Suicídio econômico: Jornalista Luiz Carlos Azenha afirma que privatização da Petrobrás fazia parte do pacote do golpe e que investidores dos EUA ganham com isso. Para ele, com a crise no Oriente Médio, “As fontes crescentes de petróleo para abastecer os Estados Unidos estão ou estarão em Angola, Nigéria, Venezuela, Brasil e golfo do México”.
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O triângulo de ouro é deles: Trump, Temer e o Brasil desplugado
O petróleo é deles: o golpe, Trump e o Brasil desplugado
Por Luiz Carlos Azenha
Todos nós, das gerações que nasceram nas décadas seguintes ao fim da Segunda Guerra Mundial, crescemos com a memória pesada dos horrores do conflito.
Sempre associamos guerra aos bombardeios convencionais, à conquista de território, aos combates de infantaria — ainda que hoje ela tenha se ampliado para incluir as batalhas no campo da informação, as operações psicológicas, o uso de drones e de outros métodos de ataque à distância, como os golpes suaves.
Foi a memória sobre os 50 milhões de mortos e o medo de uma hecatombe nuclear que resultou numa arquitetura de acomodação entre Estados Unidos e União Soviética, que organizaram a economia em suas respectivas esferas de influência sob os gritos de “imperialismo” dos países não alinhados.
A saída do Reino Unido da União Europeia e, especialmente a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos são marcadores do fim desta arquitetura, que se dá no momento em que o centro do mundo capitalista se desloca lentamente para a Ásia.
Nos anos 2000, um artigo publicado na revista dominical do New York Times apontou a influência da diplomacia brasileira na formulação da política de contenção dos Estados Unidos, através do multilateralismo.
Amarrar Washington em consensos internacionais seria a melhor forma de promover um pouso suave, diante da perspectiva de perda de poder relativo do grande império no mundo globalizado, dizia a doutrina — nunca publicamente enunciada.
Vem desde esta época a denúncia, em círculos da direita dos Estados Unidos, de um “governo mundial” talhado para conter o excepcionalismo dos que se consideram um farol na colina para a humanidade.
Isso ajuda a explicar a rejeição de Trump e de seus eleitores a acordos comerciais, tratados do clima, organismos internacionais como a OTAN e qualquer outra amarra que possa impedí-los de fazer o prometido: “Tornar a América grande, de novo”.
O programa de início de governo de Trump é razoavelmente simples: depois de derrotar o Isis, cortar os gastos militares no Afeganistão, no Iraque e na Síria e investir em infraestrutura para gerar empregos em casa.
Aqui, é necessário fazer uma digressão. Raramente um presidente dos Estados Unidos, ao assumir, dá uma pirueta de 180 graus em qualquer política. Washington não rasga dinheiro.
Muitas vezes o novo presidente apenas acelera ou desacelera formulações amadurecidas antes nas sedes das grandes corporações, no Pentágono, em think thanks e em outros centros de poder.
A decisão de reduzir a dependência dos Estados Unidos do petróleo do Oriente Médio, por exemplo, vem dos anos 70! É nessa perspectiva que se deve olhar para as decisões de Washington de criar um comando militar dos Estados Unidos para a África, apoiar o golpe contra Hugo Chávez na Venezuela e recriar a Quarta Frota para patrulhar o Atlântico, todas elas tomadas muito antes de Trump.
As fontes crescentes de petróleo para abastecer os Estados Unidos estão ou estarão em Angola, Nigéria, Venezuela, Brasil e golfo do México — uma rápida olhada no mapa do triângulo de ouro pode ser reveladora.
Porém, com Trump — para pânico dos que formularam o consenso internacional em torno do clima –, os Estados Unidos devem retomar a produção de energia a partir do carvão, explorar petróleo em áreas de conservação e manter o fracking.
Do ponto-de-vista estratégico, são instrumentos que Washington pode utilizar para manter baixo o preço internacional do petróleo, driblando o poder da OPEP num momento em que os Estados Unidos pretendem se distanciar do Oriente Médio.
É por isso que assessores de Trump tanto falam em mudança de regime no Irã.
Tudo indica que, concentrados em seus próprios problemas, os EUA vão terceirizar de vez sua política externa na região para Israel — e o Irã disputa hegemonia regional com Israel e Arábia Saudita.
A mudança de regime em Teerã não seria feita pelos métodos tradicionais, como se viu no Iraque, mas através da guerra de quarta geração, que já foi experimentada lá com o assassinato de cientistas e ataques cibernéticos à infraestrutura.
Neste quadro cresce a possibilidade, a médio prazo, de um ataque de Israel a instalações nucleares do Irã, com apoio tácito dos Estados Unidos, se o acordo internacional fechado pelo governo Obama, inspirado por ação do Brasil e da Turquia, for de fato engavetado.
O problema é convencer a Rússia e Vladimir Putin a aceitar isso, mas são muitas as “cenouras” que Trump teria a oferecer ao líder russo.
Uma, em particular, chama atenção: o desmanche do cerco à periferia da Rússia promovido no âmbito da OTAN para permitir a consolidação da União Europeia. Assessores de Trump já falam em retirada de tropas e mísseis.
Ao mesmo tempo, Trump quer que os europeus paguem mais pela proteção militar oferecida pelos Estados Unidos na arquitetura multilateral hoje vigente.
No contexto mais geral, uma aproximação com a Rússia faz todo o sentido para Trump: esmaga o fundamentalismo islâmico também visto como ameaça pelos russos, reduz a exigência da presença física de tropas dos Estados Unidos na Europa e no Oriente Médio e joga areia em estruturas multilaterais que Trump e os seus enxergam como constrangedoras ao poder unilateral dos Estados Unidos, da OTAN aos BRICs, do bloco econômico da União Europeia à própria OPEP — a Rússia, lembrem-se, é o posto de energia da Europa.
É neste sentido que Trump representa o desfazimento do mundo como o conhecemos. Embora isso nunca seja vocalizado, é razoavelmente óbvio que o poder relativo dos Estados Unidos cresce num mundo politicamente fragmentado — a segurança política e econômica de todos nós, diminui, especialmente sob um governo suicida como o de Michel Temer.
Como foi dito num recente debate do qual participei, a eleição do republicano acontece num momento trágico para nós, justamente depois do golpe que prepara o Brasil para ser plugado em 220 numa arquitetura internacional que, se não deixa completamente de existir, sofrerá fortes abalos.
Sumiram, de repente, com a tomada do Temer!
Com o aumento dos juros nos Estados Unidos, provocado pelos planos de investimento de Trump, o capital rumará crescentemente para a segurança das letras de Tesouro garantidas pelo Fed, ainda mais num quadro de turbulência política e econômica internacional.
Nosso grande ativo, o pré-sal, dificilmente recuperará a lucratividade projetada se os Estados Unidos ampliarem ao mesmo tempo sua própria produção de energia e as fontes de origem dela. A “conquista” da Venezuela, por isso, continua sendo a prioridade número um de Washington no continente.
Tudo indica que o Brasil fará com o pré-sal o que fez com o minério de ferro de Carajás: exploração relativamente rápida, para reforçar o caixa, sem considerações de longo prazo que reforcem a soberania brasileira via investimentos da Petrobras — pensando acima de tudo nos lucros dos acionistas, 50% dos quais são estrangeiros.
O desmanche da Petrobras a que assistimos agora, feito por dentro, é uma beleza para os grandes consumidores de petróleo e reforça a tese de que o impeachment não resultou de uma ação puramente nacional. Estados Unidos e China agradecem sempre que alguém deixa de se incomodar com a formação do preço internacional, ainda mais quando isso implica na redução relativa da soberania de um concorrente.
Enquanto Trump fará o pivot que realmente interessa aos EUA, o da contenção da China na Ásia, na trilha já aberta por Barack Obama, Temer e seu sucessor vão se tornar eminentemente administradores do aluguel de terras e mão-de-obra, exportadores de água e sol embutidos em produtos primários, papel que crescentemente caberá ao Brasil neste quadro de capitalismo atomizado e suicídio econômico coletivo dos brasileiros.
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