Tempos de cólera

Por Maria Fernanda Arruda

A intolerância não é mais do que o egocentrismo extremo, que toma a forma de violência: a rejeição de tudo o que não seja o próprio EU, projetado na Igreja, nos dogmas, nos slogans, que em si não dizem nada, pretendendo tudo. A intolerância é a negação da sociabilidade, do diálogo, a palavra falada substituída pelo grito de guerra. Ela pressupõe a autoridade inquestionável e injustificável, a autoridade que se baseia na força e na violência física.

O fascismo é necessariamente intolerante, baseado no mito de uma união nacional, onde os indivíduos estão dissolvidos e fundidos numa vontade única: a de quem manda. Como se chega a isso? Com o medo, o medo da liberdade de ser, da responsabilidade individual que se torna aterradora. E inauguramos o século XX sob o signo do medo, medo do terrorismo islâmico, dos africanos que querem uma terra prometida, dos pobres e miseráveis, convidados a matar para comer.

A cultura brasileira, se não foi nunca cordial, incorporando um alto grau de violência, a que se praticou nos eitos e nas senzalas, a que existiu em Canudos e nos trabucos dos cangaceiros, ainda assim não se marcou por intolerância: o preconceito de cor sempre foi despido, junto com as roupas, para o sexo de brancos e negros; as senhoras piedosas, rosário nas mãos, sempre buscaram a ajuda dos orixás nos terreiros; pobres e ricos dividiram por muito tempo os espaços domésticos, até que Ramos de Azevedo criou a casa moderna, com a sua rigorosa divisão , os espaços da família e o da criadagem. A rua, nas cidades brasileiras, foi sempre o espaço de todos, onde ricos e pobres mantinham educadamente a hierarquia definida pelo poder do dinheiro.

Mas os novos tempos são comprovadamente tempos de cólera. O medo está produzindo quantidades cada vez maiores de intolerância. Os brasileiros estão sendo ensinados a ter medo e a rejeitar o que não é seu e nem parte de seu mundo mais próximo. A pedagogia da intolerância vem sendo ministrada nas escolas, na imprensa, nos clubes, no trabalho e enfim nas ruas. As manifestações introduziram definitivamente a violência irracional que se dispensa de justificativas que não há.

As propostas de governo foram ofuscadas pelos xingamentos e acusações de corrupção, de incompetência, de incontinência… Os brasileiros foram sendo divididos em função das legendas partidárias. O PT, Lula, Dilma e os cidadãos aliados passaram a ser rejeitados, aviltados, agredidos. E assim as ruas voltaram a ser ocupadas por maltas de furiosos, rebeldes sem causa, sem consciência, motivados exatamente pelo medo que lhes é ensinado pela televisão.

Há hoje mais de 50 milhões de brasileiros inoculados com o vírus da intolerância. Eles não têm objetivos claros, não têm argumentos, apenas odeiam, odeiam a pobreza, a negritude, a indisciplina dos que não querem mais ser cumpridores de ordens. Renunciaram à sua individualidade e à sua liberdade, entregando-as aos repórteres policiais, aos jornalistas políticos e analistas econômicos. A intolerância que dispensa até mesmo os dogmas: há um momento em que ela passa a existir em si, um moto contínuo.

Aterrador é que, sujeitos aos mesmos medos, muitos dos que estão na banda da banda de cá foram se fazendo não menos intolerantes. Não toleram os que não os toleram e mais os que não aceitam os dogmas do PT, os que são capazes de criticar Dilma Rousseff e Lula. E eles precisam ser criticados. Duramente. A linguagem dos fascistas declarados é descosturada, ilógica, arbitrária, inspirada pela violência. A linguagem dos que estão se tornando stalinistas é muito bem estruturada, baseada em argumentos, em sonhos que dispensam a avaliação crítica do que está acontecendo no mundo real.

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