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Reflexões duras (mas otimistas) sobre a morte do Brasil

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(Foto: Robert Doisneau. Le plongeur du Pont d’Iena. Paris, 1945 Coleção de fotos sobre Paris nos dias que se seguiram à vitória dos aliados na II Guerra).

Arpeggio – Coluna política diária

Por Miguel do Rosário

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Caiu-me em mãos há pouco um livro de Chomsky, intitulado O poder americano e os novos mandarins, que traz vários ensaios do mais célebre intelectual da esquerda norte-americana, escritos na década de 60. São, em geral, sofisticados libelos contra a guerra no Vietnam, com denúncias contra a elite liberal, da academia ou não, os quais, em sua maioria, apoiaram a intervenção na Ásia e só mudaram de opinião quando a mídia não conseguiu mais ocultar os massacres rotineiros que vitimavam mulheres, crianças, velhos.

Anarquista objetivo e pragmático, qualidades que provavelmente herdou de sua experiência como cientista – Chosmky é um dos maiores linguistas modernos -, ele inicia o primeiro ensaio do livro mencionando um outro ensaísta americano, Conor Cruise O’Brien, que fala dos perigos que a “subordinação contrarrevolucionária” (ou seja, reacionária) oferece à honestidade acadêmica, num país fortemente contrarrevolucionário (reacionário), como os Estados Unidos. Segundo O’Brien, é o mesmo perigo fartamente notado, e deplorado, em países com situação revolucionária, onde intelectuais e acadêmicos são expostos à subordinação revolucionária. Em outros termos, em países que experimentam conjunturas revolucionárias, a intelectualidade vive o desafio de não ficar subordinada à revolução, o que levaria (como levou em todos os casos) a uma rápida degeneração intelectual do país, com resultados negativos para a própria revolução.

Intelectuais e acadêmicos, em suma, devem preservar sua independência, de forma a manterem a vitalidade e tensão necessárias à criatividade científica e cultural de uma nação. Este me parece ser a principal razão do fracasso do socialismo real na União Soviética e no Leste Europeu.

Evidentemente, esse criticismo não pode ser destrutivo, com se vê frequentemente em setores radicalizados da academia, até porque este não seria um criticismo realmente honesto, visto que não ostenta a principal virtude do criticismo, que é olhar para o próprio umbigo.

Mais adiante, e aí vocês irão entender em que a crônica de Chomsky dialoga com os problemas que enfrentamos hoje no Brasil, ele menciona um discurso do Senador Fulbright no qual este denuncia o fracasso das universidades americanas em oferecer um contraponto cultural efetivo ao complexo industrial-militar. As universidades, diz Chomsky, deveriam ter sido mais enfáticas na defesa dos valores fundamentais da democracia americana, ao invés de se tornarem, como aconteceu, meros instrumentos das forças antidemocráticas que sustentam as políticas de guerra do governo americano.

Chomksy ressalta que a denúncia do senador se refere especialmente ao fracasso dos cientistas sociais, que deveriam exercer uma crítica independente ao governo.

O argumento de Chomsky enriquece o nosso debate sobre a necessidade de autocrítica. É muito saudável que a inteligentsia nacional, se é que ela existe, faça uma crítica responsável e independente ao erros cometidos pelos governos petistas e pelo próprio PT. O PT não pode temer uma crítica que, ao contrário das farsas judiciais e perseguições midiáticas, lhe dará oportunidadde para curar as suas feridas mais graves, que me parecem ser mais de ordem moral do que política.

Mas a própria inteligentsia nacional, e me refiro principalmente à academia, precisa fazer uma crítica a si mesma. Onde estavam as propostas das universidades que poderiam evitar que chegássemos aos caos políticos que vivemos hoje?

Onde estão essas propostas hoje?

Para não ser injusto, é preciso mencionar o importante papel, embora um bocado tardio, da universidade de campinas no debate sobre alternativas econômicas.

Entretanto, onde estavam as universidades brasileiras que não subsidiaram o debate sobre os riscos que o monopólio da mídia ofereciam à democracia?

Todos – inclusive eu – culpamos pesadamente o governo, o PT, a presidenta Dilma, pela incompetência no campo da comunicação, mas o papel da universidade não pode se limitar, evidentemente, a fazer uma crítica binária, do tipo isso é errado, aquilo é certo, e sim oferecer análises comparativas que subsidiem o governo a adotar políticas públicas. Onde esteve a universidade brasileira que, em todo esse tempo, e com todos os contatos internacionais que possui, com todas as suas verbas, jamais patrocinou seminários e estudos sobre a legislação dos sistemas de comunicação em outros países? PT e governos petistas nunca fizeram nada neste sentido, e poderiam ter feito, e incentivado a universidade a fazer, mas a prória universidade tinha autonomia para fazer isso. E nunca o fez.

As faculdades de comunicação, mesmo diante da acelerada decadência e asfixiamento do setor, nunca se uniram esforços para subsidiar a sociedade com informações e dados sobre legislações de mídia nos países que a sociedade brasileira respeita e admira. Como é a regulamentação da mídia nos Estados Unidos, na Suécia, na Inglaterra, na Alemanha, no Japão? Esses países tem redes públicas de comunicação? Temos informações truncadas, fragmentadas, insignificantes, sobre tudo isso. A culpa é da academia.

O golpe de Estado de 2016 e os desdobramentos trágicos que vemos hoje, com acelerada fascistização da sociedade e de suas instituições, tem muitos culpados e responsáveis, e estes não são apenas aqueles que invadiram a fortaleza democrática, mas também os que falharam em sua defesa. Ou seja, nós.

Por outro lado, como podemos evitar um discurso derrotista e depressivo e oferecer à juventude uma nova energia de luta?

Parece-me que a esquerda enfrenta hoje um problema que não é mais apenas de ordem política. Ela precisa antes reconstruir seus fundamentos morais. Essa é razão pela qual, em algumas importantes capitais, como o Rio de Janeiro e São Paulo, alguns políticos de esquerda registraram, este ano, um desempenho espetacular, na contramão da derrota generalizada vivida pelo campo progressista. Eles são uma referência moral num tempo em que a sociedade se vê profundamente desamparada neste sentido.

Como recuperar moralmente não apenas os partidos e organizações progressistas, mas as próprias ideias que os fundamentam. Não basta mais apenas repetir chavões políticos, porque não existe política sem uma sólida base moral. Este é o maior desafio da esquerda, mas não é nada impossível. Um partido poderia, por exemplo, oferecer uma série de regramentos éticos que o diferenciasse de todos os outros, como contas abertas de todos seus parlamentares, dirigentes e militantes. As pessoas precisam, desesperadamente, encontrar alguém em quem elas possam confiar, e essa é a razão também do sucesso de juízes. Por exercerem uma atividade que independe, ao menos na superfície visível, da política partidária, eles tem um capital moral muito menos vulnerável que um político. Por razões parecidas, partidos de esquerda ainda em sua infância, como o PSOL, tem um excelente patrimônio ético: não houve tempo hábil para que seus dirigentes e militantes tenham sido expostos ao jogo sujo da política. Isso não quer dizer, naturalmente, que esses jovens partidos não possam chegar a sua maturidade sem perda deste patrimônio. Mas fazê-lo (manter o patrimônio ético) será um desafio de intensidade proporcional ao tamanho e idade do partido.

O Brasil já experimentou crises econômicas piores que a atual, mas a crise política hoje me parece a pior de todas porque ela devorou também as esperanças. É como se o Brasil tivesse morrido. O país hoje é um cadáver de si mesmo, devorado pelos abutres que o assassinaram, e que disputam entre si os pedaços de carne que ainda restaram.

Como é um cadáver enorme, gigantesco, os abutres poderão se saciar durante muito tempo. Por isso não se nota preocupação com o declínio do PIB e o aumento do desemprego. É espantoso notar a indiferença das castas burocráticas com a situação econômica desesperadora em que se encontra o país. É como se eles não vivessem aqui. Sergio Moro, Rodrigo Janot, Carmen Lucia, não demonstram nenhum grau de preocupação com a crise social. Eles sequer parecem ter consciência do grau de crueldade que sua indiferença demonstra.

Como encontrar, no meio da lama, do caos, do inferno, algum objeto que nos dê esperança? Por um momento, os estudantes secundários ofereceram essa luz, mas não é suficiente. Precisamos de alguma coisa mais concreta, mais objetiva, mais madura, para nos agarrar. Podemos até sonhar que os jovens de dezesseis anos virão, um dia, a “salvar” a nação, mas o que podemos encontrar agora, nesse exato momento, que nos permita noites de sono mais tranquilas? Afinal, todos nós temos um futuro, filhos, sobrinhos, ou se não temos nada disso, nossos amigos os têm. A vida sem esperança não vale a pena ser vivida. E seria desumano, por fim, transmitir as novas gerações uma mensagem tão triste e desesperada.

Um amigo me enviou, ontem, um longo e brilhante ensaio sobre “O Estado de exceção e criminalização da política pelo mass media”, que será publicado em breve numa revista acadêmica. Assim que o for, eu trarei para cá. Em nossa conversa, em que ele deseja que eu goste do trabalho, eu lhe respondo que provavelmente gostarei, porque partilhamos há bastante tempo nossas ideias e sei mais ou menos como ele pensa. E acrescento, pedindo desculpas pela linguagem pernóstica, que esse tipo de trabalho me dá esperanças, porque embora entenda que o Brasil esteja, aparentemente, morto, o Ser não está. O Ser enquanto História, Cultura, Vida interior, é imortal. Esse espírito golpista que está invadindo todas as instituições nacionais pode muita coisa. Pode destruir os direitos sociais, as liberdades individuais, mutilar a Constituição, fazer voltar a miséria, a fome, o desemprego, derrubar uma presidenta eleita, perseguir quem eles desejarem, através de processos bizarros, kafkianos, que seus lacaios vão ajustando a seu bel prazer, porque encontra guarida e apoio na mídia. Mas não pode tudo. Não pode controlar o Ser (mais uma vez desculpas pela linguagem pernóstica, mas não tenho como falar de outra forma). O Ser não se importa com a multidão do momento, porque ele sabe como ela é volúvel. Ele respeita antes uma outra multidão, aquela que atravessa os séculos, derrubando tiranos, promovendo revoluções, criando um mundo mais humano, mais justo e mais democrático. Quando pensamos nisso, voltamos a ser otimistas. Porque a única maneira de não nos afogarmos com a inundação de merda que o golpe produziu no Brasil é subir a montanha do pensamento e olhar tudo lá de cima.

Então veremos o quanto avançamos nos últimos cem, duzentos anos. Há pouco mais de cem anos, ainda tínhamos escravos no Brasil, não havia universidades, a mortalidade infantil e o analfabetismo eram vinte vezes maiores do que hoje.

A nossa desesperança de hoje é tão dolorosa porque, paradoxalmente, nós temos esperança! A nossa angústia diante dos arbítrios e bizarrices do judiciário, do ministério público e da polícia federal, a trinca dos poderes jurídicos, é tão grande porque, da mesma forma, a gente vinha acreditando nessas instituições!

E o desespero profundo que sentimos diante da violência do golpe só se explica porque ele nos atingiu no momento em que mais acreditávamos na democracia!

Entretanto, todas essas dores que sentimos, ao contrário do que pretendem os golpistas, intensificam as nossas paixões de maneira extraordinária, e por isso eu falo na imortalidade do Ser.

A frustração com o judiciário e demais instâncias jurídico-policiais nos fazem sonhar, como jamais sonhamos, com uma justiça justa, apartidária, branda, compreensiva, boa, tolerante e humanista!

A dor experimentada com o golpe ativou, sem que disso tenhamos muita consciência, um processo de luta pela democracia que só terminará quando tivermos expurgado do regime todos os elementos golpistas, e consolidado uma democracia sólida, vigorosa, cheia de anticorpos e sistemas de defesa contra esse tipo de violência.

Não são asserções ingênuas, porque elas não significam uma vitória fácil ou rápida. Muito pelo contrário. A luta será, necessariamente, dura e, provavelmente, longa, talvez tão longa que dure muitas gerações.

A grande tragédia inerente à história humana está sempre ligada à fragilidade e transitoriedade da vida humana. Tenho muitos amigos de idade avançada que, eu sinto, experimentam uma angústia particularmente aguda diante do golpe porque pressentem que não poderão presenciar, em vida, a sua derrota. Mas eles não deveriam se sentir assim. Até mesmo por sua experiência, deveriam entender que a vida, e a história é uma forma de vida, tem ciclos que precisam ser completados.

Cabe aos mais experientes ensinar aos mais jovens que o valor máximo da vida é a luta. Todos devem lutar, e essa é uma ética totalmente supraideológica, compreendida tanto pelo mais capitalista dos homens como pela mais revolucionária das mulheres.

A derrota do golpe, por sua vez, é um imperativo histórico e, portanto, virá necessariamente. A nossa geração tem o privilégio, a responsabilidade, a dor, de conduzir a luta em seus momentos mais difíceis, em que os golpistas gozam do prestígio efêmero proporcionado por uma campanha de mentiras sem precedentes na história do mundo. Para eles, porém, sustentar essas mentiras será um esforço cada vez mais pesado, e não é por outra razão que os processos judiciais conectados ao golpe se tornam mais e mais grotescos. Uma mentira pede outra, outra, outra, e o mentiroso vai se enrolando cada vez mais.

Não adianta sermos impacientes. A luta contra o golpe pedirá, de cada um de nós, um esforço mental redobrado, e será esse esforço, dialeticamente, que nos tornará grandes, ao mesmo tempo que reduzirá os golpistas, ano a ano, a um tamanho cada vez mais desprezível.

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Miguel do Rosário

Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.

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