Arpeggio – coluna política diária
Por Miguel do Rosário
Aos poucos os grandes símbolos do país vão se consolidando. E somente através deles superaremos a crise, derrotaremos o golpe e consolidaremos uma nação soberana, livre, justa e democrática.
Num de seus discursos midiáticos, preparando cuidadosamente para agradar os golpistas, a atual presidente do STF disse que o cinismo vencera o medo (numa alusão eleitoral inconcebível para um juiz do supremo), e que, em seguida, o escárnio venceu o cinismo.
A fala de Carmen, por fim, voltou-se contra si mesma e seus pares, visto que raramente se viu um juiz do STF tão cínico quanto ela.
Se Carmen é um símbolo de cinismo (e ela não está sozinha), Sergio Moro protagonizou ontem uma cena em que o escárnio venceu o cinismo.
Enquanto o Brasil flerta com a convulsão social, com explosões de violência em toda parte, a volta da fome no nordeste, o desemprego subindo vertiginosamente, e tudo isso acontecendo por causa do golpe, que incluiu um ataque de guerra às grandes empresas nacionais, estatais e privadas, um punhado de representantes da elite se encontram numa premiação da Istoé para um rega-bofe de luxo.
A coisa é bizarra. Nada faz sentido. A revista Istoé, para começar, há muito tempo que é uma pálida lembrança de imprensa. Ninguém mais compra a Istoé. A última pesquisa da Secom sobre revistas semanais mostravam que a audiência delas havia chegado muito próxima de zero.
Entretanto, audiência não é tudo. O problema é pior: a Istoé se tornou uma sub-Veja, um repositório de todo o tipo de pistolagem midiática de mau gosto.
Lembro-me que, em algum momento do início deste ano, no saguão do Santos Dumont, esperando um vôo para Brasília, comprei uma Istoé. Há anos que eu não o fazia. Era um troço estarrecedor. Reportagens ultra editorializadas, cheias de adjetivos, incrivelmente mal escritas, quase ilegíveis. Parecia uma dessas revistas provincianas, de cidade pequena, bancada por um coronel local, feita apenas para bater no grupo político adversário.
No processo de golpe, a Istoé se radicalizou mais ainda e trabalhou em conjunto com as outras duas semanais, Veja e Época, um bloco de ataque maciço ao então governo. Jornalismo de guerra em estado puro.
Consolidado o golpe, a um custo social, econômico e político inacreditável, a Istoé se converte, assim como grande parte da imprensa nacional, num órgão tão desprezivelmente chapa-branca que inventa uma premiação na qual o ganhador principal é… Michel Temer.
Entretanto, a foto do ano vai muito além de Temer. Na foto, vemos o justiceiro da Globo, Sergio Moro, tricotando amorosamente com Aécio Neves, o multidelatado, o envolvido no esquema de Furnas, o censor da imprensa, o senador com sinistros vínculos com juízes que libertam traficantes e políticos cujos helicópteros são apreendidos com meia tonelada de pasta de cocaína.
Observe ainda que no canto da foto vemos Abílio Diniz, representando o grande capital, e mais embaixo, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, símbolo da gestão feita apenas para os ricos.
É uma foto completa!
Na outra foto, o mesmo Sergio Moro, acompanhado de sua esposa, numa alegre conversação com José Serra, o homem dos 23 milhões de dólares na Suíça, além de personagem principal da Privataria Tucana, este sim, o maior escândalo de corrupção da história brasileira.
Em 2015, a foto do ano foi de uma menina sozinha enfrentando um policial truculento. Era a foto que representava ao mesmo tempo a resistência como também a solidão e desamparo em nossa luta contra o monstro do Estado.
Em 2016, temos a foto do golpe vitorioso.
Em 2017, o processo dialético que move a história talvez nos traga novamente uma foto de luta. Esperemos que desta vez não seja a foto de meninas enfrentando solitariamente a polícia, mas de todo um povo, unido, forte, insurgente, lutando para dividir as riquezas do país de maneira equânime, justa e solidária.