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Procurador defende ocupação nas escolas e enaltece as conquistas do povo

O Procurador do Estado Márcio Sotelo Felipe escreve em defesa das lutas sociais e, em especial, das ocupações nas universidades e escolas. Segundo ele, parafraseando Rosa Luxemburgo, ou é a luta, ou a barbárie. No Justificando Socialismo ou barbárie Por Márcio Sotelo Felippe O padrão na história das ideias é localizar o Iluminismo no século XVIII, […]

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O Procurador do Estado Márcio Sotelo Felipe escreve em defesa das lutas sociais e, em especial, das ocupações nas universidades e escolas. Segundo ele, parafraseando Rosa Luxemburgo, ou é a luta, ou a barbárie.

No Justificando

Socialismo ou barbárie

Por Márcio Sotelo Felippe

O padrão na história das ideias é localizar o Iluminismo no século XVIII, na esteira das grandes descobertas científicas anteriores – Copérnico, Galileu, Newton, etc. A razão mostrara então o funcionamento real da natureza, superando o obscurantismo, superstições e crenças religiosas arraigadas há séculos. Não haveria por que não esperar que a razão bem sucedida para desvendar as leis da natureza não operasse na experiência social e política.

Kant dizia que Rousseau era o Newton da moral e que nada lhe causava mais admiração do que “o céu estrelado sobre mim e a lei moral dentro de mim”. Newton permitira ver as leis que determinavam o movimento harmonioso dos corpos celestes e Rousseau as leis morais que, não observadas mas residentes na razão, poderiam emancipar a humanidade e reproduzir nas sociedades a harmonia que se observava na natureza. Respondendo à pergunta “o que é o Iluminismo? ”, Kant dizia que era a libertação da menoridade a que o próprio homem se submetera. O homem seria livre quando submetido apenas à própria razão, escapando de qualquer tutela; razão implicava liberdade.

Não obstante uma vulgarizada interpretação de Kant o coloque como filósofo de um certo individualismo burguês, a moral kantiana significava um sujeito que devia construir juízos morais-racionais libertando-se da autoridade, da convencionalidade social, da religião. Um homem racional não mata porque isto é uma regra dos 10 mandamentos ou porque a lei impõe uma sanção. Ele não mata porque sua vontade livre não vê qualquer racionalidade em uma sociedade de assassinos e o leva a considerar a dignidade de cada ser humano.

O projeto iluminista, consistindo em emancipar a humanidade pela razão, é muito mais do que o movimento intelectual e filosófico localizado no século XVIII, de Voltaire, Rousseau, Diderot, Kant, Hume, etc. Ele avança para o século XIX com Hegel e depois com Marx. Se para Kant ou Rousseau a razão dispensava a História e era um processo estático do indivíduo atomizado, para Hegel aparecia em movimento, ao longo do processo histórico, inevitavelmente, regido pelas leis da dialética que desvendavam o movimento do ser na direção do Espírito Absoluto (a razão plena e final). A consciência humana superava contradições, teses e antíteses postas pela História   e a ideia a movia para forjar a matéria.

Marx é iluminista porque nele a razão igualmente emancipa a humanidade, mas invertendo Hegel. Não era a ideia que respondia pela matéria. Era a matéria que respondia pela ideia. A consciência estava determinada pela necessidade, pelas condições materias da existência, pelas forças produtivas, pelas relações entre produtor direto e proprietários. Em um ou outro caso sempre a razão que ao fim e ao cabo triunfa e instaura o reino da liberdade. Ao emancipar-se destruindo o capitalismo, pondo fim à opressão, à miséria e à exploração do homem pelo homem, o proletariado, como sujeito da História, emanciparia também toda a Humanidade.

II

Em Hegel o triunfo final da razão era inevitável. Mas na inversão feita por Marx as coisas não correram assim. O proletariado foi derrotado em 1848 e a tentativa de “tomar o céu de assalto” (na expressão de Marx) feita pela Comuna de Paris, o primeiro governo proletário, durou pouco.

As grandes cisões doutrinárias do marxismo passaram por essa questão ou giraram em torno dela: a inevitabilidade ou por qual modo o proletariado se emanciparia, como se daria o advento do socialismo. Lênin formulou uma resposta, muito bem-sucedida no primeiro momento porque conduziu à tomada do poder pelos bolcheviques: espontaneamente o proletariado não conseguiria escapar do economicismo e das lutas localizadas e não daria o salto dialético da razão emancipadora, a revolução. Era preciso uma vanguarda, disciplinada e coesa, que o conduzisse e lhe desse direção política, filosófica e intelectual: o partido.

Em 1915 uma desolada e brilhante Rosa Luxemburgo escreveu na cadeia um pequeno texto que tornou célebre a disjuntiva “socialismo ou barbárie”. O sujeito dialético da História, o proletariado, que ao emancipar-se emanciparia a humanidade, aderira, em vez disso, ao nacionalismo burguês apoiando a mais insana das guerras e se trucidava reciprocamente no campo de batalha. O Partido Social-Democrata alemão, o maior partido marxista do mundo, liderança do movimento operário, votara no Parlamento a favor dos créditos de guerra. Menos de um depois de iniciada a I Guerra, o entusiasmo das massas já cedera diante da visão dantesca dos campos de batalha e dizia Rosa Luxemburgo no artigo:

“Pisada, desonrada, patinando no sangue, coberta de imundície: eis como se apresenta a sociedade burguesa, eis o que ela é. Não é quando alimentada e decente, ela se traveste de cultura e filosofia, de moral e ordem, de paz e de direito, mas quando ela se assemelha a uma besta selvagem, quando ela dança o sabá da anarquia, quando ela sopra a peste sobre a civilização e a humanidade que ela se mostra cruamente como é na realidade.

“E no âmago deste sabá de feiticeira produziu-se uma catástrofe de alcance mundial: a capitulação da social-democracia internacional. Seria para o proletariado o cúmulo da loucura alimentar ilusões quanto a isto ou encobrir esta catástrofe: é o pior que pode lhe acontecer.

“Na guerra mundial atual o proletariado caiu mais baixo que nunca. Isto é uma desgraça para toda a humanidade. Mas seria o fim do socialismo apenas se o proletariado internacional se recusasse a avaliar a profundidade de sua queda e a tirar os ensinamentos que ela traz”

O artigo, a rigor, alterna afirmações que ainda trazem o traço da vitória final e necessária do proletariado e de como alcançá-la, com outras que admitem que a barbárie é uma alternativa real ao socialismo. Com a expressão “socialismo ou barbárie” Rosa Luxemburgo remete o seu leitor a um texto de Engels, 40 anos antes, que afirmava que a sociedade burguesa se via diante do dilema do avanço para o socialismo ou “recaída na barbárie”. E pergunta ela: “mas o que significa recaída na barbárie no grau de civilização que conhecemos hoje na Europa? ”:

“Nós estamos colocados hoje diante desta escolha: ou bem o triunfo do imperialismo e a decadência de toda civilização tendo como consequências, como na Roma antiga, o despovoamento, a desolação, a degenerescência, um grande cemitério; ou bem vitória do socialismo, ou seja, da luta consciente do proletariado internacional contra o imperialismo e contra o seu método de ação: a guerra. Eis aí o dilema da história do mundo, sua alternativa de ferro, sua balança no ponto de equilíbrio esperando a decisão do proletariado consciente”.

III

O artigo de Rosa Luxemburgo completou 100 anos. Decorrido esse tempo, a questão sobre ser possível a barbárie, sobre ser possível a derrota do projeto iluminista da razão, sobre ser possível a derrocada do processo civilizatório conduzindo a um mundo semelhante ao que se seguiu à queda da Roma antiga, persiste. Então, uma ensandecida guerra entre bandos imperialistas. Hoje, a hegemonia de uma lumpemburguesia ensandecida, degenerada, selvagem.

Marx usou a expressão lúmpen (que significa mais ou menos “trapo desprezível” em alemão) para designar a categoria de desenraizados que foi a massa social de apoio de Luís Bonaparte (o sobrinho de Napoleão que fez a história se repetir como farsa): libertinos decadentes, filhos arruinados da burguesia, gatunos, trapaceiros, desqualificados, etc. Mas também utilizou a expressão posteriormente para designar a aristocracia financeira parasita. O lúmpen tanto podia ser burguês quanto a escória da parte inferior da pirâmide social.

O economista marxista argentino Jorge Bernstein identifica a classe dominante global hoje como lumpemburguesia porque se funda no parasitismo financista. A financeirização do capitalismo é a base da degeneração que vivemos e é uma ameaça de retrocesso civilizatório. Derivados financeiros representam cerca de 20 vezes o Produto Bruto Global. Isto é, prossegue, parte de um processo mais amplo de parasitismo do sistema capitalista mundial, que também inclui “a hipertrofia militar, a narco-economia, o consumo conspícuo das elites globais”.

Assim, conclui, o núcleo central dominante transformou-se em casta parasita e “nesse sentido é possível estabelecer paralelos com outros declínios civilizatórios, como por exemplo o do Império Romano, a fase superior e final da chamada civilização greco-romana”.[i]

Na Argentina a lumpemburguesia representada por Macri preda e destrói. Cada grupo dominante saqueia despreocupado com o futuro. No Brasil o lumpesinato burguês de Temer em poucos e ensandecidos meses forja uma brutal transferência de renda para o parasitismo financeiro, deslocando recursos que são essenciais para uma população em grande parte miserável, com precário acesso a bens sociais como saúde e educação.

Mas tal degeneração, local e global, não pode prescindir de uma base social construída a partir de uma tremenda ofensiva ideológica. Ela faz a consciência das massas olhar para o lado errado, tal qual um prestidigitador que opera o truque com uma mão induzindo a plateia a olhar para a outra mão.

O inimigo não é quem preda a riqueza mundial e causa a sua insegurança social e econômica, mas, no ressentimento explorado por essa ofensiva ideológica, o imigrante, o que está mais abaixo na escala social, os negros beneficiados por políticas afirmativas. Xenofobia, individualismo, racismo, crença irracional na meritocracia, ausência de qualquer traço de solidariedade social elegeram Trump. Parece uma piada pronta da história que Trump se pronuncie como tramp, vagabundo. A alternativa, Hillary Clinton, admitia em correspondências privadas não ter qualquer escrúpulo em cometer crimes contra a humanidade matando milhares de sírios ou palestinos

A encruzilhada de que falava Rosa Luxemburgo está, pois, ainda tragicamente posta. Ou bem mergulhamos na barbárie ou bem a luta social consegue resgatar o projeto iluminista que desde o século XVIII, passando por Marx, que viu no socialismo a razão emancipadora da humanidade, tem sido o motor da resistência à opressão, à miséria, à exploração do homem pelo homem, à concentração e acumulação de bens por 1% da população, largando à própria sorte 99%, grande parte mergulhada em indizível miséria e odiando-se entre si.

Há um enorme potencial de resistência e ela é como o caminho que, dizia o poeta, se faz ao caminhar. Mas a barbárie avança e ela tarda. Resistir em cada escola, em cada universidade, em cada fábrica, em cada bairro, construir laços de solidariedade social, resistir denunciando as farsas ideológicas que conduzem explorados a odiar explorados.

É resistência ou barbárie.

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