Rogerio Dultra dos Santos, exclusivo para o cafezinho
Em situações de grave crise institucional, quando a ordem jurídica não é mais capaz de orientar os conflitos entre instituições políticas hegemonicas, o direito sucumbe à força.
Ou melhor, a lógica normativa se submete à voluptuosidade da política.
Por mais que o debate entre o Senado da República e o Supremo Tribunal Federal se desenvolva sob a linguagem jurídica, a Constituição não vem mais ao caso. Assim, as torções e retorções argumentativas com roupagem normativa não passam de um filtro retórico de legitimação de um decisão estritamente política.
E a política é maior que os interesses do Judiciário brasileiro. Ou pelo menos vem em primeiro lugar. Entenda-se política como os interesses econômicos e financeiros sobre a aprovação da PEC 55, conhecida como a PEC do teto dos gastos públicos ou PEC do fim do mundo.
E Renan é o fiel escudeiro da colocação em pauta da PEC 55 no Senado.
E Renan é esperto. Sabia que se aceitasse sair por conta de liminar do “inimputável” Ministro Marco Aurélio Mello – na “gentil” adjetivação de Gilmar Mendes – aí sim a crise política se instauraria.
O STF volta hoje a cumprir o script do golpe, inclusive com a postura cintilante dos moralistas de plantão, que jogam pedra no Renan sabendo intimamente ser um gesto inócuo, ou melhor, para inglês ver.
Renan fica.
A petição do Partido Rede, originalmente endereçada a fundamentar a destituição do Ex-Deputado Eduardo Cunha da Presidência da Câmara por ser este réu no STF padecia de um grave vício. E o vício permaneceu quando a mesma Rede avançou contra o Presidente do Senado: ser réu não é atestado judicial de má conduta, nem sentença condenatória transitada em julgado.
O vício originário da Rede é o mesmo dos STF de hoje: o olímpico desprezo pela presunção de inocência. Mesmo quando decide “apenas” afastar Renan da linha sucessória da Presidência da República.
“Crise” debelada, e confirmada a abertura do balcão de negócios da Ministra Cármen Lúcia, resta saber como fica o Projeto de Lei de paternidade de Renan. O STF baixou a crista – colocando o ônus nas costas de Marco Aurélio – e deve voltar a ativa negociação para que o Senado volte a exercer o seu papel de co-partícipe no golpe, protegendo o judiciário do controle republicano e reprovando ou esquartejando o projeto de abuso de autoridade na próxima terça.
De que vale a Constituição se ela é o que o STF diz que é?
É óbvio que a guerra aberta entre poderes poderia se dar, dentre inúmeros e sucessivos motivos, pelo pavor atávico do Judiciário em ser controlado pela lei.
Mas ainda não foi hoje que tocaram fogo na República. O fogo ficou adiado para terça-feira, sob a relatoria de Requião.
Na maciota, o STF continua guardião da constituição. Mesmo que este seja hoje, no Brasil, apenas um título honorífico.