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O golpe deu certo. Para quem?

Foto: José Cruz/Agência Brasil Por Rogerio Dultra dos Santos, exclusivo para o Cafezinho Como era de se esperar, o regime Temer faz água em velocidade assustadora, envolto em denúncias de corrupção, em uma crise econômica aguçada por sua incompetência e pela ganância desenfreada das forças internacionais do capital que desejam saquear o país o mais […]

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Foto: José Cruz/Agência Brasil

Por Rogerio Dultra dos Santos, exclusivo para o Cafezinho

Como era de se esperar, o regime Temer faz água em velocidade assustadora, envolto em denúncias de corrupção, em uma crise econômica aguçada por sua incompetência e pela ganância desenfreada das forças internacionais do capital que desejam saquear o país o mais rapidamente possível. Neste mar revolto, os vários representantes do capitalismo brasileiro soçobram em disputas fratricidas, em grande parte geradas pela ausência de uma força política de conciliação.

Paralelamente ao grande cenário geopolítico – que situa o Brasil como mais uma peça do xadrez internacional de desmonte das democracias tendentes à independência político-econômica –, estamos assistindo o mais abrangente processo de criminalização da política no Brasil. Desde 2013, o discurso de combate à corrupção – arma histórica da direita udenista – tem encontrado respaldo e materialidade no aparato judicial e repressivo do Estado.

Nesse sentido, o golpe que apeou Dilma Rousseff da Presidência tem se mostrado um sucesso. O embate da classe política tradicional (com a exceção momentânea do PSDB) com a burocracia policial/judicial tem produzido a erosão da lógica da legalidade como orientação do funcionamento das relações sociais.

Como se tem dito, o estado de exceção está a todo vapor. As regras do jogo democrático estão sendo substituídas à luz do sol pelo poder e arbítrio de um aparato institucional que deseja funcionar à imagem e semelhança da “Operação Lava-Jato”, isto é, sem controle.

Argumentar-se-á aqui que este movimento tenderá à destruição dos envolvidos no jogo. Por quê?

A constituição de 1988, percebe-se hoje, durou o tempo que durou mais pela anuência interessada dos militares e dos que bancaram e depois abriram mão da Ditadura do que pela força dos movimentos sociais que defendiam a abertura democrática, os direitos sociais e o pluralismo político.

No processo histórico recente parece que as esquerdas não entenderam a necessidade de completar a transição da ditadura para a democracia e alimentaram o leviatã que hoje as engole de forma despudorada. Foram exatamente os governos do PT que cevaram de forma irresponsável o corporativismo anti-republicano das agências de controle.

Ocorre que hoje a instabilidade do golpe cavalga para direções imprevisíveis. Em consequência, a narrativa de legitimação de todo este processo – que se tenta levar a cabo pelos meios de comunicação de massa – não resistirá aos sucessivos golpes dentro do golpe que se avizinham.

Muito provavelmente ao trauma do impeachment, será sobreposta a queda do regime Temer, a ascensão de um governo “eleito” indiretamente e a incerteza do futuro político do país. Acrescente-se a isto políticos de primeiro escalão presos, indiciados, inelegíveis e amedrontados com a perseguição midiático-judicial. Ser ou ter sido Prefeito ou Governador no Brasil hoje é risco real de ser processado e/ou preso.

Não é, portanto, exagerado dizer que todos estes fatores colaborarão para que a instabilidade se aprofunde e o medo e o caos se instalem. Assim, ninguém está realmente seguro. Nenhuma instituição pode compreender ser possível ter hegemonia neste cenário de pavorosa instabilidade.

A questão então será a seguinte: de onde virá a nova “ordem”? A classe política desbaratada, os movimentos sociais criminalizados, os partidos políticos sem legitimidade popular e o povo sem representação e articulação não serão alternativas.

Mais uma vez a ordem virá das Forças Armadas? Não necessariamente.

A onda global de xenofobia e de obscurantismo expressa nas eleições norte-americanas traz a certeza de que o mundo não fez o devido back-up de suas experiências do século XX e revive em looping a perspectiva do terror dos extremismos fascistas de então.

Não por acaso o nazismo e o fascismo têm ecoado incessantemente nas narrativas da esquerda para explicar as subversões contemporâneas da ordem política ocidental. Nesse sentido as experiências radicais de violência anteriores geralmente indicam uma espécie de antecipação das “regularidades” burocráticas atuais. É a revivescência da “banalidade do mal”.

Não se trata de simples “repetição” da história, até porque as condições sociais e econômicas do momento e as ações de indivíduos e grupos influenciados por elas ditam o modo como a ação social se dá. A história se faz em acordo com os elementos da conjuntura e, nesse sentido, não se repete. A “saída” militar, portanto, não está dada de antemão por conta da “repetição da história”.

Mas se pode com certeza reviver em larga escala experiências do passado sob outra estrutura, sob outras roupagens. De fato, não apenas a ciência avançou a partir dos experimentos da II Guerra, mas a administração do Estado, a propaganda, a organização dos partidos, os discursos políticos e as tecnologias de organização da vida social – especialmente o controle e a repressão das populações – também se valeram em larga medida de experimentos obtidos muitas vezes com a brutalidade excepcional dos pioneiros.

Será que a onda reacionária que varre hoje o mundo pode ser lida como a realização normalizada, estendida, reestruturada e regulada de eventos históricos traumáticos como os aludidos acima? Certamente. Tanto mais quando o mal foi banalizado – pelo menos desde o exemplo nazista – pela propaganda de Goebbels, por um judiciário enviezado e politizado e por uma burocracia industriosa da solução final.

E, consequentemente, é possível afirmar, ao menos em tese, que a experiência radicalizada da opressão em escala global, do capitalismo selvagem e da dominação de nações por impérios aportam, nos horizontes de hoje – como diria Tocqueville –, como um temível despotismo, característico das nações democráticas?

Que novo despotismo é este, já vislumbrado em meados do século XIX?

Diante da demonização da política, e de uma experiência democrática recente e pontual (vai-se às urnas de dois em dois anos e a participação popular cumpre o seu papel), por que deixar de cuidar da própria sobrevivência para agir no espaço político, cada vez mais desprezível e corrupto?

A resposta para estes questionamentos, característicos das democracias modernas, é o despotismo “doce” que seduz e aliena os indivíduos, afastando-os de suas responsabilidades coletivas e políticas. Os americanos passaram a chamar isto de smart power. É a ditadura da mídia e das burocracias. E por que não uma ditadura da burocracia mais aristocrática e mais midiática, a judicial?

Hoje, quase duzentos anos depois de Tocqueville, vemos com assombro a docilização do povo, provocada pelo “pão e circo” dos meios de comunicação oligopolizados, interessados em ampliar os seus tentáculos para controlar os negócios da política, dominar as instituições de Estado e operar com liberdade com vistas à ampliação da própria lucratividade.

O liberalismo conservador de Tocqueville entendia também que a Suprema Corte norte-america era um substitutivo funcional para a força dirigente da sociedade que a aristocracia representava no Ancien Régime. Ele via, assim, no ativismo judicial, um elemento socialmente positivo. Os direitos garantidos pelo judiciário eram um modo de transformar os interesses individuais em interesse público.

Mas este diagnóstico hoje, ao menos no Brasil, deve ser profundamente questionado.

Os meios de comunicação e o judiciário são eles próprios engrenagens submetidas a um conjunto de interesses que, como já se disse, transcendem os agentes e as agências nacionais e pouco têm a ver com o interesse público.

Imprensa e judiciário cumprem, conscientemente ou não, uma pauta alienígena. O desmonte do país certamente não servirá, em médio e longo prazos, para a mídia e para as agências repressivas. Muito menos as legitimará enquanto avalistas da república e da democracia.

Embora Tocqueville entedesse essencial para as sociedades democráticas imprensa livre e judiciário forte, a interpretação que nas últimas décadas se deu para este projeto de sociedade igualitária não significava um poder judicial fundado no ativismo e na liberdade para retorcer a lei ao bel-prazer dos interesses de ocasião. Muito menos um judiciário que operasse em afinidade submissa com os meios de comunicação.

Nesse sentido, é quase obrigatória a advertência do magistrado francês no final do seu Democracia na América. Ali Tocqueville aponta quais os riscos para as democracias que hoje se vislumbra com tanta clareza em nosso horizonte:

A igualdade sugere aos homens várias inclinações perigosas para a liberdade, para as quais o legislador deve estar sempre de olhos abertos. Recordarei apenas as principais.

Os homens que vivem nas eras democráticas não compreendem facilmente a utilidade das formas; eles sentem um desprezo instintivo por elas. Expliquei em outra parte os motivos disso. As formas provocam o desprezo e muitas vezes o ódio deles. Como comumente aspiram apenas a gozos fáceis e presentes, lançam-se impetuosamente para o objeto de seus desejos; as menores demoras desesperam-nos. Esse temperamento, que transportam para a vida política, os indispõe contra as formas que os atrasam ou os refreiam cada dia em alguns de seus projetos.

Esse inconveniente que os homens das democracias encontram nas formas é, no entanto, o que torna essas últimas tão úteis para a liberdade, sendo seu principal mérito servir de barreira entre o forte e o fraco, o governante e o governado, retardar um e dar ao outro tempo de se reconhecer. As formas são mais necessárias à medida que o soberano é mais ativo e mais poderoso e que os particulares se tomam mais indolentes e mais fracos. Assim, os povos democráticos têm necessariamente mais necessidade de formas do que os outros povos e, naturalmente, respeitam-nas menos. Isso merece sé­ria atenção.

As formas a que Toqueville se refere são a forma da lei, a forma da Constituição, a forma do devido processo legal. Formas que estamos dispensando a cada dia que passa com mais facilidade e irresponsabilidade maior ainda. Assim, dificilmente o golpe funcionará a nosso favor, por mais que haja torcida para os heróis de ocasião.

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Rogerio Dultra

Professor do Departamento de Direito Público da Universidade Federal Fluminense (UFF), do Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Justiça Administrativa (PPGJA-UFF), pesquisador Vinculado ao INCT/INEAC da UFF e Avaliador ad hoc da CAPES na Área do Direito.

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Comentários

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Wagner Moraes

22/11/2016 - 01h55

Você não respondeu sua pergunta. Então, deu certo pra quem o golpe?

Gilberto Alves

21/11/2016 - 22h36

Eu como novo Presidente deporia toda a justiça, todos sem exceção. Usaria a Toga deles como papel higiênico.

Jst

21/11/2016 - 21h21

Você se engana quando afirma que “ninguém está seguro” em relação a políticos.
Os acontecimentos e os movimentos da midia/lava rato/judiciário apontam na direção que se o político for do psdb poderá dormir tranquilo porque jamais será incomodado.
A quase uma dezena de delações contra o aécio e os 23 milhões do $erra comprovam o fato.

    Antonio Carlos Lima Conceicao

    21/11/2016 - 21h44

    Será que, derrubado o PMDB, os “salvadores da moralidade nacional” vão se dar por satisfeitos?

RosLucc

21/11/2016 - 20h58

Um país saqueado por forças internacionais. Perdeu a soberania, arrebentou-se, esse é o legado para a posteridade, filhos, netos, que vão pagar a conta da tomada do poder por corruptos, em nome de se limpar o país da corrupção. O pior é que tinha tudo para ser um país de verdade. Quem sabe um dia uma geração com mais consciência consiga mudar isso.

Messias Franca de Macedo

21/11/2016 - 20h04

O DEMoTucano militante ‘mor(t)o’ sendo ‘DESmoroLIZADO’ pelo Delcídio do Amaral!
“Viu, ‘fura-teto’?” A decente e impávida senadora Kátia Abreu o espera na luta contra a corrupção!
https://www.youtube.com/watch?list=PLLjnnzVPbUOlXV8vIq6Mmo_wVLCpyyVP7&v=L8EiMBYL5Lw


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