Em tempos de intervenção da justiça (e de outras forças) dos EUA na Lava Jato, promotor escreve sobre o imperialismo norte-americano no Brasil. Fuad Faraj relembra de Theodore Roosevelt e a construção do Canal do Panamá. Segundo o autor, “O continente americano era (e ainda o é), território de caça exclusivo dos Estados Unidos. Com esse ideário tudo é possível. Derrubar governos, sufocar movimentos revolucionários de liberdade, levar ao poder e manter grupos políticos sintonizados com os interesses norte-americanos. Intervenções militares se justificavam até para cobrar dívidas”.
No Justificando
O grande porrete de Theodore
Por Fuad Faraj
Theodore Roosevelt foi um grande presidente americano. Ao que parece, o maior deles. A efígie de sua cabeça esculpida no granito de Mount Rushmore mede cerca de 18 metros de altura. Inúmeras imagens suas encontram-se por aí. Caricatas até umas as há, onde Mr. President, sentado a feição de manhoso nenezão sobre uma bunda imensa refastelada num gigantesco mapa mundi, rodopia com mão forte o porrete que lhe tornou famoso. Para o grande espelho da história, em inúmeras delas, a pose solene, cesarina, de quem se enxerga ser o Dono do Mundo.
Devemos a ele também, ainda que por transversa forma, para glória da indústria de brinquedos da América, o fofinho Teddy Bear. Devemos mais: o nosso Planetinha também ficou mais lúdico, cor-de-rosa, com a canção do Elvis, ela toda de um sentido todo transcendental. Como não amá-lo? E, claro, há ainda o Canal do Paramá, intervenções militares, escritos, explorações, rifles e animais capturados dead or alive. Pose e heroísmo de cowboy way folhetinescos com o perfume inefável do século XIX. Algo neste portento teria atraído em demasia a atenção de afamados juristas da República, tirante a tirania, nascida em Curitiba.
Recentemente o mais excelso de seu luminares, the man of de year das últimas 3 temporadas da Operation Car Wash, classic series, em exclusiva entrevista vazada num jornal paulistano, aparece estampado em sua primeira página. Estampado, lamenta-se, de maneira tosca a amesquinhar o grande homem numa diagramação descurada, quase aviltante.
O fotógrafo, ao retratá-lo, buscava produzir um efeito grandioso, benedetto fascio, com cabeça a parecer enorme e o queixo de vidro inquebrantável, sob a perspectiva de quem olharia a efígie de Theodore sob os pés do monte Rushmore. Opondo-se ao artista da imagem, o iconoclasta diagramador assentou no alto da primeira página do jornal a foto grotescamente miniaturizada de seu busto, em contradição ao efeito ansiado pelo fotógrafo, colocando o nosso bem amado homem em Curitiba sob uma escala infinitamente menor. Inveja, menoscabo, conspiração, só o tempo poderá explicar o que se quis com isso. Investigá-lo-eis vós, ó Juízes do Universo, a quem clamamos medonha e exemplar punição, terrestre ou celeste, preferencialmente com requintes da mais cruel perversidade.
Não sendo pouca a monta da inglória, o jornal ainda vazou-o, demeritado-o, no molde de herói vintage, a ser situado entre os anos 30 e 50 do século passado, trajando um terno special and secret agent man e com um velado, inusual, recatado, mas promissor topete rockabilly. Percetível até o cheiro de lavanda do barber shop situado ao lado do diner de combinante inspiração streamline e googie style.
E é esse herói maior de todos os tempos da última edição que recita, amiúde e com perseverança, em registro cinematográfico, para um cordão infindável de embevecidos idólatras, fiéis e compungidos admiradores, um pedacinho de discurso do bom e velho Theodore Roosevelt, clamando ser a corrupção a horrenda mãe de todo o Mal. Quase um spot de filme de terror. Discurso anual diante do Congresso, 1903. Obrigação constitucional, é um relatório que o Presidente faz sobre o Estado da União. Trata-se do terceiro de seu governo.
A audição do trecho declamado, num acesso de egolatria, nos arremesa comicamente pelo túnel do tempo ao tatibitati das finadas aulas de educação moral e cívica de uma infância perdida, regida pela mais soporífera monotonia. Pela perspectiva da tragédia transparecem as feições de incontroversa religiosidade, erigindo Theodore Rooosevelt ao posto de profeta de um novo evangelho e ancestral utópico de uma república tirânica de moral demagógica.
É um discurso recheado de exagero retórico. Alguém andaria mal se tomasse ao pé da letra um exagero retórico, enxergando como realidade tangível algo que é hipérbole. Alguém assim veria ameaça de ser queimado se lhe impingissem um fogo metafórico. Não é dado a crianças entender linguagem figurada. Mas, ó Olimpo, por quê?
De todo discurso, embora a cadência das palavras, é o parágrafo menos importante, pois está contextualizado e circunscrito a um problema doméstico que diz repeito à preocupação presidencial com a ausência de tratados eficazes mantidos com potências estrangeiras que permitissem a extradição para o crime de suborno. Bribery, no original. Citou, inclusive, o caso de Saint Louis, onde, segundo pesquisei, alguém atemorizado não enfrentou as acusações ou os irmãos Winchester, Sam e Dean, ou algo assim, e fugiu para Paris, suas luzes e seus champagnes. Desveladamente, Theodore Roosevelt se cala sobre o seu relacionamento com os grandes conglomerados empresariais de quem seu Partido Republicano arrecadaria expressivas somas em dinheiro para a campanha que o elegeu Presidente no ano seguinte, dando-lhe four more years.
Neste discurso sobre o Estado da União, relevantíssima é a parte que discorre sobre o encadeamento dos fatos que culminou com a separação do istmo do Panamá que integrava a Colômbia, para formar um novo Estado. Aqui Theodore Roosevelt, com verve literária do escritor que era, atribui motivação virtuosa para seus atos e do governo americano na resolução de um problema que diz não ter sido criado pela política externa de seu país. Panamá é uma palavra que foi proferida 43 vezes em seu discurso. Havia muito o que justificar ou, melhor dizendo, encobrir e fraudar para a história.
Os Estados Unidos estimularam uma guerra entre coxinhas e mortadelas colombianos, provocaram a secessão do istmo do Panamá, até então território colombiano (a esta pantomima deram o nome de “independência”), apoiaram a “criação de um novo país”, com o intuito de construir um canal que liga o atlântico ao pacífico, de vital importância militar e econômica e que, ao final, seria dominado e explorado por USA. No processo subornou-se, corrompeu-se e comprou-se a alma de vários líderes locais e, ao final dele, resultou na matança de 100 mil pessoas e uma legião de mutilados na chamada guerra dos mil dias. E, claro, num país inviável e economicamente destruído.
A Colômbia, de soberania subalterna frente a USA, que detém atualmente expressiva presença militar e serviços de inteligência em seu território, é um país miserável e em guerra civil até hoje. Pelo histórico intervencionista de nosso Grande Irmão do Norte, é um milagre o Brasil ainda estar com seu território intacto, embora assistamos atualmente a movimentos separatistas e ataques internos à soberania do país tão ao gosto da política externa americana. Divide et Impera.
Do Caribe ao Cabo Horn, do Atlântico ao Pacífico meridionais, logo o Brasil se verá cercado de bases militares americanas que, aos poucos, vão sendo instaladas nos países que fazem fronteira com o Brasil. Brevemente saberemos no que isso dará e no que dará o cretinismo atávico que dividiu nosso país entre coxinhas e mortadelas.
Essa divisão, artificiosamente criada, não é casual. No cenário externo, todo conflito, bélico, social, político ou seja de que natureza for é uma oportunidade potencial de ganho e, habilmente, a política externa americana, em iterativo modus operandi, vê-se instada a criá-los ou estimulá-los quando convém a seus interesses geopolíticos. Operation Car Wash(ington) parece ser uma janela de oportunidade deste viés.
Theodore Roosevelt, obviamente, é um dos grandes protagonistas na criação do Império Americano. Uma das muitas imagens dele que se legou para história, pela pena de formidáveis artistas, é de um gendarme do mundo, referência a seus tempos de Xerife e Comissário de Polícia. Sem ele, muito do que se vê hoje do Impérito americano talvez tivesse sido impossível. Com ele, à vista de seus feitos, seu discurso contra a corrupção recende a hipocrosia que é, na melhor definição de La Rochefoucauld, uma homenagem que o vício presta à virtude. Como se vê, apesar dele, a virtude segue sendo homenageada pelo vício até hoje em todos os tipos de foros.
Big stick ideology é a expressão prática do corolário Roosevelt da Doutrina Monroe. Roosevelt verbalizou o que já estava há tempos se sedimentando no âmbito da geopolítica americana. Em termos simples, toda a América se constituía em território de ação imperialista dos Estados Unidos da América, sendo vedada aos europeus qualquer tipo de intervenção. Mais: Roosevelt justifica a necessidade de intervenções militares, não com o intuito de expansão territorial, mas para salvaguarda de quaisquer interesses americanos, públicos ou privados.
O continente americano era (e ainda o é), território de caça exclusivo dos Estados Unidos. Com esse ideário tudo é possível. Derrubar governos, sufocar movimentos revolucionários de liberdade, levar ao poder e manter grupos políticos sintonizados com os interesses norte-americanos. Intervenções militares se justificavam até para cobrar dívidas.
Para além disso, a força militar era dissuasória e se constituía em ameaça velada a forçar aceitação de propostas que não podiam ser recusadas, no melhor estilo Corleone. A sua potencial utilização forçava a mitigação da soberania dos países cujos representantes se prestavam a intensa aquiescência no intuito de concretizar a vontade do governo americano. Exemplo disso é a Constituição Cubana de 1901, na qual os Estados Unidos fizeram inserir vários dispositivos que determinam ser necessária sua autorização para vários atos de governo. É por conta desta Constituição que uma base militar americana se encontra até hoje em território cubano na baía de Guantánamo.
Fato revelador da influência americana no continente, embora antecedente ao big stick, se dá no incío de nossa República. Proclamada esta, com um golpe militar contra a monaquia, nosso país veio a ser chamado “Estados Unidos do Brazil”, cuja primeira bandeira apresentava, ao estilo stars and stripes, listras horizontais amarelas e verdes e um quadradinho azul com as estrelas representando os estados de nossa união “federalista”. Um mimo do capítulo capachismo simiesco-ostentação de nossa história. “Se mil micos tivesse, mil micos pagaria”.
O porrete de Theodore não está aposentado. Volta e meia aparece e seu campo de atuação agora é planetário. Obviamente desenvolveram-se e muito as formas de exercício do poder mundial dos Estados Unidos da América. O seu instrumental de política externa e tão ilimitado quanto são ilimitadas as possibilidades do roteirista no desenvolvimento de uma série de Tv.
Fala-se em smart power, em cujo contexto uma jurisdição-espetáculo pode ser útil, tanto quanto uma série televisiva. Uma jurisdição-espetáculo é o corolário lógico da jurisdição plebiscitária de cunho cesarista. Pode servir de entorpecimento do senso crítico, de exaltação do senso comum e do maniqueísmo rasteiro para ereção de um instrumental de vendeta, constituindo um trivial entretenimento de massas, servido nos “noticiários” junto com o café da manhã, o almoço e o jantar.
Mas, também, infinitas possibilidades, pode dividir uma nação, quebrar um país, derrubar governos, ascender outros, favorecer ideologias em detrimento de outras, violar a literalidade e o sentido sistêmico das normas, arrogando-se em juízo de exceção, conspurcar interesses nacionais em favor da hegemonia de países estrangeiros, tiranizar as relações com os jurisdicionados, subverter o exercício do poder, fomentar o ódio e a intolerância e implantar o império das iniquidade. Olhai debaixo da aparência sã e virtuosa a horrenda e lúgubre face abominável destes tempos e perguntai: Cui Prodest? Cui Bono?
O ideário hegemônico de uma nação, a bem de seus interesses geopolíticos se faz de muitas formas. Neste contexto tudo é válido, do suborno à guerra, passando pela chantagem velada ou explícita. Possibilidades infinitas vos contemplam, ó brasileiros. A hegemonia de um país revela-se até mesmo em sistemas de integração (eufemismo para subordinação) com outros países atráves de órgãos de investigação e de jurisdição criminal, o que me faz lembrar relevante episódio a que presenciei que calha aqui relembrar com uma antiga expressão exordial tão ao gosto de um contador de histórias feito Theodore. Era uma vez…
Era uma vez um special agent do Federal Bureau of Investigation, primo de Mulder e de parentesco longínquo com Scully. Num belo dia outonal de temperatura amena, por certo num mês de abril, entre os dias 19 e 22 talvez, chega ele na cidade do Vampiro, que naquelas eras priscas ainda se chamava Curitiba, das lindas polacas de alvíssima pele e coração empedernido.
Carregava nas costas o inusitado título de Chefe do FBI no Brasil e como tal saudado com ardente entusiamo masoquista pela macaca de auditório. Não se lhe via dentinho de ouro, nem bigode de galã. De sua mão talvez cintilasse um antigo e pesado anel de ouro com uma solitária pedra rubi. Um sol esfuziante lhe brindava a chegada e sonhos nunca desvelados lhe seriam revelados por um sem número de encabulados fãs ouvintes de um auditório de hotel que lhe gritavam, em silêncio e em inglês, somos todos U-S-A. Ali, defronte, uma biblioteca pública onde livros empoeirados asseveram, com fé e convicções, a despeito de provas, de que predestinados peregrinos eleitos de Deus colonizaram os Estados Unidos da América, deixando o Arquiteto Supremo ao sul do Rio Grande toda a escória da humanidade tomar o seu rumo mefistofélico.
Toda a tralha se aninhou no Brasil, mas a Redenção, pelas mãos de superdotados juristas da República de Curitiba, não mais tardará. “Seminário Internacional de Prevenção e Repressão à Lavagem de Dinheiro e à Corrupção na Administração Pública”. Era eu então, naquela ano de 2002, pela boa graça dos escoteiros da América, tal qual o Repórter Esso, uma testemunha ocular história.
O Boss, distinto senhor, inteligente e sagaz, com um primoroso português lusitano, foi um dos que “patrocinou” o congraçamento com ele e com Promotores da América. Vim a saber depois que, oficialmente, integrava a Embaixada Americana como adido civil, o que lhe menosprezava a importância ao tempo em que lhe dava um ar solene de modéstia. Veio, ele e sua expertise, na mala diplomática junto com um sem número de agentes de diversas agências americanas que formam um caleidoscópio de letrinhas cujas imagens, todas elas, nos remetem à tríade de um dos vieses da ação hegemônica da águia americana no mundo: Investigação-Segurança Nacional- Inteligência.
Da preleção de nossos irmãos do norte, constatava-se clara preocupação com terrorismo e tráfico de drogas. Ao mesmo tempo entrevia-se um genuíno, mas ainda insuspeito, interesse por corrupção estatal. A nossa, não a deles, porque nós não metemos o bedelho nos assuntos americanos. Mas saber de tudo por essas bandas era, é, passatempo deles e da Candinha. Conhecimento nesse jogo é tudo. Daí por que altas somas de dinheiro são alocadas no orçamento americano para obtenção de informações mediante utilização de estruturas de inteligência, inclusive com apoio de nacionais nos países onde atuam, cooptados ou subornados para isso ou para realizar tarefas específicas. Deve haver, inclusive, essas coisas de filme noir, mulheres de espartilho e cinta-liga, Betty Boop e contas secretas em paraísos fiscais, em nome de fantasmas, insuscetíveis de qualquer rastreamento.
Quem sabe não se pagam os bons préstimos da fidelidade quinta-colunista por meio de contratação de palestras motivacionais, livros, publicidade nos mais variadas veículos de mídia, obras de arte, nudes pagos e shows artísticos, atingindo também o objetivo concomitante de branquear o dinheiro. Para salvaguardar os interesses do santo sentimento do governo americano e combater o crime, não há crime que não possa ser cometido.
Durante o seminário o iluminado Boss do FBI no Brasil formula gentil convite para irmos aprofundar, nos Estados Unidos, nosso conhecimento sobre lavagem de dinheiro e outros ilícitos. Era, se percebia, uma prospecção de futuros “talentos” oriundos do Ministério Público, do Judiciário, das Polícias e da Receita Federal. Parece que América despende um dinheiro considerável nessas cooperações com órgãos e pessoas de outros países, visando obter, no mínimo, compartilhamento de informações.
No Brasil, não há filtro nenhum para compartilhamento de informações sensíveis ao interesse nacional com órgãos governamentais dos Estados Unidos da América. Vazam feito peneira. Os americanos levam informações daqui como outrora levavam areia monazítica de nosso litoral: sob o olhar bovino de brasileiros, que sequer podem quantificar o seu valor. Aquiescendo ao convite do homem americano, muitos foram. É possível vê-los hoje por aí em nossa prodigiosa República, com o ar blasé de superioridade dos estultos, aplicando com grande desenvoltura os conhecimentos que obtiveram em terras que ficam além do Rio Grande.
Cerca de dois anos depois, vejo na imprensa o mesmo Chefe do FBI no Brasil, já ex-Chefe e recém-aposentado, dizendo que os Estados Unidos compraram a Polícia Federal e que dinheiro era dado para alguns de seus integrantes em contas privadas para diversas ações em prol de interesses americanos. Da entrevista que deu ao Jornalista Bob Fernandes, é possível vislumbrar que agentes americanos, atuando com plena liberdade, tem o poder de “monitorar” pessoas, empresas e governos atuando dentro do território brasileiro.
É de se supor que ainda estão no negócio da família de comprar ou cooptar membros da polícia e outros integrantes de órgãos estatais brasileiros. Políticos, juízes, membros do Ministério Público, nada há que não esteja ao seu alcance. Há pouco tempo Edward Snowden nos revelou que o Governo brasileiro e a Petrobrás foram espionados pelo NSA. É possível ver mais explicitamente a magnitude da atuação investigatória americana em solo brasileiro quando, por exemplo, prendem por esses lados algum inimigo público da América, como um barão das drogas, até então invisível para as autoridades brasileiras. E permaneceria invisível não fossem a intervenção e a investigação das agências americanas que, de maneira camarada, cedem os créditos da fama para benefício das autoridades locais.
A princípio, pelo cheiro da Dinamarca que aflui deste esgoto que corre nas veias desta República, o porrete do Theodore é plenamente dispensável. Terra de ativismo masoquista e ânimo servil numa relação de carnal submissão ao protagonista da Doutrina Monroe dispensa uso de força.
Como diria o contato americano do ex-Chefe do FBI no Brasil, quando este ponderava e apresentava dificuldades para cumprir uma determinada missão em nossas terras:
Porra, isso aí é o Brasil! Just do it!