Quando a baderna vem do lado Direito

Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Por Denise Assis, colunista do Cafezinho

Eu estava confortavelmente instalada na minha poltrona, em casa, guardada com Deus, fazendo a concessão de assistir à Globo News, que nos reportava tudo sobre a tragédia do voo da Chapecoense. Nas coberturas em tragédias, eles se esmeram, como vocês sabem.

Não gosto e nem é comum no jornalismo, falar em primeira pessoa, mas neste caso, é preciso. O que presenciei deve ser relatado, pois é um testemunho do dirigismo que uma cobertura pode tomar, quando o jornalista está a serviço de uma causa, rompendo com os padrões éticos profissionais.

Vi quando o repórter que falava de dentro do Congresso Nacional, fazendo a reportagem sobre as votações ante povo (PEC, aumento do teto e o Ensino Médio), começou a mostrar a esplanada repleta de estudantes, índios, negros, trabalhadores. “São 12 mil pessoas, segundo informações que temos aqui” – e a imagem, do gramado coberto por manifestantes, deixava ver que poderia até haver mais que isto.

“Marcelo (Cosme), checa para mim esta informação, porque aqui temos dados de que não passam de cinco mil, segundo a PM”, pede a âncora, Leilane Neubarth.  O repórter diz que vai apurar. Enquanto isto, o cinegrafista que o acompanha continua com a câmera instalada em uma das janelas do Congresso, voltada lá para fora, captando as imagens da manifestação.

Tentando fazer o seu trabalho de forma correta, o repórter relata a chuva de bombas que inexplicavelmente começa a cair sobre os estudantes que estão mais próximos ao espelho d’água, visivelmente com a intenção de desalojá-los dali.

Ordeiramente, eles começam a se afastar, fugindo das bombas, enquanto o repórter comenta: “É estranho como a Polícia arremessa bombas na direção dos estudantes. Isto pode machucar alguém. Não é comum esse comportamento. Os estudantes estão indo para a esquerda, na direção da catedral, procurando fugir das bombas que são lançadas na direção deles numa quantidade que nunca vimos.”

Neste momento, a “aflita” âncora desvia a atenção do repórter, e entra com um novo enquadramento, de uma câmera que foca o lado direito do gramado. Sem que se saiba como, um grupo de parrudos, visivelmente descolados do grupo de manifestantes, avança pela esplanada, alguns encapuzados, e começa a espalhar cabines de banheiros químicos, e todos os objetos que veem pela frente, espalhando-os pela pista. Ao mesmo tempo, um carro preto aparece em cena virado de rodas para o ar, sem que se percebesse nenhum aglomerado de estudantes ou trabalhadores agindo nesse sentido.

A âncora começa então o seu discurso sobre a ação de “vândalos”, que promovem baderna e desvirtuam o objetivo “cidadão” que deveria mover a manifestação.

Nem uma palavra sobre o espírito pacífico do início do movimento. Nada sobre a pauta que os moveu até ali. Cabe ao repórter que está fazendo a cobertura de dentro do Congresso relatar as várias palavras de ordem escritas nas faixas e cartazes, mas a esta altura, a preocupação da âncora é apenas pedir que o repórter se proteja dos baderneiros, e comentar sobre o curso de segurança que a Globo promoveu para os profissionais que cobrem esse tipo de manifestações. Por fim, rende-se ao número apurado com o comando da Polícia de Brasília: “10 mil manifestantes”, foi o que ela concedeu em anunciar, fornecendo a fonte, visivelmente a contragosto. O resto, foi o que se viu. A esplanada se transformar em verdadeiro campo de caça aos estudantes desarmados.

Para os que lidam com a notícia, meia dúzia de imagens bastam para mostrar a manipulação da cobertura. Mas, é bom lembrar, nem todos os espectadores são do ramo. Pena, vão comprando pelo preço que estão lhes vendendo, o que de fato estão vendo, na tela, mas com a embalagem e a mensagem que lhes vendem, eles se transformam em cegos que não querem ver.

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