De volta às panelas, pelos superpoderes de Moro!

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Espiando o poder: análise diária da grande imprensa

Foto: Marcia Foletto

Por Luis Edmundo Araujo, colunista do Cafezinho

São dignas de anúncio de guerra as manchetes do Globo e do Estado de São Paulo de hoje. Ambas em todas as seis colunas da largura da primeira página, com duas linhas para o título a dizer em letras garrafais, no Estadão, que “Força-tarefa ameaça abandonar Lava Jato; aumenta tensão entre Poderes”. E no Globo afirmando que “Câmara provoca forte reação ao desfigurar pacote anticorrupção”. O jornal paulista ainda fala no subtítulo que “presidente do Senado afirma que proposta original só seria aceita no fascismo”, destacando a reação de Renan Calheiros, mas de resto não há a presença do contraditório nas edições de hoje dos jornais da grande mídia. O pacote anticorrupção com medidas que remetem, sim, ao fascismo, que instauram de vez, oficialmente, o estado de exceção no País, é defendido com unhas e dentes em todas as matérias, por todos os colunistas, sem ressalvas. Logo abaixo da manchete, em vermelho, o Estadão ressalta “a volta dos panelaços”, afirmando embaixo que “protestos agora miram Congresso”. O Globo também avisa na capa que ” ruas fazem panelaço”, com a foto aí de cima ilustrando a matéria lá dentro, e não deixa de incluir Sergio Moro na primeira página, falando no microfone sobre a legenda: “contra a corrupção”.

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“E agora Brasil?” é a pergunta que batiza o evento promovido pelo Globo no qual o convidado foi justamente Sergio Moro. O juiz teve quatro páginas para defender suas posições entre os rapapés da mídia, como mostra a foto aí em cima, da Adriana Lorete, na qual Moro tem toda a atenção da colunista Míriam Leitão e do diretor de redação do jornal carioca, Ascânio Seleme. “Independência do Judiciário em risco” é o título da matéria principal do evento. Na segunda página, o juiz afirma que “corrupção corrói competitividade da economia do País”, e na terceira faz a defesa veemente primeiro dos vazamentos de informações, depois das prisões sem provas e, por fim, das delações.

Em cima de cada uma das três declarações, há o “chapéu” avisando sobre o tema. No que se refere à “divulgação de provas”, o juiz que grampeou ilegalmente conversas entre a então presidenta Dilma Rousseff e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e divulgou mais ilegalmente ainda o teor das gravações para os amigos da Globo, afirma que a “publicidade como dever legal”. Embaixo da “presunção de inocência”, Moro diz que “a Lei autoriza a prisão preventiva”, e sob a “delação premiada” o magistrado garante que o instrumento é importante “para desvendar crimes complexos”.

Vazamento, prisão e delação, os três pilares da operação Lava Jato são defendidos pelo juiz de primeira instância sob aplausos gerais, com o apoio embevecido das estrelas do jornal, no evento promovido também pela Confederação Nacional do Comércio (CNC), “e ocorrido na Maison de France, no Rio, na última terça-feira”. Debaixo de sua ode ao estado de exceção, Moro tem destacada uma frase no pé da página, na qual afirma: “tenho em mente que essa fama é passageira. Essas coisas passam. Essa atenção decorre de estar realizando um trabalho relevante”.

Famoso, pois, superstar, Moro é o principal garoto-propaganda do chamado pacote anticorrupção, das 10 medidas urdidas pelos procuradores de Curitiba, tendo à frente Deltan Dallagnol, digníssimo proprietário de imóveis do Minha Casa Minha Vida. Dez medidas que, segundo Luis Nassif, em seu “Xadrez da República dos procuradores”, “não visam apenas conferir maior efetividade no combate ao crime: visam a conquista do poder institucional pelo Ministério Público e pelo Judiciário.”

“Não basta o enquadramento de Temer. A ofensiva seguinte é em cima do Congresso, no embate em torno das tais 10 Medidas contra a corrupção e da Lei Contra Abuso de Poder. Com ou sem Geddel, e com Padilha acusado, a bancada do PMDB, somada ao Centrão, não entregaria facilmente a rapadura. É por aí que entra o fator Judiciário”, diz Nassif, no texto no qual conclui que “mal se saiu do golpe, o jogo começa a afunilar e a tornar mais nítidos os personagens reais do novo poder: a aliança PSDB-PGR-STF-mídia-mercado. Eles darão as cartas daqui para frente.”

A reboque da repercussão mundial do trágico acidente aéreo com a delegação da Chapecoense na Colômbia, o jornal britânico The Guardian, eleva também a crise geral no Brasil ao alto da capa de seu site, afirmando ao lado do título, “Anti-graft bill (Lei anti-corrupção)”, que “procuradores ameaçam com saída em massa se lei for enfraquecida”. No Globo, em meio ao clima de caça às bruxas em quase todas as matérias, uma delas diz que “votação de pacote no Congresso traz de volta os panelaços.

“A desfiguração do pacote anticorrupção pela Câmara trouxe de volta os panelaços, que marcaram a fase aguda do segundo governo Dilma Rousseff. Foram registrados panelaços na noite de ontem em bairros de capitais como Rio, São Paulo, Belo Horizonte e Brasília”, informa a matéria logo na abertura. Míriam Leitão mal fala de economia hoje, dizendo na capa que o “Congresso afronta o país ao desfigurar um projeto popular”, e Merval Pereira conclama o exército de batedores de panelas às ruas, mas sem arruaças, por favor.

“O ronco das ruas” é o título da coluna em que Merval afirma, na primeira página, que os “políticos não querem aperfeiçoar o combate à corrupção”. “Parlamentares, que na sua grande parte responde a processos os mais diversos, parecem viver em outra dimensão, e apenas ‘a voz rouca das ruas’, como dizia Ulysses Guimarães, os obrigará a voltar à realidade”, diz o colunista para, logo em seguida, tratar de criminalizar as manifestações do outro lado, como aquela contra a PEC do Teto nos gastos púbicos em que, nos jardins da Câmara dos Deputados, estudantes eram agredidos pela Polícia Militar do Distrito Federal enquanto parlamentares desfrutavam um coquetel dentro do Congresso Nacional.

O colunista não quer “aquela arruaça que vimos em Brasília na terça-feira, com mascarados e baderneiros defendendo seus interesses corporativos, mas a verdadeira expressão autônoma da cidadania exprimindo sua repulsa à velha política que tenta se manter no poder.” E se a matéria do Globo sobre os panelaços fala no primeiro parágrafo que “o grito ‘Fora, Temer’ acompanhou alguns desses protestos”, Nassif lembra que “estão em jogo as delações da Odebrecht e das demais empreiteiras”.

“A lista de nomes conferirá um poder inédito ao Procurador Geral da República. Com o apoio da Globo, o PGR tem o poder de engavetar denúncias, inquéritos, definir o ritmo dos inquéritos em andamento, escolher quem será ou não processado”, afirma o jornalista. “Cada procurador, aliado a um juiz de 1a instância, tem poder de mandar para a cadeia qualquer pessoa sem prerrogativa de foro, expô-la à humilhação pública, grampeá-la e divulgar os grampos – como ocorreu no episódio Garotinho – com a garantia de que será blindado pelos escalões superiores. Não é por falta de lei. É por solidariedade de classe”, completa.

Nesse cenário, Nassif ressalta que, “no Congresso, as únicas lideranças capazes de fazer frente a esse poder avassalador do MPF-Globo seriam o presidente Renan Calheiros e o líder da maioria Romero Jucá, ambos donos de uma biografia política polêmica”. Na Folha de São Paulo a chamada de capa diz que “após ameaça, Renan perde em manobra contra Lava Jato”.  O caso também foi chamada de primeira página no Globo e no Estadão.

Segundo a Folha, “procuradores da força-tarefa da Lava Jato ameaçaram uma renúncia coletiva caso versão desfigurada do pacote de medidas anticorrupção aprovado pela Câmara seja sancionada pelo presidente Michel Temer. Após a entrevista, o presidente do Senado, Renan Calheiros, tentou manobra para aprovar as medidas na noite desta quarta (30), mas o requerimento de urgência foi derrotado”. Nassif lembra que hoje “o Supremo analisará uma das ações contra Renan. O caso está nas mãos do Ministro Luiz Edson Fachin”.

“Com a tibieza demonstrada pela casa, nos últimos tempos, e com a frente ampla de defesa dos juízes, é possível que Renan seja degolado. E Jucá virá atrás”, afirma Nassif, para concluir dizendo que “se os dois comandantes efetivamente forem deixados fora de cena, não haverá poder capaz de se contrapor ao poder quase absoluto do Ministério Público. Abre-se espaço para a pessedebização final do governo Temer e para o início efetivo da República dos Procuradores”.

Para completar o cenário, a manchete do Valor avisa que a “economia derrete e crescem pressões por corte de juros”, a da Folha informa que “recessão prolongada no país eleva pessimismo sobre 2017”. “PIB recua 0,8% no terceiro trimestre, na 7a queda seguida; BC reduz juros para 13,75%”, completa o jornal no subtítulo. E na capa do Estadão, na chamada para seu artigo, Celso Ming dá mais uma amostra dos humores da mídia com o atual presidente, dizendo que “aumentam o desalento e a percepção de que governo Temer não tem coelho para tirar da cartola”.

Aviso aos leitores: por motivos particularidades, a próxima coluna será publicada neste domingo, e não no sábado. 

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Luis Edmundo: Luis Edmundo Araujo é jornalista e mora no Rio de Janeiro desde que nasceu, em 1972. Foi repórter do jornal O Fluminense, do Jornal do Brasil e das finadas revistas Incrível e Istoé Gente. No Jornal do Commercio, foi editor por 11 anos, até o fim do jornal, em maio de 2016.
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