A “PEC do fim do mundo” e o que será do salário mínimo?

Por Josué Vidal Pereira, enviado ao Cafezinho

O salário mínimo foi um mecanismo criado no contexto da sociedade industrial, com a finalidade de promover uma distribuição mínima da renda, em vista de garantir a reprodução física da força de trabalho ante a ganância dos patrões que por meio da contratação do trabalho de mulheres e crianças, buscavam remunerar o minimamente possível os (as) trabalhadores (as), até o ponto em que seus rendimentos não mais asseguravam as condições mínimas de existência.

Como o próprio nome sugere, o salário mínimo é um valor mínimo previsto em lei, o mais baixo valor, por meio do qual o indivíduo deve ser remunerado em troca da sua força de trabalho. Como se sabe, no Brasil esse mecanismo de remuneração, desde sua criação por Getúlio Vargas em 1930, passou por oscilações no seu poder real de compra, ao sabor das crises e disputas entre os segmentos dos trabalhadores e dos empregadores, de modo que nas conjunturas mais desfavoráveis, a exemplo dos anos de 1980 e início da década de 1990, momentos em que as altas taxas inflacionárias comprometiam em grande medida a capacidade do salário mínimo em suprir as necessidades mais elementares das famílias.

O valor do salário mínimo nacional em 2016 corresponde a R$ 880,00 (oitocentos e oitenta reais), porém de acordo com o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos – DIEESE, o valor mínimo necessário para a manutenção das despesas básicas de uma família, tais como alimentação, educação, saúde, cultura e lazer, seria nesse mesmo ano de R$ 4.016,27 (quatro mil e dezesseis reais e vinte e sete centavos). O que demonstra que o valor vigente é cinco vezes menor que o necessário para uma vida minimamente digna para os trabalhadores.

No entanto, é importante ressaltar que nos últimos 13 anos verificou-se uma política de aumento real do salário mínimo no país. No início dos anos 2000, havia reclames de que o salário pudesse chegar a 100 dólares americanos. Em 1º de abril de 2003, elevou-se para R$ 240,00 (duzentos e quarenta reais), que correspondia naquela data a pouco menos de 72 dólares americanos (dólar cotado a 3,33 em 01/04/03). Em 2016, essa política de reajuste permitiu que o valor real do salário chegasse ao equivalente a pouco mais de 243 dólares (dólar cotado a 3,47 no dia 02/12/16). Isso significa que ao longo dos anos o salário mínimo cresceu bem acima da taxa de inflação. Com isso é possível concluir que a política de valorização do salário mínimo se constituiu como fator de distribuição de renda em favor da classe trabalhadora, fazendo com que se reduzisse – ainda que timidamente, os índices de desigualdades na nossa tão desigual sociedade brasileira.

Ainda muito distante de chegarmos ao mínimo ideal calculado pelo DIEESE, assistimos atualmente à tramitação de uma Proposta de Emenda à Constituição – PEC nº 55, que representa uma verdadeira ameaça a atual política vigente de valorização do salário mínimo. De acordo com essa proposta, já aprovada na Câmara dos Deputados em dois turnos e aprovada no Senado em 1º turno, o reajuste do salário mínimo deverá ocorrer somente por meio da reposição da taxa de inflação do ano anterior, durante os próximos 20 anos. Isso significa que os próximos governos a partir de 2018, não terão autonomia para realizar uma política social em favor dos mais pobres, a menos que tenha vontade política e maioria absoluta no Congresso Nacional, para revogar esta perversa emenda constitucional.

Para melhor ilustrar o desastre que representa essa PEC – nomeada pelo movimento dos trabalhadores como “PEC do fim do mundo”, resolvi fazer o cálculo retroativo pelos últimos 20 anos, em face da impossibilidade de prever o movimento da economia para um período futuro tão demasiadamente longo. Para efetuar este cálculo, utilizei a Calculadora do Banco Central do Brasil (disponível na Web), que faz a correção através do Índice Nacional de Preço ao Consumidor Amplo – IPCA do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas – IBGE. O resultado é que os R$ 112,00 (cento e doze reais) vigentes em maio de 1996, corrigidos pela inflação dos últimos 20 anos converte-se em R$ 545,45 (quinhentos e quarenta e cinco reais e quarenta e cinco centavos), ou seja, esse seria o valor do salário mínimo em 2016, caso não houvesse uma política de valorização acima das taxas inflacionárias como pretende o atual governo.  Para que se chegasse nos atuais R$ 880,00 (oitocentos e oitenta reais), o salário mínimo cresceu cerca de 61% acima da inflação medida no período.

O argumento do Governo Temer, para a aprovação de uma legislação tão danosa à sociedade, é o controle dos gastos públicos. Em nome da suposta necessidade de ajuste das contas públicas pretende-se sacrificar, além da política de salário mínimo, o já tão caótico Sistema Único de Saúde – SUS, e o precário sistema público de educação. No entanto, sabe-se que por traz desses argumentos, esconde-se que a maior parte do orçamento nacional é direcionado para a remuneração dos detentores dos títulos de dívida pública, para a qual não há qualquer limite previsto em lei. Isso sem falar dos altos salários e regalias do judiciário, ministério público e legislativos, aliás mantidos por meio de impostos e juros estratosféricos, pagos pelo suor e sangue dos trabalhadores. Ou nos rebelamos definitivamente contra esse pacto político-econômico representado pela PEC 55, ou logo retroagiremos às condições sociais do período escravocrata, como vem sugerindo alguns cientistas sociais.

Josué Vidal Pereira é professor do Instituto Federal de Goiás

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