Na segunda-feira, 12, em entrevista ao jornal Valor Econômico, o presidente do Ipea (Instituto de pesquisa e economia aplicada), Ernesto Louzardo, fez críticas ao trabalho de pesquisadores e desmereceu a qualidade técnica de um artigo que reprovava o conteúdo da PEC 55.
A entrevista não foi bem aceita pela associação dos funcionário do Ipea (Afipea), que publicou nota em seu site onde reafirmou a qualidade técnica do artigo e enfatizou que o mesmo estava em total conformidade com os procedimentos habituais da casa, percorrendo ainda processo de validação mais rigoroso do que o ordinariamente praticado para publicação de notas técnicas.
Na entrevista ao Valor Econômico, quando questionado sobre sua relação com os pesquisadores após a polêmica em torno da nota técnica sobre a PEC do gasto, Louzardo afirmou: “O que não pode é ter textos mal escritos, inconsistentes, irem para imprensa. Essa casa é um instituto de pesquisa. Não é uma baderna de pesquisa. O que não pode fazer é comprometer o instituto. Se alguém quiser publicar alguma coisa com seu próprio nome, publica onde quiser. Mas dá seu nome e escreve que a opinião não necessariamente coincide com a do Ipea”.
Em repúdio a essas declarações e em nome da pluralidade de ideias dentro do instituto, a Afipea escreveu uma nota.
Íntegra da nota:
Ao longo dos mais de 50 anos de sua história, o Ipea consolidou junto à sociedade brasileira uma reputação institucional respeitável, que atravessou diferentes conjunturas políticas e governos. Tal reputação foi construída sobre um fundamento essencial: o pluralismo de pensamento e a excelência técnica, princípios que sempre pautaram sua produção e participação nos debates públicos. Divergências teóricas, metodológicas e de paradigmas são próprias do processo de construção de conhecimento e, no Ipea, têm propiciado um ambiente estimulante à realização de pesquisas relevantes à formulação de políticas públicas e à assessoria qualificada ao Estado brasileiro.
Sendo assim, causam perplexidade ao corpo técnico do Ipea as sucessivas investidas da atual Presidência do órgão a princípios que organizam, há décadas, as práticas da instituição. No dia 11/10/2016, o presidente publicou documento oficial cujo teor criticava a Nota Técnica Ipea nº 28, intitulada “Os impactos do Novo Regime Fiscal para o financiamento do sistema único de saúde e para a efetivação do direito à saúde no Brasil”. Naquela ocasião, esta associação manifestou publicamente sua solidariedade e apoio ao grupo técnico envolvido nos estudos sobre a PEC nº 55/2016, e repudiou o procedimento adotado pela Presidência do Ipea. No último dia 12, mais uma vez o presidente veio a público, em entrevista concedida ao jornal Valor Econômico, para desqualificar o referido estudo, criticando sua qualidade técnica e científica, bem como a ausência de debate interno do mesmo. E sugeriu não apenas irresponsabilidade institucional dos autores da nota, como também do corpo técnico da casa.
Contudo, ao contrario do que foi informado, aquela nota foi produzida em total conformidade com os procedimentos habituais da casa, percorrendo ainda processo de validação mais rigoroso do que o ordinariamente praticado para publicação de notas técnicas: (i) elaboração de nota para discussão interna; (ii) apresentação em reunião ampliada da diretoria no dia 30/08/2016 , a convite da presidência do Ipea. Ou seja, todos os membros da Diretoria colegiada, bem como o Presidente da Instituição, tiveram a oportunidade de conhecer e avaliar previamente os resultados do referido estudo, antes de sua divulgação; (iii) apresentação em Seminário das Quintas DISOC (seminário interno da casa), no dia 01/09/2016, cujo tema foi “Cenários para o financiamento das Politicas Sociais – Assistência Social e Saúde”, aberto a todos os pesquisadores do Ipea e com a presença de cerca de 40 colegas da casa; (iv) apreciação por parecerista, cujo parecer foi entregue aos autores no dia 06/09/2016; e (v) encaminhamento formal da Direção da DISOC (Diretoria de Estudos Sociais) para publicação, no dia 06/09/2016. Todos esses processos de validação interna podem ser comprovados por documentos e e-mails institucionais. Cabe ainda lembrar que a Nota Técnica Ipea nº 28 adotou metodologia desenvolvida em conjunto por um número importante de técnicos da casa dedicados ao estudo dos impactos possíveis da PEC nº 55/2016 nas politicas públicas.
A Afipea vem novamente a público manifestar sua solidariedade aos pesquisadores que participaram da produção e discussão da nota, bem como às instâncias institucionais envolvidas na sua validação. A prática de desqualificar estudos e recriminar pesquisadores representa um ataque ao Ipea e ao seu corpo técnico, além de comprometer o futuro da instituição. Esses constrangimentos são incompatíveis com a missão institucional do Ipea que é promover debates sobre temas relevantes da pauta econômica e social atual, como é o caso da reforma proposta no âmbito da Previdência Social (PEC nº 287/2016), ou de temas complexos como política de Segurança Pública, regras fiscais, regras de concessões, entre outras.
Por fim, a Afipea declara sua preocupação e repúdio às práticas adotadas pela Presidência do Ipea, e reafirma o compromisso do seu corpo de funcionários com o pluralismo de ideias e a qualidade da produção técnica e científica, de modo a manter uma contribuição relevante do IPEA no debate econômico e social do país.
Entrevista de Ernesto Louzardo ao Valor Econômico: