mitigaram o drama regional nos últimos anos”.
“Nos anos Lula, o Nordeste teve um índice de crescimento acima da média nacional, mas não foi de forma sustentada”. diz a colunista, tirando qualquer crédito do ex-presidente ao afirmar que o Nordeste “cresceu puxado pelo consumo turbinado por programas sociais, endividamento, e pelo início de algumas obras negociadas politicamente”. Agora, com a piora visível da qualidade de vida na região, aliada a perspectivas nada otimistas sobre o que pode vir a ser a causa de protestos, com Lula em primeiro e avançando em todas as pesquisas, Míriam Leitão diz que “agora é a hora de manter programas sociais para mitigar a seca e pensar no projeto de longo prazo para o Nordeste, porque o futuro quando chegar será árido como têm sido os últimos anos.”
Árido como tem sido, também, para “esta metade, feita de gente” que desapareceu da 25 de Março no Natal deste ano, lembrada por Fernando Brito no Tijolaço. “Não existindo, eles não compram. Se eles não compram, a demanda cai e os preços não sobem. Se os preços não sobem, produz-se o ‘milagre’ da redução do processo inflacionário e da corrosão de valor da moeda e adensa-se o sangue que se sugará da Nação pelo rentismo, pelos juros”, afirma o jornalista. Para ele, “o cerne do projeto neoliberal é este: fazer ‘desaparecer’ uma parte da população. Que não vai à 25 de março, que não vai mais ao hospital, ou irá a um mais precário, como mais precária serão suas escolas, suas periferias, suas casas lá onde a elite não as vê.”
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