Jornalista entrevistou o Governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel, na tarde desta terça-feira, 6 de dezembro
Pimentel explica a emergência em Minas
O Estado não entrará em colapso
PHA: Eu converso agora com o Governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel, que apresentou à Assembleia Legislativa autorização para decretar o estado de calamidade financeira. Governador, por que o senhor recorreu a essa extrema medida?
Fernando Pimentel: Nós chegamos a uma situação que torna indispensável esse recurso, em função do déficit financeiro que herdamos dos governos passados e não conseguimos debelar, da crise – pegamos dois anos de recessão, 2015 e 2016, com queda do PIB -. Não temos como controlar o crescimento da despesa, especialmente de pessoal (a despesa de pessoal no setor público cresce automaticamente, em função das vantagens de carreira que são incorporadas aos salários dos servidores. Não tem como cortar isso. Nós chegamos, então, a um déficit neste ano entre R$ 8 bilhões e R$ 9 bilhões acumulados, e não há perspectiva de solução no curto prazo. Agora, o decreto de calamidade financeira nos dá um certo conforto porque nos dá instrumentos para manejar melhor os recursos. A única vantagem dele é essa. Nós podemos, por exemplo, fazer pagamentos não respeita a cronologia, o que para nós é importante, porque poderíamos chegar ao ponto de, no fim do ano, ter recursos para pagar uma parte do 13º salário, mas não poder pagar em função da Lei de Responsabilidade Fiscal, porque você tem que cumprir os mínimos legais na Educação e na Saúde e, aí, tem que desviar recursos para isso e não pode pagar salários de outras áreas. Então, é um conjunto complexo que nós temos que administrar. Para isso, tivemos que recorrer a esse mecanismo que é a decretação da calamidade financeira, assim como já fizeram Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul – e temo que mais estados vão seguir por esse caminho.
PHA: Governador, o que a Assembleia pode permitir que o senhor faça de novos mecanismos para cumprir o mínimo de compromisso, por exemplo, com a folha de salários?
FP: Na verdade, essa decretação não gera nenhum recurso extraordinário. O que ela gera é apenas uma certa flexibilidade nos gastos. Nós vamos poder, com essa decretação, postergar alguns pagamentos de dívidas para pagar serviços, para pagar mercadorias fornecidas e para pagar pessoal. Não aumenta em nada o numerário que temos no caixa, mas dá uma certa flexibilidade. As pessoas às vezes não sabem, mas os governos, em geral, são muito travados pela Legislação. Os recursos que entram já são, em grande parte, carimbados. Você recolhe um certo tributo, tem que passar uma parte aos municípios; dinheiro que vem para a Saúde, você tem que gastar obrigatoriamente no SUS; até, aí tudo bem. Mas, quando você chega numa situação de emergência – como está a maioria dos municípios -, poderíamos chegar à seguinte situação: ter dinheiro em caixa para pagar salários, mas, como já temos R$ 8 bilhões de despesas não pagas (serviços vários), a Lei manda priorizar aquilo que já foi feito. Então, nós teríamos dinheiro em caixa e não poderíamos pagar os salários, o 13º, por exemplo. Para não chegar a essa circunstância extrema, temos que recorrer a essa decretação. É essa a autorização que vamos obter com a decretação da calamidade.
PHA: Qual é o seu plano, se isso for aprovado, com relação ao 13º?
FP: Amanhã, os Secretários do Planejamento e da Fazenda vão se reunir com os sindicatos dos servidores públicos do estado e nós vamos apresentar a eles o cronograma de pagamento. Não quero anunciar antes, até por uma questão de respeito aos sindicatos e servidores. Mas, nós vamos conseguir pagar uma parte pelo menos do 13º. Acho que vai ser difícil conseguir pagar tudo, mas nós vamos um cronograma bem enxuto, ou seja, num prazo bem curto nós vamos conseguir cumprir essa obrigação dos salários. Agora, o importante é que nós estamos tentando evitar – e creio que vamos conseguir – um colapso dos serviços públicos no estado. Quando você perde o controle sobre os pagamentos que faz – acho que é um pouco o caso do Rio de Janeiro, a que estamos assistindo até muito solidários com o governador Pezão, com sucessivas decisões judiciais que foram tomadas de arresto das contas públicas no Rio -, o Rio perdeu a capacidade de planejar seus pagamentos. Aí, você começa uma situação de colapso do serviço público. Falta gasolina para o carro da Polícia, porque você não tem como pagar; falta medicamento no posto de saúde e você não tem como suprir; falta algum produto essencial nas escolas e você não tem como colocar. Porque você não tem como manejar os recursos. É isso o que nós queremos evitar: um colapso do serviço publico. Eu acho que com a decretação da emergência financeira nós vamos ter um instrumento para evitar esse mal maior.
PHA: Governador, o senhor tem uma experiência no plano federal, também. E o senhor toca num ponto que eu gostaria que o senhor, se possível, aprofundasse, para que possamos olhar a questão de Minas com uma ótica federal: o senhor falou que o problema de Minas é reflexo, também, da queda da arrecadação. Então, a questão não coloca, necessariamente, de um lado “cortar gastos” e de outro que “o problema não é cortar gastos, mas uma queda significativa na arrecadação, pela desaceleração da Economia, tanto no plano federal, quanto no plano estadual”. O que Minas tem a mostrar para que moradores de outros estados possam entender que a situação de Minas pode refletir uma situação nacional?
FP: Você falou corretamente. Nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Não é só um problema de aumento absurdo das despesas, mas também não é um problema só da queda da receita. Tem um erro estrutural no modelo institucional que foi sendo construído no Brasil nesses últimos 20, 30 anos, desde a Constituição de 1988, e esse modelo agora mostra sinais de esgotamento, esse modelo em que você transfere atribuições, transfere encargos e obrigações de serviço para os municípios e para os estados, mas de outro lado concentra o poder de arrecadação na mão da União. Os estados, hoje, têm como instrumento próprio de arrecadação, praticamente, só o ICMS, que é um imposto antigo, sujeito a muita contestação judicial e objeto de uma guerra fiscal enorme, que levou a desgastar a base contributiva desse imposto. Então, é um imposto ruim para suportar a quantidade de encargos que os estados têm sobre os seus ombros. É a mesma coisa dos municípios, que têm lá o ISS e o IPTU, mas que são impostos com uma base tributária muito reduzida para financiar a quantidade de encargos que caem sobre os ombros dos municípios. Do outro lado, a União concentra, vamos dizer assim, os “melhores impostos” – Imposto de Renda, imposto sobre a atividade financeira – que são impostos que têm um volume de arrecadação muito grande e que têm uma possibilidade muito maior de gerar receita para a União. Todavia, a União gasta grande parte desses recursos com despesas questionáveis: primeiro, não corrigiu o déficit previdenciário, que não é só dela, é também nosso, dos municípios e dos estados; segundo, tem uma carga financeira em função dos juros da dívida pública – e ela está pagando hoje os juros mais altos do mundo; então, desperdiça um significativo volume de recursos no pagamento de juros, de despesas financeiras, que poderiam ser repassados para estados e muncicípios para melhorar o serviço público. Então, nós temos aí uma disfunção, uma inadequação no modelo institucional de União, estados e municípios. E, para piorar, a recessão desses últimos dois, três anos, com queda da receita e essa inflexibilidade da despesa… Porque não tem como cortar despesa. As pessoas às vezes se iludem e dizem “ah, os governos poderiam cortar e cobrir o déficit com corte”. Mas os cortes que nós podemos fazer são muito pequenos. Veja o caso, por exemplo, de Minas: nos últimos 10 anos – e veja que eu estou estou no governo há apenas dois anos, então, estou me referindo a um grande período de governos anteriores -, a nossa folha de pagamentos cresceu 252%. A receita corrente líquida, nesse mesmo período, cresceu 137%. Ou seja, a folha cresceu muito mais que a receita líquida. Então, você vai crescendo o déficit de uma maneira incontornável. E também há um problema que nós temos que rever agora: essa inflexibilidade do gasto de pessoal. Uma vez que a pessoa fez concurso e passou, ela é vitalícia, inamovível, vai se aposentar pelo serviço público, vai deixar uma pensão para o seu cônjuge – a depender da situação -… E isso vai onerando de tal maneira os cofres públicos que, num dado momento, como foi agora, esse conjunto de equívocos do modelo institucional, mais a recessão econômica, geram esse estado de praticamente calamidade em todos os estados brasileiros, não só em Minas Gerais, no Rio [de Janeiro] e no Rio Grande do Sul.
PHA: Podendo usar um telescópio, subindo aos morros de Minas: quando o senhor veria uma normalização dessa situação?
FP: Eu acho que para o ano que vem seria muito otimismo achar que vai conseguir reverter esse quadro. Mas, num espaço de mais dois anos, talvez… em 2018, a Economia comece a crescer. Acho que uma parte das reformas que estão sendo discutidas no âmbito federal tem que ser feita, mesmo. O Brasil precisa amadurecer nessa direção. Agora, o que eu acho que é mais importante seria restabelecer o equilíbrio entre os Poderes. Nós estamos com o País desequilibrado – um Poder crescendo sobre os outros, o Poder Judiciário de alguma forma ficou hipertrofiado… Esse recente afastamento do presidente do Senado… Eu não estou nem discutindo o mérito da questão, estou discutindo se um Poder pode entrar tão fundo na atividade do outro, a esse ponto. Acho que começa a ficar complicado. O modelo institucional também não suporta um stress tão grande. Estamos saindo de um impeachment já polêmico e agora vem esse afastamento… Então, tudo isso vai gerando um clima tão grande de insegurança e de incerteza, que a Economia realmente não dá sinais de reação. É preciso restabelecer a harmonia entre os Poderes. Aqui em Minas, felizmente, nós temos uma relação extremamente harmoniosa com o Poder Legislativo – a Assembleia – e com o Poder Judiciário – o Tribunal de Justiça, o que permite ao estado não ter chegado a esse ponto de deterioração a que outros estados, infelizmente, chegaram. Eu quero crer que a medida que estamos tomando agora – ou melhor, já tomamos, com pleno conhecimento e solidariedade do Poder Judiciário e do Poder Legislativo -, justamente vá evitar que haja colapso dos serviços públicos. Isso precisava ser resgatado a nível federal, e eu não estou vendo isso acontecer. Isso é o que me deixa mais preocupado.
PHA: Eu quero dizer que hoje contribuí para a solução do problema da arrecadação de Minas: na festa de amigo oculto do programa Domingo Espetacular, eu estou dando para um amigo um queijo da Serra das Antas!
FP: Ah, que beleza! O amigo vai ficar muito feliz, com certeza, porque o queijo de fato é muito gostoso! Vamos incentivar que outras pessoas sigam o seu exemplo.