Por João de Paiva Andrade, enviado ao Cafezinho
O ano de 2016, que chega ao fim, é muito mais do que um período de crise; o que se observa é uma depressão, pois as crises múltiplas e simultâneas (política, econômica e institucional) levaram o Brasil a um clima de desesperança e falta de perspectivas, que nunca se viu antes. O golpe de Estado que destituiu o governo legítimo, colocou no Executivo Federal as quadrilhas políticas mais corruptas: as do PMDB e do PSDB.
As evidências e provas de que o golpe foi pensado e comandado pelas forças externas – com sede nos EUA – já não fazem parte das suposições e ilações, mas das certezas e dos fatos comprovados. Se desde 2003 a polícia federal já havia sido cooptada pelo FBI, em 2013 tivemos absoluta comprovação de que o MP foi cooptado pelo DOJ. O poder judiciário, tão ou mais corrupto que os demais, sempre foi oligárquico e plutocrático; o PJ foi estabelecido não para aplicar a Lei em nome da Justiça, mas sim de defender e proteger os interesses das classes dominantes. O poder judiciário é o que menos evoluiu, guardando quase todas as características do Brasil escravocrata. É escandalosa a atuação do juiz Sérgio Moro, que a cada dia se revela um militante político do PSDB e um preposto dos EUA. As constantes viagens de Moro aos EUA, os cursos de que ele participou e participa nesse país ou em consulados e embaixadas estadunidenses aqui no Brasil, bem como os acordos ilegais de cooperação estabelecidos por ele e pelo MPF com o DOJ dos EUA, são demonstrações cabais de que a burocracia estatal brasileira trabalha contra os interesses do País e são personagens centrais da trama golpista.
Como já exposto por mim e por diversos estudiosos e observadores, desde que Lula foi eleito, em outubro de 2002, foi iniciada uma trama para destituir o governo popular. Em 2005 isso ficou evidente, com a farsa do chamado mensalão do PT. Entre 2005 e 2012, quando foi feito o farsesco e midiático julgamento da AP-470, a trama golpista concentrou-se na mídia comercial, e na cúpula do MPF e do PJ. O cronograma do julgamento tinha claro interesse em influenciar as eleições municipais, sobretudo em São Paulo, onde Fernando Haddad disputava a prefeitura, pelo PT. O farsesco e midiático julgamento da AP-470 não logrou os resultados eleitorais pretendidos pela direita conservadora e golpista nem conseguiu a destituição do então presidente Lula. Mas ao condenar as principais lideranças históricas do PT, como José Dirceu e José Genoíno, sempre sem provas, aquele julgamento criminalizou não apenas pessoas, mas um partido (o PT) e um espectro político (a Esquerda).
É bom lembrar que, dois anos antes, em 2010, a grande mídia comercial brasileira se despiu de todo o pudor e verniz e passou a atuar como um partido de oposição ao governo petista. Ou seja: desde 2010 a tríplice aliança PF-MP-PJ ganhou um quarto aliado de peso, o PIG – Partido da Imprensa Golpista. Vale dizer que até essa época a ação mais direta na trama golpista era das cúpulas do MP e do PJ; 2013 é o ano que marca aliança efetiva entre o corpo do MP, setores da ‘base’ do PJ e o PIG. O casamento de papel passado entre o PIG e o MP ocorreu naquelas chamadas jornadas de junho de 2013. Simultaneamente órgãos, departamentos e agências de inteligência e espionagem dos EUA grampeavam telefones de autoridades brasileiras e roubavam informações da Petrobrás, Eletrobrás e outras empresas estratégicas brasileiras. Sérgio Moro, soldado já treinado no caso Banestado e nos ‘cursos de imersão’ foi elevado à patente de capitão; a ele foram entregues os dossiês, documentos e arquivos digitais com os conteúdos da espionagem. Todo o cenário estava preparado para a deflagração da operação “redentora”, a chamada “Lava a Jato”, desencadeada em março de 2014.
É mais falsa do que uma cédula de R$7,00 a bandeira/teoria de combate à corrupção, associada à operação “Lava a Jato”, na verdade uma Fraude Política a Jato, uma organização criminosa enquistada e encastelada na burocracia estatal brasileira. Hoje as melhores cabeças do mundo jurídico e acadêmico, intelectuais, cientistas sociais e políticos, jornalistas e analistas de política e economia, pessoas que pensam o Brasil e que têm compromisso com os destinos do País, assim como significativa parcela da população, mais atenta e observadora, já perceberam que a “Lava a Jato” é uma trama golpista com caráter político-partidário-ideológico claro. O alto comando do golpe fica no exterior; no Brasil a banca financeira, latifundiários e alguns setores da indústria e do comércio são os agentes privados da trama golpista, ao lado da grande mídia comercial;.na esfera pública brasileira estão as instituições burocráticas do Estado (PF, MP e PJ); na esfera política quem representa os demais atores do golpe é o PSDB. Não é por acaso que os caciques políticos tucanos são protegidos e blindados pelo ‘sistema de justiça’ (PF, MP e PJ) e pelo PIG, mesmo que eles estejam envolvidos em escândalos de corrupção e desvio de recursos públicos tão ou mais intensamente que o PT. A quadrilha política do PMDB é um passagem, uma ponte (mais se parece uma pinguela), para que o poder político seja entregue ao PSDB, partido que domina toda a burocracia estatal brasileira, com destaque para PF, MP e PJ.
A esta altura dos acontecimentos está mais do que evidente que as múltiplas crises que arruinaram o Brasil são fruto da sabotagem contínua ao governo federal, que de 2013 até a consumação do golpe, em maio de 2016, aliou a atuação do PIG, da burocracia estatal (PF, MP e PJ) ao parlamento mais corrupto, reacionário, conservador e obscurantista da história republicana brasileira, que tinha como presidente da Câmara Baixa um gângster: Eduardo Cunha. A esse gângster, que já havia sido denunciado no STF por corrupção, lavagem de dinheiro, sonegação e evasão de divisas, foi concedida a liderança, para admitir um processo fraudulento de destituição da presidenta Dilma Rousseff. O resto da história não preciso repetir, pois está na retina, na memória e nos tímpanos de quase todos nós.
Se até a deposição da presidenta Dilma Rousseff o noticiário do PIG procurava destacar apenas os fatos negativos, omitindo ou falseando os positivos, o oposto ocorre após o golpe de Estado. Comprada mediante aumento substancial da já bilionária verba publicitária do governo federal, a mídia comercial passou a atuar como assessora de imprensa do governo golpista. Embora a crise econômica se agudize a cada dia, a atividade econômica tenha queda continuada (e crescente) a cada período de observação, o desemprego atinja hoje mais de 13 milhões de pessoas (ou cerca de 13% da população economicamente ativa), os veículos do PIG/PPV tentam dourar a pílula. Na realidade há hoje no Brasil cerca de 20 milhões de pessoas desempregadas, pois muitas sequer estão procurando emprego, já que perderam a esperança e encontrá-lo.
As quadrilhas políticas que compõem o governo golpista atuam como saqueadores. O que está sendo feito com a Petrobrás é uma pilhagem comparável àquela que os espanhóis fizeram na América Latina na época da colonização. O governo golpista quer reformar o ensino médio por medida provisória. Os investimentos públicos em Educação, Saúde e Programas Sociais foram congelados por 20 anos, por meio de uma PEC (241 na Câmara, 55 no Senado), aprovada e transformada em lei (EC-95/2016); o mais escandaloso é que a PEC, agora EC, é flagrantemente inconstitucional, como mostra o estudo contratado pelo próprio Senado (http://www12.senado.leg.br/publicacoes/estudos-legislativos/tipos-de-estudos/boletins-legislativos/bol53). O governo golpista enviou ao Congresso Nacional uma PEC de reforma da previdência social que na verdade é a extinção dessa previdência e do direito do trabalhador se aposentar; um tecnocrata propõe que um cidadão tenha de contribuir por 49 anos (ininterruptos) e contar mais de 65 anos de idade, se quiser se aposentar com vencimento integral, com base na média aritmética das contribuições. A perversidade é tal que agora o trabalhador não pode expurgar sequer os 20% das menores contribuições que fez no início da vida laboral. É a revogação da Lei Áurea e a volta da escravidão, embalada em discurso tecnocrata, neoliberal e privatista. Não satisfeitas com isso, as quadrilhas que compõem o governo golpista estão a revogar a CLT e tiveram o desplante de tentar consumar tal intenção por meio de medida provisória, que seria baixada ontem, 22 de dezembro de 2016, como presente de Natal do governo golpista aos trabalhadores brasileiros.
Nesta semana que antecede o Natal, o clima que se observa nas cidades não é de festa, confraternização ou comemoração, mas de velório. No Rio de Janeiro, onde vivo e trabalho, o comércio está às moscas, não se vêem pessoas comprando. Nem os supermercados, sempre lotados nesta época do ano, registram movimento significativo. Lojas de roupas, brinquedos, presentes e enfeites… todas vazias, com mercadorias à espera de compradores e comerciários ajeitando ou espanando a poeira; quase não se vêem clientes nesses estabelecimentos. Apenas na região central de comércio popular da Saara e em Madureira, na zona norte da cidade, se registra grande movimento no comércio. Camelôs e ambulantes, os quais não podem mais trabalhar no centro da cidade, migraram para bairros como Tijuca, Méier, Madureira e outros. Mesmo nesse comércio informal não se observa movimento significativo; as pessoas param, olham, mas pouco compram; apenas nos que comercializam alimentos observam-se trocas comerciais mais freqüentes. Nas praças, ruas e casas quase não são vistos enfeites natalinos nem são ouvidas músicas relacionadas ao período. O cenário e o clima são de absoluta depressão.
Como já mencionei, os veículos da grande mídia comercial tentam maquiar e dissimular essa realidade. Se algum leitor ouvir, ver ou ler relatos e estatísticas apontando estabilidade ou queda marginal das vendas e atividades do comércio (inferiores a 10%), desconfie. A realidade percebida e sentida por quem anda pela ruas, com olhar jornalístico ou sociológico é bem diferente da que é mostrada nas manchetes do PIG/PPV. Há uma falácia segundo a qual os números e as estatísticas não mentem. Mas quem manipula esses dados e informações mente. E muito. A esse propósito basta ler um artigo de Paulo Moreira Leite, publicado hoje no 247, em que o jornalista analisa criticamente o conteúdo e análise publicada na coluna de José Roberto Toledo, no jornal OESP. O título do artigo é “Pesquisa que se auto-realiza”. Sempre muito útil e oportuna é também a leitura de “Padrões de Manipulação na Imprensa”, estudo realizado por Perseu Abramo há mais de 20 anos, mas que continua atualíssimo.
Não se percebe e não se vislumbra, num horizonte de pelo menos duas décadas, qualquer perspectiva de que o Brasil saia da depressão em que se encontra. Mais do que nunca é preciso que as massas de trabalhadores, desempregados e excluídos saiam às ruas, deponham o governo golpista e exijam a realização de eleições gerais e diretas.