Por Bajonas Teixeira, colunista de política do Cafezinho
Segundo todas as evidências, o Palácio do STF esconde fossos, passagens secretas, câmaras subterrâneas e recessos profundos. O Brasil tem a mania de Palácios, e Brasília é a mais medieval das cidades brasileiras, embora seja a mais moderna. Ali não se dá um passo sem esbarrar em palácios. E falando em arquitetura arcaica, não há palácio, seja do Supremo, do Jaburu, ou do Planalto, que não tenha a sua camarazinha de tortura. A sua masmorrazinha no subsolo.
No caso do STF, os primeiros condenados à padecer terríveis torturas nas câmaras subterrâneas são os próprios processos. O Tribunal tem a bagatela de 61.962 processos aguardando o dia da graça do seu julgamento. Marco Aurélio é o ministro campeão, com 8.052 processos. No gabinete de Teori, a população é 6.534 almas.
A maioria desses infelizes processos fica submetida a todo tipo de tratamento degradante e subumano, indo desde a demora sine die (sem dia), passando pelo decurso de prazo, a morte dos réus, e dos impetrantes, a prescrição, a inimputabilidade, e o esquecimento.
Antes de avançar vamos fazer uma pausa para a seguinte reflexão: qualquer um que tenha em mãos tantos processos, cada ministro e todo o tribunal, tem um rebanho de ansiedades, de desesperos, de interesses, de medos e de subserviências ao seu dispor. Isso dá um imenso poder. Principalmente porque se estabelece “datas para julgamentos”, que podem ir do amanhã ao São Nunca. Voltemos aos processos.
Como fantasmas hamletianos, melancólicos e macambúzios, os espectros desses processos erram pelas catacumbas. Dormitam lado a lado nas gavetas mortuárias vizinhas e não admira que até terminem travando relações cordiais.
Às vezes dialogam entre si, como um pedido de impeachment feito contra Artur Bernardes, em 1926, e outro contra Temer, em 2016. O processo veterano procura instruir o jovem processo impaciente – “Calma, meu amigo, calma. A paciência é a mãe de todas as virtudes”.
Eis aí algumas das coisas que ficam dissimuladas no palavrório neogótico e no jargão jurídico pseudo hermético dos ministros membros do STF. Mais de sessenta mil calhamaços processuais que estão à espera de uma mão amiga que, munida de água benta e crucifixo, os exorcise sobre uma mesa de trabalho.
Muitos jamais terão a sorte de voltar a ver a luz do dia. Raros são os que retornam desse reino das sombras, ou dos arquivos mortos. Um desses felizes ressuscitados, que coincidentemente dizia respeito à Renan Calheiros, arrastou suas correntes para lá e para cá, atravessando grossas paredes de pedra e pairando sobre fossos apinhados de jacarés, durante quase uma década.
Curiosamente, foi resgatado pela mão caridosa da ministra Cármen Lúcia, que, depois de leva-lo ao banho de sol parnasiano na Praça dos Três poderes, para curar a palidez e deixar a página de rosto coradinha, teve a data do seu julgamento marcado inicialmente para 03 de novembro. Esse processo-fantasma, já de regresso ao mundo dos vivos, ficou feliz da vida.
Esse caso totalmente atípico de processo-fantasma-sortudo, fez Renan tornar-se réu em 01 de dezembro. O que até então era muito lento, tornou-se muito rápido, como se vê. Uma matéria do Estadão permite recordar a conjunção astral que, fazendo coincidir a órbita de marte (planeta da guerra) com a pinça de Escorpião (signo da necessidade do destino, veja-se o conto do escorpião e o sapo), determinou que o tempo havia chegado: Cármen Lúcia marca para 3 de novembro julgamento que pode ameaçar cargo de Renan.
Nessa e em outras matérias de jornais da época, está consignado que o processo foi ressuscitado, pela mão vivificadora de Cármen Lúcia, exatamente quando Renan Calheiros chamou de “juizeco” o juiz que mandou prender a cúpula da polícia do Senado, a pedido da Lava Jato.
Renan chamou o juiz de juizeco e disse ainda que se tratava de “um juiz de primeira instância” que mandava invadir o Senado. Isso, como se o grande Moro, o vingador implacável, também não fosse um juiz de primeira instância. Foi o bastante para enfurecer as culminâncias da hierarquia. “Todas as vezes que um juiz é agredido, eu e cada um de nós, juízes, é agredido”, sentenciou Cármen Lúcia na ocasião.
Resumindo: em 21 de outubro, a Lava Jato prende os policiais do Senado, acusados de escutas ilegais contra a operação, Renan brada contra o juizeco, e a presidente do STF, cúpula do Judiciário brasileiro, depois de defender os juízes, marca o julgamento de um processo que dormitava há quase uma década nos porões do STF.
Portanto, como se vê, por baixo do palavrório neogótico dos ministros do STF, das suas tentativas de nos convencer que vivem no tempo de Olavo Bilac, há um mundo de magia e exorcismo brutais que fazem com que, perto do Palácio do Supremo, o castelo do doutor Frankenstein pareça um parquinho infantil. Eis o que temos por baixo do STF.
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