“Pode-se pensar que nada que seja mais perigoso para a democracia que o intento mitificado da redenção final, de “passar inteiramente a limpo” o sistema político. Sabe-se no que isso deu historicamente”.
No Grabois
O tenentismo de toga
É preciso muito discernimento e responsabilidade nestas horas de crise de governo. Sabe-se como elas evoluem, não se sabe como terminam– mais provavelmente em detrimento dos interesses da nação e do povo brasileiros.
Por Walter Sorrentino
As palavras são perigosas, data vênia à ilustre Ministra Carmem Lúcia, presidente do STF. O país precisa de Justiça e a Justiça precisa se amparar na Constituição. Certíssimo. Daí o direito às garantias individuais, direito ao legítimo processo penal e tantas outras coisas do Estado de direito democrático.
Há muitos juristas – respeitáveis, quero crer que aos olhos da própria Presidenta do STF – que afirmam estar se insinuando medidas de Estado de exceção no Estado de direito. É um debate não só legítimo, mas inteiramente agudo na presente situação. Precisa de respostas, não de arengas venham de onde for.
Carmem Lúcia alertou que toda ditadura “começa rasgando a Constituição”. Certíssimo, também. Referia-se à tentativa de “criminalizar o agir do juiz brasileiro”. Há exagero e, talvez, aleivosia na afirmação, em reação às aleivosias alheias, bem explícitas por parte de políticos que, não obstante, não “são todos iguais”. A temperatura e pressão estão em alta.
Porque, por outro lado, há fortíssimas opiniões no mundo jurídico e dos advogados quanto ao cerceamento de direitos nos processos da Lava Jato e forças comprometidas com os interesses maiores do Brasil no mundo político, mesmo que com agendas antípodas entre si – é próprio da democracia.
Não bastasse isso, o principal é que exatamente o oposto parece estar comprovado na oratória dos próprios agentes. O MP e outras áreas do estamento burocrático do Estado brasileiro escolheu como alvo o conjunto do sistema político, depois de se mostrar seletiva no modo de condução dos processos. Falam política e judicialmente fora dos autos, como requer a Constituição e a larga tradição de Justiça.
Quer dizer, porque não se debate essencialmente que em grande medida a Justiça se politizou facciosamente e “criminaliza todo o sistema político”, parafraseando a Ministra Presidenta pelo outro lado da moeda. Isso também pode ser um “rasgo” na Constituição, pois não?
Aliás, falar em rasgar a Constituição leva as coisas ainda mais para o impasse. Porque a atual agenda do governo – e o STF provavelmente não desconhece isso – é exatamente o desmanche da veneranda Constituição de 88 em aspectos nevrálgicos. Também porque o governo foi alcançado por um impeachment cujos resultados são os de agudização da crise geral que vive o país.
Dizer que a “norma” foi seguida nesses casos não é suficiente nestas horas, porque claramente não dá conta da crise política e institucional entre o estamento burocrático e o estamento político. Estamentos não são instituições. São estas que precisam ser asseguradas quanto à sua higidez. Isso morre se a ação de seus responsáveis for corporativa gremial.
O que é indigno, venha de onde for, e que deixa a cidadania estupefacta, é o cinismo de alegar que a crise vem unilateralmente do “sistema político” ao mesmo tempo em que este foi utilizado para um impeachment.
Ninguém nesse caso pode atirar a primeira pedra. Como se disse, é hora de mais estadistas, menos corporativismo gremial à frente das instituições.
Quanto à Constituição, ao STF e ao Congresso, pode-se pensar que nada que seja mais perigoso para a democracia que o intento mitificado da redenção final, de “passar inteiramente a limpo” o sistema político. Sabe-se no que isso deu historicamente.
Há uma corrente que se pode chamar o tenentismo – nascido em outro momento de graves desencontros da nação na década de 1920 – um tenentismo de toga. Ela sugere exatamente isso, com o fervor dos obcecados e sentindo-se fortes para tanto, o que é ainda pior, porque extrapolam seu papel institucional e constitucional.
A função e âmbito da Justiça e do aparato burocrático do Estado – PF, MP, Judiciário – é bem definida, não pode nem deve ser extrapolada. Igualmente, a função de fazer leis é do Congresso, e isso também é respeitar a Constituição.
Voltando à Presidenta do STF: “A democracia depende de poderes fortes e independentes”. Não apenas: interdependentes, convergentes! “Juiz sem independência não é juiz”. Parlamentar eleito pelo povo sem independência não é parlamentar representativo!
O negócio é se respeitar, respeitar os recíprocos limites, e se entender. Fora disso, é insurgência, provenha de onde for.
Nesta marcha da insensatez melhor será a voz da razão, a voz serena em defesa da saída da crise e do entendimento de que só na democracia, no âmbito do sistema político instalado e das instituições existentes, se pode encontrar saídas. Instituições que não só se respeitam umas às outras nos termos constitucionais, mas que se reúnem e construam respostas equilibradas à situação.
Rogério Maestri
04/12/2016 - 15h56
Tenentismo de toga? Um título mais estúpido do que este era difícil.
O tenentismo era caracterizado pelo patriotismo e a vontade de mudar as estruturas políticas, nada de comparável aos entreguistas de hoje que querem perpectuar seus previlégios, não sei como pessoas que se dizem de esquerda consigam fazer análises tão rés do chão como esta.
No tenentismo não tínhamos a mão dos USA, porém a “esquerda” reformista não pode citar os verdadeiros atores deste golpe porque tem medo, e ficam falando de uma crise, não há crise, há GOLPE e CONSPIRAÇÃO contra o país o resto é balela.
Maria Thereza G. de Freitas
04/12/2016 - 16h23
desculpe, mas acho que o autor usou tenentismo de toga no sentido de um grupo que acha que vai “salvar o país”. Apesar das diferenças de reivindicações e do claro nacionalismo do tenentismo, o movimento era formado pelo pessoal de média e baixa patente (equivaleria a juiz de 1ª instância e delegados da PF, hoje) e também combatiam as fraudes e corrupção nas eleições. Pra variar, todos os males antes, como agora, estão na “política” e nos políticos, sem atentar para a parca participação popular (o tenentismo nesse aspecto era bem diferente, pois reivindicava a ampliação dos eleitores). No meu ponto de vista se equivalem, sim, na essência de se acharem o grupo mais apto a colocar o Brasil nos eixos (deles), em criminalizar/desqualificar a política e sem envolver a participação da sociedade.
Rogério Maestri
08/12/2016 - 02h53
Não é questão de ponto de vista ou de eu acho isto ou eu acho aquilo, a fragilidade dos debates vem deste comportamento quase que infantil em valorizar o que eu acho em relação ao que eu sei.
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Não há nenhuma semelhança entre os tenentes do tenentismo e os procuradores desta lava jato. Nem de origem social dos dois grupos onde os tenentes vinham de uma pequena classe média ou mesmo operária enquanto estes procuradores vem de famílias das classes dominantes. O aspecto de classe social que constituiu os membros destes movimentos é extremamente importante, coisa que é pouco considerada na nossa historiografia oficial.
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O programa do tenentismo era bem mais difuso e não se limitava as questões que foram devidamente filtradas com o tempo, por exemplo a coluna Prestes se chegava a colocar fogo em cartórios para que os proprietários perdessem a documentação que lhes dava o poder.
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O tenentismo não tinha vinculação com a direita conservadora da época, ou seja, totalmente inverso da república de Curitiba.
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Os tenentes não negavam a política, queriam sim que a participação popular fosse respeitada, o inverso aos procuradores golpistas que desprezam a atividade política.
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Enquanto o movimento tenentista queria ampliar a participação popular na política nossos procuradores querem restringi-las.
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Comparar um tenente dos anos 20 com um procurador nos anos atuais em termos de status e remuneração é uma verdadeira piada de quem não tem a mínima noção da formação do exército brasileiro.
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Em resumo, as características do movimento tenentista não tem nada com o movimento dos atuais procuradores, enquanto os primeiros eram nacionalistas os atuais são entreguistas, ou seja, de igual tem o branco dos olhos, porém há uma tendência de tentar mostrar que as forças armadas sempre foram o covil de reacionários que eles se tornaram durante a guerra fria, esquecendo inclusive que um dos maiores expoentes do movimento tenentista foi o Cavaleiro da Esperança, Luiz Carlos Prestes.
Maria Thereza G. de Freitas
08/12/2016 - 13h22
peço que leia o que escrevi, pois apenas justifiquei o título do artigo pelo fato de ambos os grupos se colocarem como solução para os problemas do país. A comparação com o status é para ressaltar que nenhum dos grupos são de alguma elite – financeira, intelectual, ou seja, não são os que mandam. Vc há de convir que o poder que a força tarefa desfruta não é consequência de sua própria condição (moro é juiz de 1ª instância). Etcc. etc..
Rogério Maestri
09/12/2016 - 10h52
Eu diria que os Procuradores e Moro se acham mais um Antônio Conselheiro do que um tenente, ele se acham ungidos por deus e não precisam do povo para nada a solução vem do alto (não sei se do hemisfério norte).
Uns eram nacionalistas equivocados porém sinceros, outros são entreguistas e nada sinceros, a distância é muito grande.
Maria Thereza G. de Freitas
09/12/2016 - 12h28
Independente de quem eles se acham, e encontram respaldo pra se acharem, o fato é que estão causando um destroço imenso e não sei como sairemos disso. Talvez quando tiverem entregue tudo e nos deixarem os calangos magros pra reconstruir uma nação. E acho que a unção vem mesmo do hemisfério norte.