(Foto: Beto Barata)
Por Bajonas Teixeira, colunista de política do Cafezinho
Um membro da Comissão de Ética Pública da Presidência, esquecendo o princípio da impessoalidade, aceitou interferência do ministro que está sendo julgado. Geddel Vieira solicitou a ele que abrisse mão do pedido de vistas que atrasaria a decisão sobre seu processo. O presidente da comissão procurou justificar a situação falando em gesto de “boa vontade”, como se obséquios e salamaleques pudessem ser aceitos numa comissão de ética.
No mínimo, estamos diante de uma situação em que o conselheiro se curva ao encaminhamento que o ministro concluiu ser-lhe o mais favorável. Difícil não ser tomado por certa vertigem de espanto ao ler o que se passou na comissão ontem. Diz a reportagem do G1:
Dos sete integrantes da comissão, cinco votaram na reunião pela manhã a favor de abrir o processo. À tarde, com a continuidade da reunião, o conselheiro que havia solicitado vista abriu mão do pedido e se posicionou a favor da abertura do processo.
A assessoria de Geddel informou que o cancelamento da vista foi pedido à comissão pelo próprio ministro e que, por enquanto, ele não voltará a se pronunciar sobre o assunto.
Segundo o presidente da comissão, Mauro Menezes, objetivo da decisão foi não atrasar o processo. “O conselheiro José Leite Saraiva Filho, em um gesto de boa vontade, trouxe a reflexão de que não gostaria de atrasar o processo. Ele portanto alterou seu posicionamento e passou a acatar a abertura imediata do processo”, afirmou.
O que há de estanho aqui? Quase tudo. A começar pelo fato de que o ministro, que está sendo investigado e julgado na comissão, interfere diretamente nela, fazendo um apelo que atinge a qualidade da votação. Que motivos tem um relator para pedir vistas? O de estudar o processo para fundamentar sua decisão e julgar da forma mais esclarecida possível.
Esse é um direito do conselheiro. Ele é exercido para qualificar as decisões. Nenhuma interferência exterior, apelo emocional ou solicitação amical, poderia ter lugar ou sequer ser cogitada. Mas isso ocorreu. Tivemos o mesmo tipo de interferência personalista que foi denunciada pelo ex-ministro da Cultura, Marcelo Calero, ao deixar o ministério. Em nome dos seus interesses, o ministro Geddel Vieira Lima tentou interferir no julgamento técnico do Iphan sobre empreendimento imobiliário na Bahia.
E agora, de novo em defesa de seus interesses, o ministro interferiu na decisão de um membro da Comissão de Ética que o está julgando.
Por “interferência externa” se deve entender justamente essa imposição de um interesse particular sobre o interesse público. No caso, o interesse público do pedido de vistas era esclarecer a decisão do conselheiro, não importando que isso atrasasse o processo, já o interesse privado de Geddel era o de, para reduzir seu desgaste, acelerar o julgamento.
Se dirá que isso não teve importância, já que a comissão decidiu por unanimidade pela abertura do processo. Ledo engano. A comissão teve sua autonomia violada pela interferência direta do ministro. E o presidente da comissão, talvez por não estar ainda informado de que o conselheiro abriu mão do pedido de vistas por interferência direta do ministro, errou ao considerar o episódio um “gesto de boa vontade”. É o que aparece na defesa que fez do conselheiro:
“Nós temos plena confiança de que todos os conselheiros agem com absoluta isenção. Nossa confiança no conselheiro Saraiva é absoluta. Não há qualquer elemento de interferência externa”.
Como é que “não há nenhum elemento de interferência externa” se um membro da comissão, justamente o único nomeado por Temer, recua à pedido do investigado, Geddel Vieira, ministro de Temer?
Aqui já se quebrou, junto com a autonomia, a isenção de um membro da comissão. Basta observar o seguinte: os maiores inimigos da ética pública no Brasil são as formas derivadas dos privilégios pessoais: o favor, o apadrinhamento, o nepotismo, o compadrio, etc. Essas relações atuam desfazendo o princípio de isonomia, que determina o tratamento igual. Em seu lugar, são impostos os interesses pessoais, os privilégios, as exceções e os favorecimentos.
Observem o que decorre do fato de a Comissão de Ética ter tido boa vontade com o ministro. São inúmeros os investigados pela comissão e em relação a qualquer um deles um conselheiro pode pedir vistas. Todos os investigados terão suas solicitações atendidas se, como fez Geddel, pegarem o telefone e ligarem para os conselheiros? Ou o caso será um quando se tratar de um ministro poderoso e outro quando se tratar de um servidor de patente inferior?
A ética que a comissão de ética pública deve obedecer é a que deriva dos princípios (de legalidade, publicidade, eficiência, etc.) que regem a administração pública e o estado brasileiro de acordo com a Constituição. Entre esses princípios fundamentais da administração pública brasileira está o princípio da impessoalidade. Ele se vincula à isonomia, ou seja, ao imperativo de tratar situações idênticas de um mesmo modo. Se é um ministro ou é um contínuo que está sendo investigado, não importa. Ambos devem, como investigados, receber o mesmo tratamento.
A exigência do concurso público ou das licitações públicas deriva disso: não favorecer A ou B por suas relações pessoais ou suas posições de poder. O princípio da impessoalidade é uma garantia contra o privilégio e o favorecimento. Dele decorre que não existe interesse pessoal prioritário ou que mereça tratamento especial. Só cabe prioridade a um interesse, o interesse público.
O que aconteceu na Comissão de Ética pública é preocupante o suficiente para recomendar maior atenção da opinião pública.
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