Por Luis Edmundo Araujo, colunista do Cafezinho
Virando a primeira página, passando pela manchete a anunciar que “incerteza com reforma atrasa recuperação da economia”, o leitor do Globo se depara hoje com o título da coluna Panorama político, de Ilimar Franco: “O Judiciário vem aí”. Na nota principal, o colunista diz que “o MP e os juízes colocaram o Congresso no debate sobre a criminalização do caixa dois. A pressão indica que vencerão nas votações do abuso de autoridade e das medidas de combate à corrupção. O cenário é de importante articulador governista. Este prevê que a corporação do Judiciário vai chegar muito fortalecida no embate da reforma da Previdência.” A Folha e o Estado de São Paulo fazem a mesma dobradinha de chamadas na capa, a primeira lado a lado, e o Estadão no alto com o presidente Michel Temer afirmando que “qualquer fatozinho abala as instituições”. E logo abaixo, informando que o juiz Sergio “Moro veta metade das perguntas de Cunha para Temer”. As instituições não funcionam mas protegem, ainda, o presidente. Mas para isso ele deve continuar a ouvir e a cumprir os recados dos colunistas e editoriais da grande imprensa familiar brasileira, onde não há nada hoje sobre o time de 11 delatores do processo contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na operação Lava Jato.
Ao falar da Lava Jato, o site de Lula escala o que chama de “seleção dos seus mais ilustres réus confessos que negociaram, ou negociam, acordos de benefícios penais no Brasil e também no exterior – Delcídio do Amaral, Augusto Mendonça, Pedro Correa, Nestor Cerveró, Alberto Youssef, Paulo Roberto Costa, Pedro Barusco, Fernando Soares, Dalton Avancini, Eduardo Leite e Milton Pascowith.” O texto segue afirmando que “todos foram unânimes em dizer que jamais discutiram ilegalidades com o ex-presidente Lula, ou souberam de desvios e vantagens indevidas para Lula”.
Nenhum deles também tinha qualquer informação a dar sobre o suposto tríplex do Guarujá e o site do ex-presidente petista lembra ainda que “até o jornal Estado de São Paulo e alguns veículos da Globo reconheceram isso discretamente no meio de matérias. Isso depois de manchetes em letras garrafais e 13 horas de Jornal Nacional dizendo o contrário.” Aqui cabe lembrar como o Globo, por exemplo, registrou o depoimento de Delcidio Amaral em suas páginas. O título da matéria, no alto, dizia que “Delcidio afirma que é ‘surreal’ Lula dizer que não sabia de corrupção”. Embaixo dessa declaração meramente opinativa, genérica, o jornal informava em corpo bem menor que “delator diz que nunca falou com ex-presidente sobre propina e que não tem planilhas”.
Hoje, porém, o jornal carioca não publica nada sobre as denúncias contra Lula e, ao contrário de seus concorrentes de São Paulo, deixa Moro fora da capa. “O juiz Sérgio Moro indeferiu 21 das 41 perguntas que a defesa do deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) apresentou para que sejam respondidas pelo presidente Michel Temer, convocado como sua testemunha de defesa no processo da Lava-Jato”, informa a matéria que vai na metade de baixo de uma página interna do Globo.
“Moro afirma que o teor de parte das perguntas é inapropriado e que, além disso, a 13ª Vara Federal de Curitiba (primeira instância) ‘não tem competência para a realização, direta ou indiretamente, de investigações em relação ao Exmo. Sr. Presidente da República'”, continua a matéria, que mais adiante afirma que “a defesa de Cunha perguntou a Temer, por exemplo, se ele recebeu alguma vez em sua casa Jorge Zelada, que foi diretor da área internacional da Petrobras”.
Essa e mais 20 perguntas foram vetadas por Moro que, no entanto, segundo o Globo, “manteve parte das perguntas sobre Zelada”. O jornal conta que “a defesa de Cunha perguntou se Temer e o líder do partido, Henrique Alves, foram chamados a uma reunião no Planalto com o então ministro Walfrido Mares Guia para tratar de nomeações na Petrobras, após uma interrupção na votação da CPMF. Os advogados perguntam ainda se na reunião foi tratada a nomeação de Zelada.”
Mantidas essas e outras dezessete perguntas, Temer não deve fazer qualquer movimento contrário ao avanço do Judiciário exposto por Ilimar Franco, que terá o contra-ataque do Legislativo na briga entre os Poderes, na qual o jornal carioca mostra de novo o seu lado, lá no meio do editorial principal. Antes, porém, bem em cima da matéria de Moro e Cunha, a principal notícia da página afirma que “Base já descarta anistia, mas fala em punição a juízes e procuradores”.
“Esvaziadas as chances de aprovar a anistia para crimes que envolvam doações ilegais de campanha — após declaração conjunta dos presidentes da República, da Câmara e do Senado no domingo —, a oposição e parte da base do governo vão apostar agora em incluir no texto do relator Onyx Lorenzoni (DEM-RS) sobre medidas anticorrupção a previsão de punição por crimes de responsabilidade cometidos por magistrados e membros do Ministério Público”, diz a matéria do Globo, logo na abertura.
Ainda segundo o texto, os “parlamentares jogam suas fichas na aprovação de uma emenda do líder do PDT, Weverton Rocha (MA), que prevê dez tipos de crimes para juízes e onze para procuradores”. A matéria informa ainda que “o relatório de Lorenzoni, com 12 medidas, pode ser votado hoje na Câmara”, e que “pelo texto proposto pelo PDT, o juiz está proibido de conceder entrevista sobre processo ainda a ser julgado ou fazer ‘juízo depreciativo’ sobre despachos, votos ou sentenças. Esses pontos serão considerados crimes de responsabilidade.”
O autor do projeto diz no texto que “a lei é para todos. Ninguém está acima dela”. Mas para o Globo, no momento pode ser que seja mais conveniente que procuradores e magistrados em geral não sejam importunados por ninguém em seu avanço acelerado, e voraz, sobre a Constituição, para garantir mais prisão, mais delação. É o que dá a entender o trecho do editorial do jornal em que, no título, o “Governo Temer atrás de uma agenda positiva”.
O editorial tem o clamor habitual pela pressa nas reformas, pregando que, “assolado por crises, Planalto precisa tomar a iniciativa, com a base parlamentar, para superar a tensão política e garantir a aprovação de medidas essenciais”. No último parágrafo, o Globo defende que “desta agenda positiva precisa também fazer parte o adiamento do projeto contra abusos de autoridade posto para tramitar por Renan. A legislação sobre o tema é antiga e precisa ser atualizada, mas depois de ampla discussão”.
Nenhum debate, nenhuma possibilidade de juízes ou procuradores serem punidos, não agora, por favor, é o que pede o Globo que, obviamente, não registra em suas páginas a denúncia exposta por Joaquim de Carvalho no Diário do Centro do Mundo (DCM), na qual o procurador chefe da Forla Tarefa da Lava Jato, Deltan “Dallagnol comprou apartamentos construídos para o Minha Casa Minha Vida.”
“Segundo registro do Cartório de Imóveis de Ponta Grossa, em fevereiro do ano passado, Dallagnol comprou duas unidades no condomínio Le Village Pitangui, construído pela construtora FMM”, diz o DCM. A matéria ressalta que “comprar apartamento destinado preferencialmente ao programa Minha Casa Minha Vida não é ilegal, mesmo quem tem altos rendimentos”, mas ressalta que “quem compra apartamentos habilitados para o Minha Casa, Minha Vida tira a oportunidade de quem procura conseguir um imóvel com financiamento com taxa de juros subsidiada – máximo de 8,16% ao ano”.
“Impedir que quem tem dinheiro compre é interferir nas regras de mercado. Mas esta é uma discussão que temos de fazer: quem tem dinheiro pode comprar imóvel destinado ao Minha Casa Minha Vida?”, questiona, no texto de Joaquim de Carvalho, a ex-secretária nacional de Habitação no governo Dilma Rousseff, Inês Magalhães. Entrevistado por e-mail pelo repórter, Dallagnol não viu qualquer conflito ético no negócio. “Os imóveis comprados estavam disponíveis para aquisição por qualquer pessoa, independentemente de atender os requisitos do programa”, disse ele.
E se na Folha a manchete diz que “gestão Temer lança ofensiva para tentar reverter crise”, e que a “estratégia envolve aprovação folgada do teto de gastos e leilão de aeroportos”, no Globo Míriam Leitão admite que a economia vai mal, muito pior do que apostavam os arautos do impeachment de Dilma Rousseff. “Nova queda do PIB” é o título da coluna em que Míriam informa que “o Banco Central vai decidir amanhã a nova taxa de juros no mesmo dia em que o IBGE divulgará a sétima queda consecutiva do PIB”.
“Hoje, o governo enfrentará o desafio de aprovar a PEC do teto de gastos no Senado no meio do agravamento da crise política”, continua a colunista, que emenda afirmando que “as projeções para o crescimento de 2017 voltaram a cair, e a alta do dólar freou a queda das estimativas da inflação. Há mais dúvidas sobre a recuperação.” Só não há dúvidas na grande imprensa de como deve se portar o presidente no campo político, como mostra Merval Pereira na coluna de hoje, sob o título a ressaltar “os defeitos do PMDB”.
“Temer precisa se livrar de amarras que o prendem a aliados”, afirma Merval na chamada de capa para seu texto, cuja primeira frase diz logo que “não há a menor possibilidade de o presidente Michel Temer vir a ser impedido pelo Congresso por causa do caso do apartamento do ex-ministro Geddel Vieira Lima”. Para que o vaticínio seja mesmo correto, no entanto, o colunista do Globo lembra que Temer “precisa urgentemente, se é que pode, se livrar das amarras que o prendem a seus companheiros de longa viagem do PMDB”.