Caffè Americano — Coluna de Política Internacional do Cafezinho
por Carlos Eduardo, editor do Cafezinho
“Papa Francisco choca o mundo ao apoiar Trump para presidente” (tradução livre)
“Wikileaks confirma: Hillary vendeu armas para o Estado Islâmico” (tradução livre)
“FBI suspeita que homem encontrado morto é responsável por vazar os e-mails de Hillary” (tradução livre)
O que estas três “notícias” acima têm em comum? Todas são falsas, pura mentira.
No entanto, isto não impediu que fossem compartilhadas por dezenas, centenas, até milhares de pessoas nas redes sociais.
Um levantamento do BuzzFeed, logo após a eleição de Donald Trump, revelou que as notícias mais compartilhadas no Facebook, nos últimos três meses da campanha presidencial dos Estados Unidos, eram todas falsas.
No mesmo levantamento, o BuzzFeed descobriu que a partir de agosto as “notícias falsas” superaram o noticiário da imprensa tradicional, em números de reações, comentários e compartilhamentos no Facebook.
A pesquisa concluiu que a mentira mais compartilhada no Facebook sobre a eleição dos Estados Unidos foi: “Papa Francisco choca o mundo ao apoiar Trump para presidente”, publicada por um site obscuro chamado “Ending the Fed”.
Mesmo se tratando de uma página completamente desconhecida, sem assinatura e sem expediente, podemos dizer que o artigo sobre o Papa foi um perfeito hoax, como dizem os americanos.
Páginas como o Sensacionalista ou Piauí Herald copiam a linguagem jornalística, mas o leitor sabe que as “matérias” são humorísticas.
Um hoax, pelo contrário, não tem a menor graça.
Hoax é uma gíria em inglês para embuste, falcatrua, farsa. Trata-se de uma mentira bem elaborada, cujo objetivo é enganar pessoas, inclusive os mais céticos.
Por trás de um hoax há sempre um interesse material ou financeiro.
Pode ser um vírus para roubar dados bancários, uma mentira para difamar alguém famoso, ou um viral com o objetivo de alcançar muitos cliques e ganhar dinheiro com anúncios.
A campanha presidencial norte-americana atrai um fluxo tão grande de audiência, que gerou um nicho de mercado bastante singular: trolls especializados em criar boatos.
Quanto mais absurda a notícia, melhor, pois atiça a curiosidade do público, o que se reverte em mais cliques, mais audiência e mais retorno no Google Adsense.
Um jeito razoavelmente fácil de ganhar dinheiro na internet.
Na semana após a eleição, o jornal Washington Post publicou uma entrevista com um blogueiro chamado Paul Horner, de 38 anos, nascido no Arizona.
Ele se diz escritor e humorista, mas foi responsável por dezenas de falsas notícias sobre Donald Trump e Hillary Clinton.
Basicamente ganha a vida criando hoax na internet.
Certa vez convenceu o mundo de que era o famoso artista e grafiteiro de rua britânico, Banksy.
A brincadeira rendeu nada mais, nada menos, que 4,8 milhões de visitas em sua página.
O Washington Post define Horner como um troll da mídia, mentiroso que se aproveita da ingenuidade das pessoas para ganhar dinheiro na internet.
O próprio, no entanto, afirma que faz uma comédia do absurdo, muitas vezes subversiva.
Passou a compartilhar mentiras a favor de Donald Trump e contra Hillary Clinton nos últimos quatro meses de campanha.
Ganhava cerca de US$ 10 mil dólares por mês, com anúncios do Google Adsense e aplicativos similares.
Paul Horner também é do tipo precavido. Em seus sites de “falso jornalismo” sempre havia uma nota do editor, no rodapé da página, explicando que tudo era uma simples brincadeira.
Ele ainda deixava um telefone de contato para possíveis reclamações, por isto não pode ser processado por calúnia ou difamação, afinal era uma página de humor.
Na entrevista ao Washington Post, ele diz:
“Honestamente, as pessoas estão definitivamente mais burras. Eles [eleitores republicanos] repassam qualquer coisa adiante. Ninguém mais checa a veracidade das notícias na internet”. (tradução livre)
O mais curioso é que uma parte da classe média brasileira, identificada com os partidos de centro-direita, que foi às ruas pelo impeachment da presidenta Dilma Rousseff, reproduz o mesmo comportamento dos eleitores de Donald Trump.
O recado de Paul Horner vale muito bem para o Brasil: “as pessoas estão definitivamente mais burras, repassam qualquer coisa adiante. Ninguém mais checa a veracidade das notícias na internet”.
Uma pesquisa da USP divulgada pela BBC Brasil no dia 17 de abril – data da infame votação na Câmara de Deputados presidida por Eduardo Cunha – revelou que das cinco notícias mais compartilhadas no Facebook na semana do impeachment de Dilma Rousseff, três eram falsas.
Todas contra o ex-presidente Lula e a presidenta Dilma Rousseff:
- Polícia Federal quer saber os motivos para Dilma doar R$30 bilhões a Friboi – Pensa Brasil (3º lugar no ranking geral da semana, com 90.150 compartilhamentos)
- Presidente do PDT ordena que militância pró-Dilma vá armada no domingo: ‘Atirar para matar’ –Diário do Brasil (4º lugar, com 65.737 compartilhamentos)
- Lula deixa Brasília às pressas ao saber de nova fase da Lava-Jato. Seria um mandado de prisão? – Diário do Brasil (5º lugar, com 58.601 compartilhamentos)
De acordo com a pesquisa do Buzzfeed, os boatos e as falsas notícias a favor de Trump e contra Clinton, compartilhadas às vésperas da eleição, foram cruciais na decisão final de parte do eleitorado médio.
Não é à toa que o Dicionário Oxford tenha escolhido “pós-verdade” como a palavra do ano.
Cabe aqui um paralelo com o atual momento político do Brasil.
A pós-verdade que elegeu Donald Trump presidente dos Estados Unidos foi a mesma pós-verdade que derrubou a presidenta Dilma Rousseff.
Como bem definiu o deputado federal, Jean Wyllys, estamos na “era da pós-verdade”:
A notícia de que o Facebook – até que enfim – decidiu tomar medidas para limitar a circulação de notícias falsas na rede vem pouco depois de a Universidade de Oxford ter escolhido a “pós-verdade” como a palavra do ano, e das polêmicas suscitadas nos Estados Unidos como consequência da série de boatos espalhados pelas redes sociais que contribuíram para o sucesso eleitoral de Donald Trump.
Ou seja, pela primeira vez, parece que academia, políticos sérios e empresas de tecnologia se mostram realmente preocupados com a contaminação da esfera e da opinião públicas por mentiras e calúnias divulgadas na internet e nas redes sociais por criminosos da política e da religião, com o objetivo de manipular a opinião pública.
Nada disso é novidade para as famílias dos mortos por linchamentos motivados por fofocas na internet. E nada disso é novidade, tampouco, para nosso mandato, que trava uma batalha de seis anos contra o próprio Facebook para por algum freio à avalanche de mentiras e calúnias em relação a mim que corre nas redes sociais.
“Jean Wyllys apresentou um projeto de lei para mudar trechos da Bíblia”, “Jean Wyllys disse que sairia do Brasil se o impeachment fosse aprovado”, “Jean Wyllys defendeu a pedofilia”, “Jean Wyllys disse que os negros não podem ser evangélicos”, “Jean Wyllys quer implantar o ensino da religião islâmica nas escolas”, “Jean Wyllys quer obrigar as crianças a mudar de sexo”.
Cada uma dessas e outras estupidezes, inventadas por criminosos que usam as redes sociais para difamar adversários políticos, “viralizou” por meio do Facebook, que nada fazia para impedir que isso acontecesse.
Antes da vitória de Trump, o resultado do Brexit no Reino Unido, a derrota do acordo de paz na Colômbia e as vitórias de Crivella, no Rio, de Dória, em São Paulo, e do candidato do PSDB, em Belém, já mostraram o poder da “pós-verdade” (da mentira aliada ao preconceito) na política contemporânea.
Embora cada um desses resultados eleitorais tenha vários e complexos motivos, é inegável que a boataria e a “viralização” de mentiras e calúnias nas redes sociais jogaram um papel fundamental na estratégia de campanha dos vencedores e influenciaram seriamente o voto popular.