Por Bajonas Teixeira, colunista de política do Cafezinho
Do ponto de vista popular, da democracia e do estado de direito, a vitória de Renan não é coisa para se comemorar. Sua única vantagem foi brecar a ditadura judicial, e impedir que, assanhada e ousada, com a vitória do STF, a Lava Jato corresse para cima de Lula, seu alvo No 1. O que ocorreria com lógica quase fatal se a decisão de Marco Aurélio fosse mantida.
Se isso tivesse ocorrido ontem, hoje, certamente, dezenas de manchetes mentirosas estariam cobrindo as telas da mídia apontando todas, como as flechas do PowerPoint de Dellagnol, para a cabeça de Lula.
Para o fracasso de Marco Aurélio, ao que tudo indica, o decisivo não foi a reverência à força das leis mas sim, ao contrário, o completo desrespeito a elas. Foi a disposição de Renan de resistir e o desprezo que exibiu pela liturgia judicial – não recebendo o oficial de justiça nem arredando pé do Senado –, um pouco na tradição nordestina da peixeira desembainhada, que dissuadiu o Judiciário e o fez guardar a lei na algibeira.
Ao dar uma banana para o oficial de justiça que levou a liminar, embrulhada na carta da mesa diretora, com a assinatura dos senadores, Renan deixou claro que golpe com golpe se paga. Ou seja, olho por olho, dente por dente.
Ao ser obrigado a desautorizar, por maioria de votos, a iniciativa de Marco Aurélio de afastar Renan Calheiros, o STF abortou sua grande chance. Depois de derrubado o poder executivo, através do impeachment da presidente Dilma, a queda de Renan, presidente do Senado, selaria a decapitação do Legislativo. Decaídos o Executivo e o Legislativo, o Judiciário reinaria sozinho como senhor absoluto da hierarquia, por obra e graça da Lava Jato e dos rapazes de Curitiba. As magras manifestações do domingo, 04 de dezembro, também receberiam uma palavra de gratidão.
Em seu voto hoje no STF, Marco Aurélio disse que o gesto de Renan “fere de morte as leis da república”. Sim, mas e o gesto de Marco Aurélio afastando o presidente do Senado com base em uma gambiarra legal, não teve o mesmo resultado?
Sua decisão pelo afastamento de Renan, num momento de confronto já aprofundado entre o Judiciário e o Legislativo, não poderia convencer os senadores de que “o papel da justiça é pacificar”, frase pronunciada pela presidente do STF, Cármen Lúcia, na segunda-feira.
Ora, vendo que a decisão não passava de uma gambiarra, o Senado se sentiu plenamente justificado em praticar a desobediência ao Judiciário e descumprir a liminar. Na prática, isso significou declarar anulado o poder do Judiciário, através do esvaziamento completo da sua legitimidade e do respeito devido a ele. Um fim melancólico para uma trama que prometia muito. Em outras palavras, isso equivaleu à redução ao zero absoluto da consistência institucional de um dos poderes da República.
É o nada, o vazio completo, que surge por baixo dos falsos dourados e azuis das instituições despidas. Ou melhor, é a intimidação, a chantagem, a luta pela manutenção de privilégios, a busca de impunidade, o uso do poder como instrumento de força, a tentativa de triunfar e aumentar os próprios poderes, enfim, todas as ossadas do regime político real brasileiro, que formam o fundo do abismo do nosso aparato institucional – “Aos amigos tudo, aos inimigos, a lei”.
Elas sempre estiveram lá, num estado que se traveste permanentemente de moderno, mas é totalmente arcaico e colonial, patriarcal e oligárquico. Mas em episódios como os que acabamos de presenciar, durante certas crises mais agudas, aqueles ossos vem à tona desencavados pela enxurrada.
Seja como for, o que importa é que a população brasileira está aprendendo muito com tudo isso. Futuramente, pode ser um aprendizado de grande valia.
Afora isso, Renan foi ‘liberto’ – na verdade, o STF vai enviar uma diligência atrás dele na primeira oportunidade, e serão muitas –, só para fazer o serviço sujo do governo Temer, a coalisão das elites brasileiras: aprovar a PEC 55 e outras medidas massacrantes. Quanto à isso, ficará como uma vergonha para todo o sempre, o comportamento do senador do PT, vice-presidente no Senado, Jorge Viana.
Diante de um governo que se prepara para destruir todas as conquistas sociais desde a Constituição de 1988, ou melhor, desde a CLT de 1943, como um senador do PT se nega a ocupar o poder e a dizer claramente o que deveria ser feito? Sua subserviência foi uma declaração pública de falência política. E, muito provavelmente, essa declaração de fraqueza será explorada por outras forças, enterrando-se ainda mais fundamente o PT no subsolo.
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