Por Bajonas Teixeira, colunista de política do Cafezinho
Juízes e procuradores da Lava Jato atuam como crianças que, com um fiozinho de cobre desencapado, brincam livres e soltas dentro de uma central elétrica. Estão brincando com fogo, mas não percebem os riscos que correm, e, o que é muito pior, o perigo em que lançam o país. Tudo isso é fruto da ignorância em relação ao Brasil e à sua história. E também do incentivo dado a eles por alguns adultos inescrupulosos, a mídia e os empresários, que, esses sim, sabem muito bem o que fazem.
A Lava Jato e seus promotores defendem que a corrupção no Brasil começou com Lula na presidência (2003-2011). Mas quem não lembra, tirando procuradores e juízes que desconhecem a literatura e a história do país, da passagem de Memórias Póstumas de Brás Cubas (1880) quando o narrador menciona seu cunhado, o Cotrim, favorecido através de manobra política dele mesmo, Brás Cubas, quando deputado? Vejam:
Ao contrário, as recordações eram de verdadeiros obséquios; assim, por exemplo, sendo eu deputado, pude obter-lhe uns fornecimento s para o arsenal de marinha, fornecimentos que ele continuava a fazer com a maior pontualidade, e dos quais me dizia algumas semanas antes, que no fim de mais três anos, podiam dar-lhe uns duzentos contos.
Isso foi escrito uma década antes do fim da Monarquia no Brasil. A República Velha ainda não sonhava em nascer. Mas a Lava Jato, na sua imensa sabedoria, quer nos fazer crer que a corrupção nasceu após a chegada de Lula ao poder, depois de 2003, ou seja, em pleno século XXI. Por mais ridículo que soe a ideia de que a corrupção no Brasil é um fenômeno pós-moderno, é isso que a intelligentsia da Lava Jato defende. Sem o saber, é claro.
A Lava Jato desconhece inteiramente o terreno no qual está pisando. Basta ver as justificativas que divulga na imprensa sobre as dez medidas contra a corrupção, dadas pelos próprios procuradores, que explicam a adoção delas por serem modernas e estarem em prática nos países mais desenvolvidos, para ver que os rapazes de Curitiba pouco sabem do Brasil.
Eles ignoram o sistema político, os jogos de compensação social, as relações de simulação e dissimulação e, com base nesse somatório de ignorâncias, acreditam dirigir um drama quando, de fato, seguem apenas um script preparado pela mídia. De tão ingênuos, eles até acreditam controlar a mídia, mas quem está de fora vê que é ela que os ensaia e dirige, ainda que eles também ignorem isso.
Em verdade, é constrangedor observar tamanho desconhecimento da sociedade, da história, das relações entre as classes e do sistema político brasileiro. É uma vergonha que tenhamos juízes e procuradores públicos que são avessos ao estudo da história do país. O quanto são desinformados, e o pouco que leram, ficou transparente na apresentação da denúncia contra Lula em 14 de setembro, quando tentaram convencer a opinião pública que a corrupção no Brasil nasceu com a chegada do PT ao poder.
Esse foi um dos motivos pelos quais foram tão ridicularizados.
Qualquer um, e nem precisa ser leitor voraz para isso, sabe que a corrupção é doença crônica no Brasil. Que ela atravessou incólume e impávida, todos os sistemas políticos. Do império à República, das ditaduras às democracias, do Regime Militar à Nova República.
É claro que ninguém é tão tolo ao ponto de crer, com convicção angelical, que a corrupção teve início com a chegada de Lula ao Planalto. Evidentemente que objetivos oportunistas estão bem presentes na decisão da Lava Jato de conferir uma certidão de nascimento à intromissão de público e privado no país.
Acontece que certas afirmações, mesmo com a intenção de propaganda, como se viu na apresentação da Denúncia em setembro, são tão grosseiras que denunciam a indigência intelectual de quem as formula. Só essa acentuada deficiência, permitiria a alguém flertar com bobagens tão gritantes.
Mas é trivial entre os bestializados, para usar o título de um livro que ensina muito sobre a corrupção nas primeiras décadas da República, não perceberem o perigo.
Em primeiro lugar, a Lava Jato não percebe que age contra o PT numa conjuntura precisa, que é essa em que, pela primeira vez, grandes contingentes da população experimentaram mudanças reais nas suas condições de vida, e que, por isso, podem resistir ao serem empurradas de novo para dentro das senzalas. E, em segundo lugar, ela não percebe o risco de, em sua cruzada para dar todo poder ao Judiciário, desprezar a consistência do sistema político.
Sem descer aos detalhes, o fato é que há uma ossatura do sistema político que se consolidou ao início da Nova República, ao menos desde a eleição de FHC para seu primeiro mandato, e persistiu em boa parte do período. Nesse sistema valem as premissas de um certo equilíbrio de poder, e de alternâncias que envolvem também alianças regionais, e nacionais. E aqui há um grande perigo.
A prova está no drama do PT hoje: foi justamente sua tendência a bloquear a alternância, a se “eternizar no poder”, como acusaram os críticos, que desesperou o PSDB e deu a ele a energia para questionar as eleições de 2014 e mobilizar as insatisfações da classe média. De fato, com o segundo mandato de Dilma, era a quarta presidência consecutiva do PT, humilhação a qual reagiu o adversário.
Em abstrato, desmontar esse sistema político de dois polos (PT-PMDB / PSDB-DEM) parece simples quando se obedece ao imperativo (simulado) de liquidar a corrupção. Retira-se a substância de credibilidade do PT e do PMDB, através da mídia e do massacre das acusações, e, com isso, se desfaz uma das pernas do sistema. Pretende-se, ao que parece, que a outra, PSDB-DEM, se mantenha e se fortaleça.
Na prática, combinando o potencial de revolta das massas empurradas de novo às condições subumanas do século anterior, anteriores aos programas e políticas sociais do PT, como o fato de que a “banda boa” do sistema político (PSDB-DEM), na versão da Lava Jato, aparece também em inúmeras denúncias de corrupção, o resultado pode ser um curto-circuito monumental na central elétrica.
E aí os garotos da Lava Jato podem sair carbonizados. Eles sequer imaginam essa possibilidade já que tudo conspira em favor deles – prêmios, encômios, subserviência da mídia, etc. Fariam bem em refletir que, com mil vezes mais carisma que Sérgio Moro, e sendo endeusado no Brasil e no exterior, Lula foi derrubado do pedestal e vem sendo massacrado. Aconteceu com Lula, por que não aconteceria com Moro?
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Na prática, a combinação da resistência contra ess