Em defesa da democracia, da Carta de 1988 e do estado democrático de direito, ex-presidente da OAB-RJ fala sobre a prisão do ex-governador Sérgio Cabral
Wadih Damous: ‘Estamos criando um padrão onde só vale a palavra do acusador’
Ex-presidente da OAB-RJ, deputado suplente petista afirma que ordem de prisão dada a Sérgio Cabral sem que processo tenha sido instaurado faz parte de uma ofensiva que agride a Constituição.
Por Maurício Thuswohl
Rio de Janeiro – Deputado federal suplente pelo PT e ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Rio de Janeiro, Wadih Damous tem sido, desde o início da série de prisões da Operação Lava Jato, voz ativa contra aquilo que classifica como arbitrariedades cometidas pelos procuradores de Curitiba e o juiz Sergio Moro e também em defesa do Estado democrático de direito, no qual a presunção de inocência e o direito à ampla defesa são alicerces fundamentais. Na opinião do deputado, a ordem de prisão dada a Sérgio Cabral, sem que o processo contra ele tenha sido instaurado, faz parte de uma ofensiva que agride a Constituição e, independentemente da culpa ou não do ex-governador do Rio, deve ser repudiada: “Qualquer pessoa tem direito ao devido processo legal”, diz.
Segundo Wadih, “esse negócio de prisão preventiva se tornou um padrão” e futuramente terá consequências nefastas sobre “o sistema penitenciário brasileiro, o pobre e o favelado”. Neste padrão, segundo ele, “só vale a palavra do acusador”, com repercussão seletiva da grande mídia. O deputado petista diz também que Moro e os procuradores “não têm narrativa para embasar a prisão do Lula”, mas que seu grande objetivo é inviabilizar sua participação como candidato em 2018. Sobre a polêmica no Congresso Nacional envolvendo a possibilidade de que os servidores do Judiciário também sejam acusados de abuso de poder, Wadih afirma que “esta turma não pode se considerar intocável” e vai mais longe: “Se fosse nos Estados Unidos, o Sergio Moro já estaria preso”.
Realizada sem nem sequer um processo tenha sido iniciado, a prisão do ex-governador Sérgio Cabral é um indício de que o chamado Estado Democrático de Direito entra em uma nova fase?
Pessoas como o Sérgio Cabral, de fato, não podem ser exemplo de conduta ética na sua vida pública. Mas, qualquer pessoa, da Madre Teresa de Calcutá ao mais vil dos criminosos, todos têm direito ao devido processo legal. No caso do Sérgio Cabral há uma enxurrada de informações, mas só se dá voz à acusação. O processo nem se iniciou ainda, não há uma denúncia contra ele. Aí, prende-se preventivamente, e por que se prende preventivamente? Ele não é mais governador, ele sabia que estava sendo investigado há mais de um ano, isso era fato público e notório. Alega-se que a prisão foi feita para evitar que se destruíssem provas. Quer dizer que ele guardou provas para o dia em que fosse preso, para que uma ação de busca e apreensão pegasse esses documentos? Então, se não há decisão judicial ainda, qual o motivo da prisão, se a defesa dele nem foi ouvida? Até porque ainda não se chegou a essa fase, não há uma ação penal ainda instaurada, não há um inquérito.
O que está acontecendo é que esse negócio de prisão preventiva se tornou um padrão. Primeiro, se prende. Depois, se monta o processo. Do meu ponto de vista, isso fere a Constituição, por mais que cause indignação a situação do Rio de Janeiro, a acusação sobre o Cabral de que ele recebeu propina de mais de R$ 200 milhões etc. Tem que respeitar o ordenamento jurídico. Independente se depois condenou ou não condenou, esse padrão vai ficar. E isso vai recair pesadamente sobre a clientela de sempre: o sistema penitenciário brasileiro, o pobre e o favelado.
Qual o reflexo dessa forma de atuação da Justiça na sociedade brasileira? Há a sensação de que parte da população já está aceitando esse tipo de coisa…
Isso recebe aplausos. Nas matérias da televisão, as pessoas aparecem vibrando, comemorando, soltando foguetes. Nós estamos vivendo tempos de barbárie. Ouvindo o relato dos procuradores, do delegado etc., parece que há elementos robustos contra o Sérgio Cabral. Não estou negando isso. Agora, prisão é só no final, depois de uma condenação judicial transitada em julgado. Está se banalizando a prisão. Como o juiz já tem convicção da participação do Cabral… Porque, em tese, ele pode ser culpado em parte, pode ser inocente, pode ser culpado totalmente. Mas, isso tem que ser apurado de acordo com as regras do devido processo legal, a defesa dele tem que ser ouvida. Está se criando um padrão também em que só vale a palavra do acusador. Feita a acusação, automaticamente aquilo que está sendo dito pelo acusador é verdade.
E repercutido pela grande mídia, né? O telejornal da noite da Rede Globo tratou Cabral como já estivesse julgado e condenado.
E logo a Globo, que sempre o apoiou. Eu não assisto a este telejornal, mas não preciso ver para saber qual é o teor, qual é a linha.
Você acha que a prisão de Cabral, como dizem algumas pessoas, seja um teste para um posterior pedido de prisão do ex-presidente Lula?
Eu procuro não levar o raciocínio para este lado porque isso pode acabar naturalizando a possibilidade de prisão do Lula como algo inevitável. Em relação ao Lula, a atuação da Lava Jato é patética. Enquanto estão se falando aí em bilhões desviados, milhões em propina, o José Serra levando, em valores atualizados, R$ 32 milhões de propina. Cabral acusado de R$ 220 milhões de propina. Enquanto isso, a acusação contra o Lula é por causa de uma porcaria de apartamento no Guarujá e uma porcaria de sítio em Atibaia.
É por isso que eles estão com dificuldade. E aí, ficam criando factoides. Já disseram até que o estádio do Corinthians foi um presente pro Lula. Falaram em uma mansão em Punta del Este e o Alexandre Garcia teve que desmentir na televisão. Depois falaram que o “amigo” mencionado pelo Marcelo Odebrecht é o Lula. Eu nunca vi isso: o suposto poderoso chefão proporciona aos membros de sua quadrilha o embolso de milhões e milhões de reais enquanto ele próprio fica com um pedalinho e um apartamento do BNH? É brincadeira.
Eles não têm narrativa para embasar a prisão do Lula, mas são capazes de inviabilizar a participação do Lula como candidato em 2018. Esse é o grande objetivo. Prender talvez eles não o façam porque sabem o que pode significar uma prisão arbitrária do Lula. Agora, não resta dúvida que o grande objetivo é impedir que ele concorra às eleições em 2018.
Qual tua análise sobre essa polêmica envolvendo o presidente do Senado, Renan Calheiros, e as associações representativas do Judiciário em relação à lei que trata de abuso de autoridade?
A polêmica fica prejudicada porque o Renan é investigado, é indiciado. Mas, incluir os servidores do Judiciário está absolutamente correto, ninguém está acima da lei. Esta turma não pode se considerar intocável, não. O juiz Sérgio Moro praticou crime, já era para ele ter perdido o cargo. Se fosse em outro país, se fosse nos Estados Unidos que ele gosta tanto, já teria perdido o cargo. Aliás, quando ele foi na comissão especial que tratou das dez medidas contra a corrupção, nós o questionamos: vem cá, o senhor sabia, já que gosta tanto dos Estados Unidos, que lá o senhor estaria preso por conta das práticas de grampo ilegal e divulgação ilegal de grampo?
Qualquer agente público tem que estar sujeito ao controle, à fiscalização e à responsabilização pelos abusos que venham a cometer. E eles ficam insuflando a população contra porque sabem que estão cometendo abusos, sabem que estão fora da lei. Eles sabem, tanto os procuradores quanto o Sérgio Moro. Então, independentemente se o Renan tem interesse ou na tem interesse, ele está correto. O Onyx Lorenzoni, que é uma figura patética, foi peitado pelos procuradores. Agora eu quero ver eles peitarem o Roberto Requião, que vai ser o relator do Projeto de Lei lá no Senado. Esse é um projeto de lei que tem que ser debatido, tem que ser discutido. Esses caras vão querer interferir até no processo do Legislativo agora? Isso é um absurdo.
Qual tua avaliação sobre o quadro atual no Rio de Janeiro, com a situação de penúria financeira, o caos nas ruas, as manifestações com forte presença de policiais e de bombeiros?
O Rio é um caldeirão, resultado do governo do PMDB, que é o governo nacional e o governo do Estado do Rio de Janeiro. É típico de governo do PMDB, é só ver a situação do Rio Grande do Sul, também governado pelo PMDB, que está igual ou pior do que a do Rio de Janeiro.
O que estamos vendo é uma afirmação crescente de uma fascistização na sociedade brasileira. Um exemplo é a invasão da Câmara dos Deputados esta semana por um bando de imbecis. E, na Assembleia do Rio, policiais invadindo, agredindo, pedindo intervenção militar. Nós estamos vivendo um momento de anarquia, e isso é resultado direto do golpe de estado de 2016. Estamos vivendo a anarquia, um presidente que não tem qualquer legitimidade, e que também, mais cedo ou mais tarde, essas investigações vão chegar nele. Nós temos uma cleptocracia governando o país, e o Rio de Janeiro é uma mostra patente disso. O Rio de Janeiro hoje é o grande exemplo da anarquia que reina no país.