Por Bajonas Teixeira, colunista de política do Cafezinho
Em meio ao turbilhão provocado pela crise, que faz proliferar as conspirações e intrigas palacianas, uma passou praticamente despercebida, embora seja talvez a mais importante e significativa desses dias: a revelação por Temer de um telefonema de Cármen Lúcia para um pacto com Renan. Quem serviu de veículo para essa revelação foi o jornal O Globo.
Ao que tudo indica, Temer fez a revelação para intimidar Cármen Lúcia e o STF, tentando evitar uma decisão drástica contra Renan. Mas, por motivos desconhecidos, o expediente não funcionou.
No dia 18 de novembro, o STF autorizou o 12º inquérito contra Renan Calheiros. Isto ocorreu, como se sabe, dentro da atmosfera de exaltação que preludiava a votação das Dez Medidas do MPF contra a corrupção.
Nove dias depois, em 27 de novembro, um evento singular teve lugar numa conversa entre a presidente do STF e o presidente da república. Se nele, como disse Temer, foi feita a proposta de um pacto para encerrar o assunto da lei do abuso de autoridade, isso já não se enquadra nas rotinas burocráticas e na normalidade institucional.
A narrativa do acontecimento, diz que a ministra Cármen Lúcia, ligou para Michel Temer, logo após a coletiva do domingo (27 de novembro) em que ele, junto com Rodrigo Maia e Renan Calheiros, falou ao país sobre a rejeição da anistia ao caixa dois. Ao telefone, após o evento, Cármen Lúcia teria pedido a Temer para mediar um apelo a Renan Calheiros, para uma solução pactuada. Os detalhes estão na matéria de O Globo intitulada Renan recusou apelo do STF levado a ele por Temer.
O presidente Michel Temer recebeu no domingo passado um “apelo institucional” da presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Cármen Lúcia, para que transmitisse ao Poder Legislativo a solicitação de que não discutisse, nem votasse, o projeto que torna crime o abuso de autoridade de juízes e membros do Ministério Público, porque isso poderia gerar uma grave crise entre os Poderes, com consequências imprevisíveis. Temer procurou no mesmo dia o presidente do Senado, Renan Calheiros, que, no entanto, manteve-se irredutível.
— O senador Renan Calheiros e alguns parlamentares, aos quais transmiti esse apelo, apresentaram fortes argumentos para que a matéria não fosse retirada da pauta. Eu tinha dito a eles que endossava totalmente as preocupações da presidente Cármen Lúcia. Mas eles, em função de seus argumentos, mantiveram-se irredutíveis — disse o presidente ontem ao GLOBO.
Na segunda-feira, dia 05, em que Renan foi afastado por Marco Aurélio à tarde, Cármen Lúcia falou pela manhã em um evento nacional do Judiciário e, como presidente do STF, pediu união dos juízes do país. Ela disse ainda, em tom elegíaco, que o país passa por “enorme intolerância com a falta de eficiência do poder público, o que nos leva a pensar em soluções para que a sociedade não desacredite no Estado. O Estado tem sido nossa única opção. Ou é a democracia ou a guerra. E o papel da justiça é pacificar”. Ouvindo esse discurso, não se poderia prever que, algumas horas depois, o Judiciário levasse a crise com o Legislativo ainda mais longe.
No entanto, revendo a cronologia e adicionando a conversa revelada por Temer, assim como a negativa de Renan de estabelecer um pacto, parece que a “união dos juízes” era solicitada justamente para resistir ao baque de uma reação do Legislativo, depois de humilhado e ofendido pela decapitação do presidente do Senado. De fato, que humilhação maior poderia sofrer o Legislativo que ter o presidente do Senado afastado por liminar originada de ato solitário de um ministro do STF?
E em política, a força de uma instituição está no respeito de que goza. É a sua honra. A humilhação do Senado, chutado como um cachorro morto, jogou no chão um dos pilares da República. Mas junto com o Legislativo, caiu também o judiciário. É o abismo institucional.
No entanto, aqui não vale nem ilusão nem melodrama. Abismo no estado brasileiro é mais comum que buraco em queijo suíço. Ou cratera em estrada brasileira. O importante não é o abismo, mas a visibilidade que ele alcançou. Ou seja, a ruptura do véu de dissimulação sob o qual acontece a vida política no Brasil. Nesse sentido, a crise tem muito a ensinar aos que observam a cena política no país.
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