Por Bajonas Teixeira, colunista de política do Cafezinho
Há cinco anos, o Rio era o estado que festejava Eike Batista, o Porto Maravilha e o projeto Rio Arte, e assegurava que as UPPs faziam milagres. Por sob essa fachada, os bueiros explodiam, o crime fervilhava, mas ninguém via nada. Os efeitos profundos desse período se mostram na crise atual, só comparável aos efeitos das pestes que assolavam as cidades medievais.
Quem achava que o Brasil era sempre o país do futuro, mas nunca do presente, pode se dar por satisfeito: o Rio é o retrato vivo do país do futuro que Temer vai nos entregar, após 24 saques mensais, daqui a dois anos.
Que ninguém diga, portanto, que não foi avisado. O Rio mostra em detalhes o que o PMDB pode e sabe fazer. E para que nada falte, Moreira Franco, o atual braço direito de Michel Temer para dilapidar e saquear o estado brasileiro, foi governador do Rio e esteve envolvido em inúmeras denúncias de corrupção.
Antes de aderir incondicionalmente ao governo Temer, a Folha de São Paulo tinha esperança de que o PMDB fosse derrubado para que o PSDB, partido de São Paulo que é a sua menina dos olhos, pudesse ocupar o poder. Nessa época, fez uma matéria muito interessante, um raio X de Moreira, com o título de Camaleão político. Retratando inúmeros escândalos, suspeitas e denúncias de corrupção, desenhou a figura de um político capaz de causar arrepios mesmo nas sensibilidades mais insensíveis.
Como carioca, vivendo fora do estado há mais de duas décadas, guardo duas recordações marcantes do período do domínio recente do PMDB no estado do Rio. Uma foi um passeio de bondinho em Santa Teresa que fiz com minha mulher e minha filha em 2011. Tomamos o bonde na estação no Centro, depois de uma longa espera, porque a fila era imensa. Logo que o bonde saiu da estação, eu, que o conheço há décadas, estranhei o número e a altura dos ruídos e rangidos, de ferro velho, que se desprendiam do veículo. Falei ao motorneiro, e eles disse que era normal.
Mesmo assim, saltei na primeira estação com medo do que poderia acontecer. Pouco tempo depois, ocorreu o acidente que matou cinco pessoas e deixou 57 feridas.
Outro episódio foi um passeio no centro do Rio e no centro de Niterói. Eu estava há alguns dias em um apartamento em Ipanema, na Prudente da Moraes, e resolvi visitar aqueles cenários fora daquele vazio asfixiante da Zonal Sul. Fiquei tomado pela sensação geral de que uma espécie de sarna, de degradação epidérmica, que fazia adivinhar uma desintegração interior muito mais grave, estava tomando conta do estado.
Parecia que forças parasitárias invisíveis tinham sugado a verve, a começar pela cor e pelo asseio da cidade. Por toda parte, paredes que denunciavam não ver tinta há muitos anos, fachadas encardidas, vias públicas esburacadas, lixo acumulado, uma ambiência que há 20 anos, por exemplo, estavam restrita ao entorno da Central do Brasil, a porta de chegada dos trens do subúrbio ao centro da cidade do Rio, parecia agora ter se espalhado e passado a dominar o estado inteiro.
A isso se somavam os bueiros explodindo (2011 foi um ano de recorde de explosão de bueiros, como talvez esteja sendo, mas com menos alarde, o de 2016, que já assassinou a atriz Aline Barreto e feriu muitos outros), as violências praticadas pelas desocupações no Centro do Rio para a “revitalização” do Centro. Em contraste com o projeto centrado no Porto Maravilha, da modernização arquitetônica deslumbrante para os tolos, se via por toda a parte um impressionante número de mendigos espalhados na cidade, concentrados em grupos, dormindo nos gramados, especialmente no aterro do Flamengo e no Centro, formando grandes concentrações pela área dos Arcos da Lapa. Os mendigos, como se sabe, hoje e na Inglaterra do cercamento dos campos, apontam o grau em que a concentração econômica produz miseráveis.
Tudo isso era pouco ou quase nada visível. Sérgio Cabral era um herói da mídia. Aparecia em fotos cuidadosamente editadas, como Michel Temer hoje, de quem por mais que se procure no Google dificilmente se achará uma imagem destoante do padrão.
O homem que presidia a cidade, logo abaixo, ou um pouco acima, do governador Cabral, era Eike Batista, o dono das UPPs, o senhor do Marina da Glória, ou manda-chuva e o manda-sol da cidade. Respeitado, admirado, louvado, cultuado. Eike era o cara e a cara da cidade.
Ouvia-se também o refrão da nova cidade erguida em torno do Porto Maravilha, que era o seguinte: “O Rio é Arte. O tempo todo. Em toda parte.” Essa quadrinha imbecil soava sofisticada.
A arte o tempo todo e em toda parte, está espalhada agora por todo o estado do Rio. E é a mesma arte, que um vetusto autor anônimo português chamou de “a arte de furtar”, em livro justamente célebre do século XVII.
O Brasil do futuro, o Brasil do PMDB, de Sérgio Cabral, de Michel Temer é uma terra de ninguém degradada, sangrada até a última gota de riqueza extraível. Para bajular os empresários e as elites brasileiras em geral, e receber as migalhas do banquete, será desmontado todo o patrimônio público, de leis, garantias, e direitos. Não apenas a Constituição de 1988, e seus mecanismos que asseguram verbas para a educação, a saúde, a previdências, mas os direitos trabalhistas conquistados nas décadas entre 1910 e 1930, que Getúlio Vargas teve que reconhecer na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Ele quer, e vai se não for detido, destruir cem anos de lutas e conquistas sociais. Nada menos que isso. Vai quebrar todas as instituições sólidas (o SUS, a previdência, as universidades públicas, etc.), vai destruir o salário mínimo, a aposentadoria, o seguro desemprego, as garantias jurídicas do trabalho.
E quem é o homem que agora assume, em nome de Temer, a missão de implementar tudo isso? É Romero Jucá, nomeado líder do governo no Congresso. Contra ele, segundo levantamento site Congresso em Foco, pesam apenas as acusações referentes aos crimes de lavagem de dinheiro, formação de quadrilha, corrupção passiva, crimes eleitorais, crimes contra a ordem tributária, apropriação indébita previdenciária e falsidade ideológica, que constam dos Inquéritos 3989, 3297, 2116 e 2963.
E note-se que, no momento em que a devastação do estado brasileiro por Temer está sendo levada adiante, a esquerda fechou a boca. Desde a derrota nos dois turnos da última eleição, portanto, desde o final de outubro, o silêncio paira sobre a oposição. Não se escuta mais murmúrios. Mesmos os poucos políticos, um ou dois senadores, e um ou dois deputados, que ainda abriam a boca com mais veemência, como o senador cara-pintada Lindbergh Farias, se fecharam em mutismo profundo.
Esse raquitismo e essa anemia política são vergonhosos, porque, para qualquer um que saiba ler e escrever, o governo Temer revela facilmente que é um governo débil, que já teria caído como um castelo de cartas, se houvesse quem lhe desse um bom chute.
Caro leitor, visite e curta a página da MÁQUINA CRÍTICA, vamos criar diversidade contra a mídia fascista do golpe. Abraços.