Os disfarces, a blindagem e a liberdade como prêmio na Lava Jato

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Espiando o poder: análise diária da grande imprensa

Por Luis Edmundo Araujo, colunista do Cafezinho

“Lava Jato apura repasse em obra da marginal do Tietê”, diz a manchete do Estado de São Paulo de hoje. Ao contrário de qualquer indício ou suposição sobre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, não há nomes nem no título, nem no subtítulo da manchete. Se a Folha de São Paulo citou Lula em letras garrafais em sua principal notícia de domingo, sobre a denúncia ridícula relacionada à piscina do Palácio Alvorada, o Estadão poupou hoje o governador de São Paulo na época da obra, José Serra. O nome do atual ministro das Relações Exteriores de Michel Temer aparece na capa em corpo bem menor, na segunda coluna do texto da chamada. E se o Globo avisa no alto da capa que a “PF investiga gastos de Cláudia Cruz no país”, a Folha, assim como o Estadão, anuncia na primeira página que o doleiro Alberto “Youssef, preso na 1a etapa da Lava Jato, vai para casa”. Garantida a blindagem aos procuradores, celebrada com o almoço em Brasília da foto aí de cima, entre integrantes da equipe da Lava Jato e o relator das “10 medidas contra a corrupção”, os dez novos mandamentos defendidos por Deltan Dallagnol e companhia, a operação segue seu curso. De vez em quando joga luzes sobre um ou outro tucano ou peemedebista, para simular imparcialidade. Enquanto isso a crise não dá trégua e a ameaça da violência, como lembra o Globo hoje, de novo, continua pairar sobre os brasileiros.

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O subtítulo da manchete do Estadão diz que “em contratos que somam R$ 816,9 milhões, empresas teriam transferido R$ 89,5 milhões a investigados”. A matéria informa que o “Ministério Público Federal investiga o repasse de R$ 89,5 milhões para empresas ligadas ao operador financeiro Adir Assad e para o advogado Rodrigo Tacla Duran – alvos da 36ª fase da Operação Lava Jato – por dois consórcios e empreiteiras que executaram as obras de ampliação da marginal Tietê, em São Paulo, entre 2009 e 2011”.

Mais adiante, o jornal afirma que “a obra que ampliou as pistas da marginal foi resultado de um convênio firmado entre o governo de São Paulo, na época comandado pelo atual ministro das Relações Exteriores, José Serra (PSDB), e a Prefeitura na gestão de Gilberto Kassab (PSD), atual ministro das Comunicações, Ciência e Tecnologia do governo Michel Temer.” “Os consórcios Nova Marginal Tietê (Delta Engenharia e Sobrenco) e Desenvolvimento Viário (EIT e Egesa) foram contratados pela estatal paulista Dersa, responsável pela licitação”, continua o texto.

Resta saber agora até quando o caso ficará exposto nos jornais. Resta lembrar, também, que a denúncia de que Serra teria recebido R$ 23 milhões da Odebrecht na Suíça, manchete da Folha há quase três semanas, já desapareceu completamente do noticiário da mídia corporativa. E resta esperar para ver no que vai dar a nova investigação envolvendo Cláudia Cruz, mulher de Eduardo Cunha. “A Lava-Jato diz que parte de R$ 1,5 milhão usado para pagar 4 cartões não saiu das contas da jornalista”, afirma o Globo na capa, para completar contando que “Cláudia vai depor hoje em Curitiba.”

Quem já depôs o suficiente e agora vai pra casa, curtir sua prisão domiciliar “com vista para o Ibirapuera”, como informa o Estadão, é o doleiro Aberto Youssef, cuja trajetória foi muito bem resumida pelo jornalista Fernando Brito, no blog Tijolaço. “Roubou muito no caso Banestado, que evadiu centenas de milhões de dólares do Brasil. Mas delatou alguns comparsas e ganhou a liberdade. Deu-a o juiz do caso, Sérgio Fernando Moro. Os sete anos de cadeia a que fora condenado viraram um “ai,ai,ai, Betinho, vê lá se não rouba outra vez, prometa!”.

Ainda segundo Brito, Youssef “foi preso outra vez, mas já sabia o ‘caminho das pedras’: dedurar. E dedurou, muito, bem ao gosto do cardápio que desejavam seus captores. Então lhe deram um sentença vistosa – 122 anos de cadeia – da qual, desde que foi preso, em março de 2014, cumpriu  31 meses, menos de 2% de eternidade que têm estas penas que se prestam a mostrar como ‘é dura a cana’ para alguns. Menos que os três anos que, pelo bom negócio que fez pelo roubo de dezenas de milhões, seria o máximo que pegaria.”

Depois de Paulo Roberto Costa, primeira delator da Lava Jato, se livrar da tornozeleira eletrônica para viver tranquilamente em sua casa na Região Serrana do Rio de Janeiro, agora é a vez de Youssef, que, como lembra Brito, “vai para um ‘residencial com serviços’ junto ao Ibirapuera, no centro financeiro do país.” “Alberto Youssef é uma ferramenta que provou seu valor para nos levar a esta situação de felicidade do presente, a este país em crise e sem esperanças. Agora, ‘moralizado’, graças, em boa parte, ao Beto. Beto, o Brasil do Moro te saúda!”, conclui o jornalista.

Na coluna Panorama Político, que Ilimar Franco assina no Globo, o título avisa que “deputados reagem à Lava-Jato”. “Um grupo de deputados ameaça derrubar todo o pacote de medidas contra corrupção, sugerido pelo Ministério Público, em retaliação ao recuo do relator Onyx Lorenzoni (DEM)”, informa a coluna, que lembra que Onyx “atendeu a pedido da equipe da Lava-Jato e retirou do relatório item que instituía crime de responsabilidade para magistrados, promotores e procuradores”.

Na nota logo abaixo, intitulada ‘A lei é para todos’, Ilimar afirma que “a votação do relatório de Lorenzoni está marcada para hoje”, e que parlamentares vão pressionar Onyx “para voltar atrás da decisão, que foi tomada, na segunda-feira, após reunião com procuradores da Lava-Jato. Caso ele não recue, o grupo articula pedir a votação desse item em separado; fazer um substitutivo ao texto dele; ou, até mesmo, votar contra todo o pacote. ‘Pau que dá em Chico dá em Francisco. Todo mundo é proibido de cometer crimes. Menos eles? Por quê?’, questiona um integrante da comissão.”

Elogiados pelos colunistas da grande mídia, como Miriam Leitão, que em sua coluna de hoje no Globo ( “Laços mais fracos”) diz que “a operação Lava-Jato está provocando um salto institucional no país, na avaliação do professor do Insper Sérgio Lazzarini”, os procuradores de Curitiba podem tudo. E depois de garantirem a blindagem a eles mesmos, almoçaram fraternalmente com Onyx Lorenzoni na Galeteria do Lago, em Brasília, na segunda-feira, como informou o jornalista Políbio Braga em seu blog, onde também foi publicada a foto acima, tirada, segundo Braga, por Marco Rassier, chefe de gabinete do deputado do DEM.

Não há nada sobre isso no Globo de hoje, assim como não há nada, também, sobre as ocupações nas escolas públicas que continuam por todo o País, a protestar contra a PEC do Teto para os gastos públicos e a reforma do ensino médio. Mas a violência marca presença na primeira página, sob o título da chamada, “impactos da crise”, em que “pesquisador alerta para aumento do crime”.

O sociólogo Julio Jacobo, autor do Mapa da Violência, afirma logo no título da matéria, na página 3, que “essa crise é muito preocupante para a Segurança”. “Em geral, o crime contra a propriedade, como roubos e furtos, tende a aumentar com as crises econômicas”, alerta Jacobo, enquanto no editorial o Globo prega que “ações devem ser conectadas contra a criminalidade em alta”. A crise veio para ficar, e o medo, pelo visto, também.

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Luis Edmundo: Luis Edmundo Araujo é jornalista e mora no Rio de Janeiro desde que nasceu, em 1972. Foi repórter do jornal O Fluminense, do Jornal do Brasil e das finadas revistas Incrível e Istoé Gente. No Jornal do Commercio, foi editor por 11 anos, até o fim do jornal, em maio de 2016.
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